Formação

Economia e fraternidade

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Cardeal Odilo Pedro Scherer


Em2010, o tema da Campanha da Fraternidade (CF-2010) será “economia evida” e o lema, “vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24).Promovida todos os anos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,desta vez, será por iniciativa ecumênica do Conselho Nacional deIgrejas Cristãs.

A“fraternidade” é expressão de uma antropologia segundo a qual os sereshumanos, no fundo, são todos irmãos, membros de uma única famíliahumana, com dignidade e direitos fundamentais comuns. Decorre daí, comoconsequência ética, que esta dignidade deve ser reconhecida em cada serhumano e seus direitos fundamentais, respeitados e promovidos portodos. O que vale para um, vale para todos. Esta também é a base daDeclaração Universal dos Direitos Humanos.

Navisão cristã, dizemos ainda que todos os seres humanos são filhosqueridos do mesmo Deus; por isso, enquanto membros da família de Deus,eles devem relacionar-se como verdadeiros irmãos, não importando asdiferenças de raça, povo, nação, cultura ou condição social. E, porisso mesmo, toda ofensa ou desrespeito ao próximo, assim como suaexclusão do acesso aos bens necessários à vida digna, também são ofensaa Deus.

NaCF-2010, a atividade econômica é o âmbito fundamental para a promoção eo exercício da fraternidade. O tema tem inegável pertinência eatualidade. Quem duvida que é, justamente, nesse campo de ações erelações humanas que acontecem as violações práticas, e mesmo, asnegações mais flagrantes da fraternidade? Mas também é no âmbito dasrelações econômicas que se apresentam as oportunidades mais concretaspara viver de modo efetivo a fraternidade. E mais: As ameaças cada vezmais evidentes contra a vida humana e, de modo geral, contra a vida naTerra, também estão relacionadas diretamente com causas econômicas;como não podia deixar de ser, a prevenção desses riscos depende dareorientação das atividades econômicas – decisão difícil de ser tomada,quer para os comportamentos pessoais, quer para a política econômicanacional e global.

Arecente crise financeira e econômica demonstrou mais uma vez que aeconomia sem critérios éticos, ou com critérios equivocados, não tembases sólidas e suas conseqüências são a pobreza e o sofrimento demuitas pessoas, grupos e de inteiros povos. A atividade econômica, quetem como objetivo supremo, em vez do suprimento das necessidadesbásicas do ser humano, o lucro a qualquer preço e o acúmulo sempremaior de bens, gera multidões de famintos, deixados à margem do grande giro econômico, excluídos do bem comum.

Alémdisso, a lógica econômica que privilegia a produção e o consumo desupérfluos também se torna uma grave ameaça à sustentabilidade da vidano planeta Terra. O aquecimento global, a poluição do ar, das águas edo solo, a corrida para a posse e a exploração econômica dos recursosnaturais, até à sua exaustão, deixam evidentes os riscos para o futuroda nossa casa comum. Do ponto de vista social, as massas deempobrecidos, que migram para regiões mais prósperas do mundo, sãoconseqüência da atividade econômica desenvolvida por décadas, sem apreocupação básica com a solidariedade e a justiça econômica global.Mais que em outros tempos, hoje caímos na conta de que somos todosinterdependentes; nossos benefícios também devem estender-se a todos,para que os males de outros não venham a ser nossos males também.

O papa Bento XVI, na sua mais recente encíclica – Caritas in veritate(A Caridade na Verdade), recordou de maneira magistral um princípioantigo da Doutrina Social da Igreja, que continua atualíssimo na era daglobalização econômica: o progresso dos povos só será autêntico setiver em conta o bem de todas as pessoas e da pessoatoda. Para alcançar isso, será necessária uma atenção sempre maior aoscritérios da justiça social, da equidade e da solidariedade, para queos benefícios econômicos sejam efetivamente estendidos a todos. Eteremos todos que aprender a viver de maneira mais sóbria, superandocerto modo predatório de interagir com o próximo e com a natureza,assimilando sempre mais a ética do cuidado: Se formos todos bonscuidadores da natureza, ela ainda continuará a nos sustentar por muitotempo. Os rumos da economia não podem ficar entregues apenas à lógicado mercado, orientada pelo apetite do lucro a qualquer custo.

Olema da CF-2010 é um dito do Evangelho, no qual Jesus adverte contra oapego ao dinheiro, que pode tornar-se um empecilho para acolher decoração livre e desimpedido o reino de Deus: este é o bem supremo parao ser humano. “Não podeis servir a dois senhores porque, ou odiareis aum e amareis ao outro; ou vos apegareis a um e desprezareis ao outro.Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13). O amor servilao dinheiro chama-se avareza e pode transformar-se em verdadeiraidolatria, levando o homem a sacrificar tudo, mesmo os valores éticos,a saúde e a própria dignidade, para acumular bens. “Que proveito trazisso ao homem? Acaso pode o dinheiro comprar a vida eterna?” – perguntaJesus. A idolatria do dinheiro cega e torna insensível o coração humanodiante das necessidades e sofrimentos do próximo. E também dá certasensação de onipotência, que faz passar por cima da Lei de Deus.

ACF-2010 abordará a questão econômica de maneira não acadêmica e, decerta forma, provocadora, a partir do olhar dos menos beneficiadospelas teorias econômicas convencionais e de critérios que, apesar deesquecidos, são determinantes para alcançar os objetivos prioritáriosda economia: Pão na mesa, casa, educação, saúde e oportunidades de vidadigna para todos os membros da família humana.


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