Formação

Educar para a doação

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Maria Auristela B. Alves

Existe ainda, infelizmente, em nossa sociedade a intenção de deixar a educação dos filhos a cargo da escola, porque os pais estão sempre ocupados, demasiado preocupados em ganhar muito dinheiro para dar-lhes uma vida cômoda. No entanto, a família é a instituição que deve velar para que a educação aconteça de fato, não apenas através de aquisição de informações, mas da formação de hábitos e valores. E isso acontece através do contato e da presença real dos pais, que conversam com os filhos sobre o que assistem na televisão – e tomam cuidado com o que vêem na televisão –, que dialogam sobre a mensagem das histórias lidas, interessam-se pelo que viveram e aprenderam durante o dia etc.

A educação requer uma dose incalculável de amor, mas um amor consciente e maduro, que proporciona muito afeto e cuidado, mas que é também capaz de impor limites, regras e de dizer não. Um amor que compreenda o filho não como uma extensão dos pais, mas uma pessoa única e irrepetível, que deve ser amada pelo que é e não pelo que faz ou possa vir a fazer, e que tem uma vida que não pode ser vivida pelos outros. Os pais devem, diariamente, exercitar-se a não querer possuir o filho, mas a criá-lo.

O principal objetivo da educação é ajudar o filho a ser um dom para os outros, esta é a meta a ser alcançada, pois são capazes de doar-se aqueles que têm uma personalidade íntegra, independente, criativa, original, capaz de orientar, sustentar e planejar.

A “supermãe” e o “superpai”

A insegurança da mãe e do pai, bem como a redução da prole – que hoje, em geral, não passa do terceiro filho, quando muito –, fazem com que desponte o problema da “superproteção”. Pensando que ajudam, os pais satisfazem o menor desejo do filho e o substituem em atividades que lhe caberia, como guardar os brinquedos depois de uma “jornada” de brincadeira, arrumar a própria cama ao levantar-se, pegar um copo de água enquanto assiste à televisão etc, às vezes chegam a resolver as atividades que o filho traz do colégio.

“Perseguem” a criança por medo de que algo de ruim aconteça: “Não suba a escada”; “Não ande descalço”; “Não pegue na areia”; “Não coloque a mão na boca”… Esquecem-se de que as dificuldades e os perigos fazem parte do dia-a-dia, e farão até o último dia da existência humana. Superprotegendo, tornam o filho incapaz de enfrentar essas dificuldades e as que virão; o filho acostumado à superproteção, ou fugirá dos problemas, sem resolvê-los, ou chamará sempre alguém para ajudar, porque não desenvolveu capacidades como originalidade, criatividade e iniciativa. Terá dificuldades em orientar-se sozinho, fazer escolhas, porque foi acostumado a obedecer passivamente aos comandos maternos ou paternos: “Cuidado para não se queimar; vista o casaco para não se resfriar; cuidado com as suas amizades…”.

Prejuízo ainda maior, conseqüência da superproteção, é a atrofia da capacidade de viver em doação mútua. Porque, se o pai, ou a mãe, concede, faz e ordena tudo, não há espaço para a generosidade, o altruísmo, a autonomia. Infelizmente, o filho exigirá cada vez mais receber, esperará sempre mais passivamente e não experimentará a alegria que existe no dar, no servir, no sair de si. Egidio Santanchè, pediatra e pedagogo italiano, diz a esse respeito que os pais “devem cortar efetivamente o cordão umbilical logo nos primeiros anos de vida do filho, alegrando-se por ele viver em um espaço independente, separando-se e até se opondo a eles… Os perigos serão muito maiores se o filho estiver despreparado e ‘pela metade’…devido às contínuas interferências, aos conselhos enfadonhos, além daquelas acusações de ‘olhe tudo o que, com sacrifício, faço unicamente para você’” (1).

Verdade ou mentira?

Segundo a Unesco, a família é a “primeira comunidade natural de acolhida e desenvolvimento do homem … é realmente a família quem preserva e transmite os valores” (2), portanto, se os pais querem evitar que seu filho seja engolido pelos contravalores difundidos nesta sociedade secularizada, devem viver numa atmosfera de fidelidade aos valores em que acreditam e educar na verdade e para a verdade. Nunca se deve dizer inverdades ao filho! “Se às vezes não for possível transmitir conceitos difíceis, as coisas devem sempre ser ditas com um fundo de verdade, a ser completado no decorrer dos anos” (3). Mentir, jamais.

No século passado, difundiu-se um método pedagógico de obter obediência e submissão, que perpetua até hoje: o medo, a custas de mentira. Por exemplo, “Se você não tomar a sopa, o lobo mau vem e come você”; “Se você mentir, seu nariz vai crescer”; “Se você apontar, vai crescer uma verruga no seu dedo” e assim por diante.

O relacionamento entre pais e filho deve ser embasado na verdade. Usando a autoridade que lhe é própria, envolvida de amor, compreensão e respeito, os pais devem ensinar o que desejam e é preciso que ensinem aos filhos, mas não sob mentiras. É o hábito da verdade, de ambos os lados, que dá ao filho a coragem de, por exemplo, levantar-se na sala de aula e reconhecer publicamente um erro que cometeu, bem como de, em casa, dizer abertamente a verdade – por mais dolorosa que seja –, assumindo a responsabilidade pelos seus atos, em vez de esconder-se em cômodas mentiras.

Uma questão importante a ser lembrada, é que não se deve tentar transmitir algo que não parta de uma verdadeira convicção e de uma experiência de vida comprovada, pois o filho “capta” muito mais o exemplo que a palavra verbalizada … “nenhum filho acredita no que lhe é dito se quem educa não vive de maneira evidente e contínua aquilo que propõe. No fundo, os filhos imitam as atitudes, seguem mais o exemplo que os sermões e os bons conselhos” (4).

O numinoso

Outro aspecto que não pode ser esquecido na educação dos filhos é a visão sobrenatural. É importante saber dar ao filho o mundo “que não se vê”, o único verdadeiro.

A sensibilidade ao divino é bastante forte na infância, mas muitas vezes essa graça se perde por falta de “tato” da parte dos pais, que não valorizam nem “viajam” nessa luminosa aventura com seu pequenino.

É necessário que se crie uma atmosfera de alegria na vivência da fé, e essa vivência não se dá falando de Jesus a toda hora, mas permitindo que sua mentalidade, isto é, o Evangelho, esteja subjacente a cada ação familiar. É muito fácil apresentar aquele Jesus que se encontra estampado nos “santinhos”, mas esse não é o chamado da família. O Jesus verdadeiro “se constrói momento a momento; Ele penetra cada atividade, cada palavra e requer uma preciosa (do ponto de vista psicológico) renúncia ao nosso comodismo. Por isso, não deve ser instrumentalizado com o fim de obter facilmente a obediência ou para justificar a leitura do jornal … Se entre os pais existe uma atmosfera perceptível de amor recíproco, pode-se dizer que Jesus vive efetivamente em meio a eles” (5).

Gostaria, portanto, de finalizar com as palavras de Santanchè, que lucidamente explica o sentido da verdadeira educação: “Deixar de viver apenas para si mesmo e viver em função de alguém. O amor por outras pessoas é o verdadeiro fator de crescimento”.

Notas ibliográficas:

(1)Santanchè, Egidio. O mundo desconhecido das nossas crianças. São Paulo: Cidade Nova, 1994.

(2)Baggio, Antonio Maria. A família num mundo em transformação. Cidade Nova, n.7/1992, São Paulo: Cidade Nova.

Philippe, Mari-Dominique. No coração do amor. São Paulo: Paulinas, 1997.

(3) Santanchè, Egidio. O mundo desconhecido das nossas crianças. São Paulo: Cidade Nova, 1994.

(4)Ibidem.

(5)Ibidem.

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Fonte: Revista Shalom Maná – Ed. Shalom

http://www.edicoesshalom.com.br


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