Formação

Em meio as estações do luto

comshalom

 

Ainda muito pequena, aos dez anos de idade perdi meu pai para a eternidade. Foram momentos entre o abismo da dor guardada no silêncio da alma e o alívio, o consolo da irmã morte que libertara meu pai de sofrimentos maiores. Não foi fácil! Era inverno!

Guardo até hoje algumas imagens infantis e turvas de sua presença. São movimentos meio embasados, que com o tempo, foram se diluindo, dando espaço aos retratos de papel e a certeza de que um dia… nos reencontraremos. Percebo que, essa certeza, foi fruto de várias noites em lágrimas, questionamentos, revoltas na juventude e solidão ao lado de muitos. Frutos de muitos “rounds” perdidos na luta livre da vida, onde Deus em meio ao “ring” espiritual, inúmeras vezes me revelava que o stress do luto não era eterno. A vida, sim, é eterna!

Falar da morte, expressar sentimentos e encarar a realidade da perda de um ente querido, num mundo secularizado, onde a fé que é ilusória, – e não a beleza e a falsa felicidade, postadas em redes sociais –  é assunto fortemente rejeitado. Quase um tabu! Afinal, viver um luto por mais de vinte dias, já é diagnosticado como depressão, pelos psicólogos virtuais, quase que excluindo a pessoa da lista de amigos. “Cara chato! ”. “Só fala em morte”. Por favor, suma das redes sociais com sua tristeza.  “Não chore! ”

Mas como não chorar? Superar a morte requer tempo, porém, quando um sofrimento excessivo consome alguém por mais de anos, geralmente o problema principal não é a perda em si, mas algum outro aspecto que precisa ser entendido, en-ten-di-do! E muitas vezes, infelizmente, o espaço aberto e gratuito da internet se torna o primeiro divã para aliviar a dor e preencher o vazio, como um buraco que engole o passado e o futuro.

A dor emocional do luto, vem agregada com inúmeros fatores que muitas vezes não somos capazes de alcançar no outro. Sentimento de culpa, isolamento, datas marcantes que remete ao ente querido, reajuste à vida e ao trabalho, sufocamento da tristeza e tantos outros. Muitos querem ficar sozinhos, nesse outono da vida, outros preferem partilhar sua dor com algumas pessoas, na esperança de uma nova estação. Outros ainda buscarão forças na oração, e, em Deus, tentar sorrir em meio a dor da saudade.  

Hoje não é um dia dedicado a tristeza, onde a morte tem a última palavra, é sim um verdadeiro ato de fé, como declarou o Papa Francisco ao falar sobre a morte que atinge os membros da família. “Na fé, podemos nos consolar um com o outro sabendo que o Senhor venceu a morte de uma vez por todas. Nossos entes queridos não desapareceram na escuridão do nada. A esperança nos assegura que eles estão nas mãos boas e fortes de Deus”.

Não tenho o perfil de meu pai nas redes sociais, como um recanto de primavera, onde a qualquer momento, poderia ir lá e tocar nas flores das lembranças dos momentos inesquecíveis e alegres, que talvez ele tivesse postado. Na precocidade de sua partida, não deu tempo ao conhecimento das redes sociais e ao avanço tecnológico. Mas para mim, deu tempo, em meio a suas limitações, na espera para passar as páginas dos livros que sempre lia, de juntinho a ele, de ponta dos pés, por trás da cadeira de rodas, alcançar não só as palavras, mas, de eternizar claramente o amor que nos envolvia.

Saudade é o amor que fica!

É tempo de verão!

Angela Barroso


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