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Emmir Nogueira: A vontade de Deus é o maior bem do humilde

Hoje nós vamos falar sobre um aspecto lindo da vida de Jesus e de Nossa Senhora, aspecto sobre o qual nós nem sempre nos damos conta.

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Foto: Unsplash

Hoje nós vamos falar sobre um aspecto lindo da vida de Jesus e de Nossa Senhora, aspecto sobre o qual nós nem sempre nos damos conta. Eu vou ler o texto do Tratado da Verdadeira Devoção[1] para vocês, para que nós comentemos um pouco esse mistério de Jesus que escolheu submeter-se a Sua Mãe. Vamos lá? Vamos ver o que diz o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, no capítulo 5. Eu nem digo a página da minha edição, porque é tão antiga que certamente não existe mais!

Diz São Luís Maria Grignion de Montfort:

“Este bom Mestre (que é Jesus Cristo) não desdenhou encerrar-se no seio da Santíssima Virgem, como um cativo, um escravo amoroso, e submeter-se a ela, obedecendo-lhe durante trinta anos”. E continua: “Esta Sabedoria infinita, cheia de um desejo imenso de glorificar a Deus seu Pai e de salvar os homens, não encontrou meio algum mais perfeito nem mais simples de fazê-lo, do que submetendo-se em todas as coisas à Santíssima Virgem, não só durante oito, dez ou quinze anos, mas durante trinta anos; e ele deu mais glória a Deus seu Pai durante todo esse tempo de submissão à Santíssima Virgem, como não lhe deu empregando os últimos três anos de sua vida a fazer prodígios, e pregar por toda parte, a converter os homens. Oh! que grande glória damos a Deus, submetendo-nos a Maria, a exemplo de Jesus”.

Tocamos dois mistérios!

Veja como aqui nos tocamos um mistério! Aliás, eu diria: tocamos dois mistérios! O primeiro mistério que nós tocamos aqui é esse mistério de Deus Todo Poderoso, Deus Criador do céu e da terra, Deus criador da sua própria Mãe, escolhe não só encarnar-se como um ovozinho recém fecundado, fecundado pelo poder do Espírito Santo, concebido pelo poder do Espírito Santo no seio da Virgem Maria, não só isso, não é só essa a sua escolha, mas a escolha de como criança, como adolescente, como jovem e como jovem adulto até os 30 anos, se submeter a Sua Mãe. Que mistério!

Na verdade, é um mistério de humildade, mas um mistério de humildade dupla. Veja bem! Nós poderíamos dizer que não é incomum que uma pessoa até os 30 anos esteja na casa dos pais. Não é incomum. Não é a coisa mais comum do mundo, mas também não é algo incomum, não é algo extraordinário, que alguém vá se espantar. A questão aqui é que, primeiro, um jovem que se submeta aso seus pais até 30 anos isso sim é uma raridade, porque os jovens muito antes dos 18 anos já estão querendo se ver livre de pai e mãe, como se o pai e a mãe não fosse responsabilidade deles, e como se o pai e a mãe não tivessem lhe dado nada e ele não tivesse nenhum dever de gratidão e obediência aos pais. Isso seria algo incomum, porque na verdade um jovem de 30 anos continuar se submetendo ao pai e a mãe, e se submeter não é morando com o pai e a mãe, mas se submetendo ao pai e a mãe, seria uma raridade, uma virtude espantosa nos dias de hoje.

Jovem que se submeteu à sua mãe

Não só Jesus foi um jovem que se submeteu até os 30 anos a sua mãe, mas foi um jovem que se submeteu perfeitamente até os 30 anos a sua mãe. Escolheu obedecer. A obediência para Jesus não era um esforço. Ela não era um “trincar de dentes, se treme todinho no esforço, no autodomínio para obedecer aquela velha que está querendo mandar em mim”, não! A obediência em Jesus era uma virtude que Ele vivia na maior facilidade. Era o comum, era a vida Dele. Aquele que se humilhou e se fez homem, e se submeteu à morte de cruz por amor a nós em obediência ao Pai, para Ele obedecer era o normal, obedecer era o que Ele fazia sempre, obedecer ao Pai e obedecer a Maria, Sua Mãe.

É espantoso, como Jesus em nenhum momento diz assim: “Olha, é o seguinte. Eu já tenho 30 anos e você vá se cuidar”. Não! Até 30 anos Ele esteve com Maria, Ele submeteu-se a Maria, obedeceu a Maria, humílimo, perfeitamente humilde. Mas esse mistério tem um contraponto, que é a humildade de Maria. Nessa submissão de Jesus a Maria, nós contemplamos a humildade e a obediência de Jesus que eram Nele virtudes do dia a dia, que Ele não precisava fazer nenhum esforço para obedecer, para ser humilde. Contemplamos, por outro lado, a humildade de Nossa Senhora ao permitir que o filho se submetesse a ela.

Veja bem! Eu não sei se você conhece alguém realmente humilde. É uma raridade! Mas eu conheço várias pessoas realmente humildes, e eu noto que quando a pessoa realmente é humilde ela não tem problema que os outros se submetam a ela. Ela acha natural, e aceita como uma humilhação. Vamos pensar um pouquinho sobre isso!

A humildade de Nossa Senhora era tão perfeita

Nossa Senhora não disse assim: “Não Jesus, você é Deus, o Filho de Deus. Eu sei, o anjo me disse isso, o Pai me revelou no templo, quando você tinha 12 anos. Eu me lembro muito bem! Me lembro também quando fui apresentar você no templo. Não Jesus, você se submeter a mim? Deus me livre! Nem pensar! Você é o meu Deus, eu é que tenho de me submeter a você”.

Isso nós diríamos no nosso orgulho, mas a humildade de Nossa Senhora era tão perfeita, tão profunda, que na sua humildade perfeitíssima ela achava natural que Deus se submetesse a ela, por quê? Primeiro, porque Deus resiste aos soberbos, mas se entrega aos humildes. Está lá na palavra de Deus[2]. Deus não ouve os orgulhosos, Deus resiste aos orgulhosos, mas Deus se entrega aos humildes. Primeira razão.

Segunda razão: é que as pessoas humílimas, como Nossa Senhora, elas têm um único e maior interesse de todos: fazer a vontade de Deus, custe o que custar. Por essas duas razoes Nossa Senhora se submete com alegria, com naturalidade, ao fato de Jesus submeter-se a Ela.

Primeiro: Ela entendia que Deus resiste aso soberbos, e Ela entendia que seria uma falsa humildade e seria soberba dizer: “Jesus, não! Você se submeter a mim? Você que é o Filho de Deus ser submisso a uma criatura humana?”, não, isso nem passava pela cabeça dela, porque na sua humildade, para Ela era natural, era o óbvio que Deus se submetesse aos humildes.

Vamos dizer, a obediência de Jesus também era tão natural e a humildade Dele era tão natural que esses dois humildes se submetiam um ao outro, serviam um ao outro, amavam um ao outro, e se deixavam amar um pelo outro! Vamos já por aí. Vamos agora entender essa segunda razão da qual já falamos!

A vontade de Deus é o maior bem do humilde

A vontade de Deus é o maior bem do humilde. O maior bem do humilde não é a sua vontade. O maior bem do humilde não é o seu pensamento, a sua opinião, não! O maior bem do humilde é não se pertencer, é pertencer totalmente a Deus. O maior bem do humilde é não ter bens, porque humildade e pobreza da alma e do coração se confundem.

Então, o maior bem do humilde é não ter bens, é não se possuir, é esquecer-se inteiramente pelo outro. O maior bem de Nossa Senhora era não se possuir, era fazer a vontade de Deus, era submeter-se inteiramente à vontade de Deus, era habitar em Deus, habitar na vontade de Deus, sem nada para si, sem guardar nada para si, totalmente esquecida de si!

Nossa Senhora entendia perfeitamente que a vontade de Deus é sempre o maior bem, o maior tesouro, o maior objetivo, o maior desejo, a maior realização de uma alma verdadeiramente humilde. Então, Nossa Senhora acolhia, vamos dizer, a obediência de Jesus a ela, porque Ela entendia que é essa a lógica de Deus.

A lógica de Deus é resistir aos soberbos e entregar-se aos humildes, e Nossa Senhora vivia com a lógica de Deus e não com a sua própria lógica, vivia segundo a lógica de Deus, que é esvaziar-se, abaixar-se, humilhar-se, para que seja feita a vontade de Deus, ainda que essa vontade fosse a do Seu Filho, que era Deus, submeter-se a ela durante 30 anos. Que coisa! Isso é fascinante!

Fazer a vontade de Deus às vezes exige um esforço enorme

Eu leio esse livro do Tratado da Verdadeira Devoção direto. Eu não paro de ler, não deixo de ler nunca, mas quando eu chego aqui no capítulo 5 eu paro e fico lendo, relendo. O livro é até quebradinho nessa parte, porque não adianta!

Eu chego aqui na página 131, no capítulo 5, e leio, leio, leio, leio, releio, leio. Passo dias, semanas, lendo, porque é belo demais! É um mistério grande demais! É um mistério lindo demais! O mistério de duas pessoas que não se centram em amar a si mesmas, não se centralizam em querer a sua vontade, e mais! Isso se torna natural para elas!

Para nós, fazer a vontade de Deus às vezes exige um esforço enorme. Para nós fazer a vontade de Deus às vezes exige assim uma negação portentosa de si mesmo. Para nós fazer a vontade de Deus exige às vezes um sacrifício, uma penitência, uma morte, porque nós ainda somos orgulhosos e muito! Ora ainda, nós somos orgulhosos! São Francisco diz que o nosso orgulho vai morrer duas horas depois de nós.

Então, meus irmãos, vale a pena nós contemplarmos. Contemple essa mútua submissão, esses dois humílimos, as duas pessoas mais humildes que já existiram! Deus, que é o amor, e o amor é necessariamente humildade! O amor é necessariamente humildade! Terceira vez: o amor é necessariamente humildade! E essa criatura que é cheia de graça, que nunca pecou, e que é humílima, é a criatura mais humilde! O Deus que é humildade e Maria que é a criatura humílima, a mais humilde que já existiu. Ambos buscam a vontade de Deus.

A lógica de Deus

Ao buscar a vontade de Deus, buscam a lógica de Deus e não a própria lógica. Ao buscar a vontade de Deus, eles buscam a Deus e não a si mesmos. Ao buscar a vontade de Deus eles se submetem ao desejo de Deus, à lógica de Deus, a maneira de agir de Deus, e o amor neles se confunde com humildade, e humildade é necessariamente submissão à vontade de Deus.

Você podia argumentar: Mas Emmir, aquela passagem de Lucas aonde Nossa Senhora chega, está Jesus com os Seus discípulos, a sala cheia, a casa cheia, não tem por onde entrar, e Nossa Senhora diz que quer ver Jesus, Nossa Senhora e os primos de Jesus. Eles estavam provavelmente preocupados com Jesus, porque logo depois que Jesus lá em Nazaré é levado, querem jogá-lo despenhadeiro abaixo, e seus parentes provavelmente diziam: “Mas está ficando louco? Ele está doido, fora de si?”. Nós não temos tempo de ler esta palavras, mas você pode ler em casa. Eles foram então ter com Jesus, e Nossa Senhora foi junto com eles.

Certamente Nossa Senhora tinha certeza absolutíssima de que Jesus estava longe de ser um desequilibrado. Provavelmente Nossa Senhora foi até para acalmar os ânimos ou foi levada por eles. Enfim, o Evangelho não diz, nós só podemos conjecturar, e aí não vale muito a pena.

Quando Nossa Senhora chega lá, alguém diz para Jesus: “Tua mãe e teus irmãos estão aí, e querem falar contigo”. Jesus responde: Minha mãe e meus irmãos?”[3], olhou para todos os discípulos que estavam ao redor dele, e disse: “São esses que ouvem a minha palavra e a praticam”. Como diz o Salmo, Deus deu a eles ouvidos de discípulos, ou seja, ouvem a palavra de Deus e a praticam.

Nossa Senhora então se descabelou, se jogou no chão, bateu na porta: “Ingrato! É assim que você em trata?”, não! Nossa Senhora achou a coisa mais normal do mundo. Ai de quem interpreta essa passagem como se Jesus estivesse humilhando Nossa Senhora! Não! Normalíssimo!

A maneira de pensar de Deus, a lógica de Deus, e essa criatura humílima, a mais humilde de todas as criaturas, entendeu imediatamente: “Agora chegou a hora de Ele se revelar, de Ele cumprir a Sua missão. Agora chegou a hora de eu me submeter a Ele, como Ele se submeteu a mim. Nós sempre fomos submissos um ao outro”. Claro, Nossa Senhora e Jesus sempre foram mutuamente submissos, porque são mutuamente humildes, e quem é humilde obedece à vontade de Deus, e os dois estavam obedecendo a mesma vontade, e o segredo é esse!

Nossa Senhora não agiu com a lógica humana nesse momento, porque ela estava acostumada. Pelas suas virtudes, pelo fato de não ter o pecado original, pelo fato de nunca ter pecado, ela conhecia a lógica de Deus, vivia a lógica de Deus, e ela vivia unida ao seu filho, coração com coração, em oração. E Nossa Senhora entendeu o tempo de Deus e a lógica de Deus, a lógica de Deus! O Pai é o Pai do céu, e a mãe e os irmãos são os discípulos que ouvem a minha palavra e a colocam em prática.

“Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis aí a tua mãe”.

Houve nesse momento, segundo Raniero Cantalamessa, houve um início de uma preparação de Jesus para com Nossa Senhora, para que ela fosse assumindo a maternidade dos discípulos que ela iria assumir plenamente ao pé da cruz, quando Ele diria: “Mulher, eis aí o teu filho. Filho, eis aí a tua mãe”. O Cantalamessa diz que nesse momento era uma preparação de Jesus na humanidade, na maturação da humanidade de Maria para ela começar a ser preparada para ser a mãe da Igreja, mãe dos homens. Porém, isso só foi possível porque Nossa Senhora entende perfeitamente a lógica de Deus, a vontade de Deus para ela e para o seu Filho.

Nas bodas de Caná[4], o seu Filho se submeteu a ela: “Mulher, o quê que nós temos a ver com isso, criatura?”, e ela, numa boa, usou da sua autoridade de mãe, e disse: “Façam tudo o que ele mandar!”. São dois evangelistas diferentes, mas vemos aqui dois momentos em que um Jesus se submete ainda a Maria, embora não tivesse chegado a sua hora. Ele se submete a ela e faz a sua vontade.  No outro evento, já chegou a sua hora. Ele já está pregando, já está fazendo milagres. Vemos logo antes, no Evangelho de Lucas, a citação de Isaías 29, 18: “Os cegos veem, os coxos andam, os mortos voltam a vida, é tempo da manifestação do Messias, da manifestação do Senhor1”. Então, há uma reacomodação e Nossa Senhora, com alegria, continua a fazer o que ela sempre fez: fazer a vontade de Deus!

Que o Senhor nos ajude a contemplar esse mistério

Eu termino com essa reflexão de Luís Grignion de Montfort, dizendo assim: “Deus que quis aparecer como uma criancinha dependente dos cuidados da sua Mãe Santíssima, cheio de um desejo imenso de glorificar a Deus seu Pai e de salvar os homens, não encontrou meio algum mais perfeito nem mais simples de fazê-lo, do que submetendo-se em todas as coisas à Santíssima Virgem, não só durante oito, dez ou quinze anos, mas durante trinta anos; e ele deu mais glória a Deus seu Pai durante todo esse tempo de submissão à Santíssima Virgem, como não lhe deu empregando os últimos três anos de sua vida a fazer prodígios, e pregar por toda parte, a converter os homens. Oh! Que grande glória damos a Deus, submetendo-nos a Maria, a exemplo de Jesus!”.

Que o Senhor nos ajude a contemplar esse mistério. Que o Senhor nos ajude a nos submeter a Nossa senhora, como Ele fez! Se Ele, que é Deus, fez assim, quem somos nós para não fazê-lo? Deus nos ajude a contemplar esse mistério de submissão mútua, de humildade belíssima, de obediência perfeita a vontade um do outro e a vontade de Deus.

Deus te abençoe imensamente!

Referências

[1] Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, de São Luís Maria Grignion de Montfort,
[2] 1 Pedro 5, 5; Provérbios 3, 34; Mateus 23, 12; Tiago 4, 6.
 
[3] Mateus 12, 46-50; Marcos 3, 31-35; Lucas 8, 19-21.
 
[4] João 2, 1-11.


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