Muitas os ensinamentos que a transfiguração de Cristo no monte Tabor oferece aos seus seguidores (Mc 5,2-10). O Evangelista destaca que o Mestre divino “tomou consigo Pedro, Tiago e João e levou-os sozinhos a um lugar à parte sobre alta montanha”. Santo Tomás de Aquino comentou: “Jesus com isto ensina que é necessário a todos os que desejam contemplar a Deus a não se ligar às baixas voluptuosidades, mas se elevar sem cessar pelo amor para os bens celestes”. Para se transfigurar é preciso se transportar para cima, ascender.
O embelezamento da alma supõe que não se esteja inclinado para a terra, curvado pesadamente sob o peso das paixões, escravo dos prazeres carnais, livre dos novos demônios deste milênio. Para se chegar à visão de Deus é preciso contemplá-lo, é preciso alçar vôos para as alturas, para as altaneiras montanhas. Entretanto, ir ao cimo de um monte supõe esforço, disposição. Toda transformação para melhor está condicionada também a um doloroso esforço. O processo de transfiguração em Cristo exige uma ascese contínua. Urge com determinação eliminar os elementos que conspiram contra um aprimoramento espiritual ininterrupto. O desapego absoluto de tudo que impede a adesão completa ao divino Redentor. Aliás, o desprendimento é uma recomendação essencial do Evangelho, renúncia de tudo, de todos, sobretudo de si mesmo, mesmo porque a adesão às coisas e aos outros ocorre sempre por causa do interesse próprio. Para se degustar, porém, as delícias do Monte Tabor é preciso não hesitar e fazer da vida uma ascensão jamais interrompida por mais laboriosa que seja. Então se poderá mirar a face divina de Cristo, podendo repetir com São Pedro que é reconfortante contemplar os raios da divindade do Salvador. Contudo, é mister observar que Jesus conduziu os três Apóstolos a um lugar solitário, envolto em silêncio, numa atmosfera favorável à contemplação, à prece ardente. Eis aí outra condição para o processo de transfiguração espiritual. É isto o que exige a fixação do cristão no modelo divino, no ideal que deve prender todos os pensamentos, inflamar todos os sentimentos. Isto possibilita reproduzir em si os traços maravilhosos do Filho de Deus, mas supõe que o cristão esteja imerso numa prece profunda, resultado da disposição de colocar entre parêntesis o passado e o futuro numa entrega absoluta ao coração amoroso de Jesus no instante em que se põe a orar. Esta a oração ultrapassa o mero recitar de fórmulas e leva o fiel a perceber as maravilhas em torno daquele que é Deus e homem verdadeiro. Nunca uma alma frívola, presa ao barulho exterior, uma alma vazia de amor, poderá degustar as delícias do contato com as realidades sobrenaturais. Eis porque São Paulo aconselhava aos Filipenses a rezarem em espírito todo o tempo (Fl 6,18). É a esta prece meditativa que se refere São Cipriano ao dizer que é bom rezar sem cessar para não se afastar do reino celeste. Deste modo o discípulo de Cristo se envolve numa luminosidade maravilhosa, a qual personaliza o ser racional, o humaniza e o vai espiritualizando. É deste modo que se prepara a ressurreição futura na luz de Deus por toda a eternidade. Então, sim, se terá compreendido e vivido a admoestação do Pai: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz”, ou seja, praticai o que Ele ensinou, passando cada um do homem biológico para o pneumático, ou seja, do homem terreno para o homem espiritual. Foi o que disse Jesus a Nicodemos: “ O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 3,5). Esta é a realidade batismal, nem sempre vivida em plenitude, porque falta uma disponibilidade interior que permita a ação da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. A transfiguração pessoal começa no dinamismo da atuação do Espírito Santo que humaniza o eu biológico, carnal, e faz passar para a vida transfigurada em Jesus. Felizes os que vivem estas mensagens sublimes provindas lá do Monte Tabor.
Con. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.