É possível rezar, comungar, dedicar indulgências e nos sacrificar pelos outros, pedindo a Deus que aplique nossos méritos a determinada pessoa. Como não nos maravilharmos por tamanha graça? Sem esta graça, como explicaríamos a conversão de Santo Agostinho, por exemplo, graças aos muitos anos de intercessão, fé e piedade da sua mãe Mônica
Entende-se por Comunhão dos Santos a união sobrenatural que existe entre todos os membros da Igreja, Corpo Místico de Cristo. A Igreja é a família dos cristãos de todos os tempos. A Comunhão dos Santos expressa a realidade da comunicação dos bens espirituais entre todos os batizados, os santos canonizados ou não. Recordemos ainda a verdade de que todos são chamados à santidade, como nos ensina o Concílio Vaticano II¹.
A Comunhão dos Santos é uma realidade de fé admirável porque nos confirma, de fato, a verdade de que – como dizia Santa Teresa de Ávila – só Deus basta. Só Ele permanece para sempre e aqueles que estão unidos a Ele também permanecerão. É Deus o ideal mais alto das nossas vidas. Tudo tende a desaparecer com o passar do tempo, mas – segundo Bento XVI – “A única coisa que permanece eternamente é a alma humana, o homem criado por Deus para a eternidade. O fruto que fica, portanto, é o que semeamos nas almas humanas, o amor, o conhecimento, o gesto capaz de tocar o coração, a palavra que abre a alma à alegria do Senhor”².
A verdadeira Koinonia cristã é a comunhão com Deus e a comunhão com os irmãos. Esses laços sobrenaturais não desaparecem quando terminam os nossos dias aqui na terra. O mistério do amor de Cristo nos une à Santíssima Trindade e a todos os nossos irmãos de fé, de maneira que se prolonga na outra vida. O Catecismo da Igreja Católica nos ensina sobre os três estados da Igreja: Militante, Padecente e Triunfante (4).
O Papa Paulo VI conclui o Credo do Povo de Deus neste sentido: “Cremos na comunhão de todos os fiéis de Cristo, a saber: dos que peregrinam sobre a terra, dos defuntos que ainda se purificam e dos que gozam da bem-aventurança do céu, formando todos juntos uma só Igreja. E cremos igualmente que nesta comunhão dispomos do amor misericordioso de Deus e dos seus Santos, que estão sempre atentos para ouvir nossas orações como Jesus nos garantiu: Pedi e recebereis”(5).
Comunicação de bens espirituais
O evento da Encarnação do Verbo fez de todos nós, que acolhemos a salvação de Cristo, santos (cf. Rm 1,7). Fomos eleitos por Deus para sermos santos (Ef 1,4). Portanto, o que nos une é maior do que a contingência deste mundo com suas obscuridades. Tudo o que fizermos, o menor ato de amor, tem dimensão de eternidade. Daí a importância das nossas decisões e o sentido que damos à nossa existência. É tão notável a diferença de reações diante da dor, do sofrimento e da perda entre aqueles que estão em Cristo e aqueles que não O conhecem. Também é verdade que o pecado fere a comunhão e obstrui o fluxo da graça.
Se entre todos os amigos se pode viver a troca de benefícios pela gratuidade do amor, pela liberdade de vontades, muito mais se pode viver essa comunicação de bens espirituais entre todos os membros da Igreja. Assim, nos é possível rezar, comungar, dedicar indulgências e nos sacrificar pelos outros, pedindo a Deus que aplique nossos méritos a determinada pessoa. Como não nos maravilharmos por tamanha graça? Sem esta graça, como explicaríamos a conversão de Santo Agostinho, por exemplo, graças aos muitos anos de intercessão, fé e piedade da sua mãe Mônica (hoje Santa Mônica)? Depois da sua conversão e que sua mãe já havia partido, Santo Agostinho escrevia no Livro das Confissões pedindo a Deus para ter misericórdia de sua mãe. Como explicaríamos essa relação de podermos contar com a intercessão de uns para com os outros e da oração intercessora dos nossos amigos santos canonizados? Cremos que a purificação dos nossos irmãos do purgatório pode ser abreviada pela nossa oração e méritos em Cristo. A Comunhão dos Santos já manifesta a grande “koinonia” da eternidade. Não há fronteira para o amor quando ele nasce da comunhão com Deus.
É isso que me lança ao perdão, acreditar que a conversão da minha família é possível, que Deus cumprirá seu desígnio de felicidade para comigo, e que Sua divina providência conduz a história, a humanidade e a Igreja. A Comunhão dos Santos nos arrasta ao desprendimento deste mundo que passa e nos faz ter saudades do céu e esperança na misericórdia de Deus.
Tudo isso é o antídoto para este mundo que, apesar da tecnologia e dos avanços dos meios de comunicação, padece de solidão, cansaço, desilusão e desesperança para consigo, para com Deus e para com o outro. Falta diálogo, capacidade de escuta e doação de vida. O individualismo impede o ideal da espiritualidade de comunhão, a Koinonia, que é – segundo João Paulo II – “a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo Místico, isto é, como um que faz parte de mim, para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade” (6).
Eclesiologia de Comunhão
Um parágrafo se faz necessário para lembrarmos – nessa perspectiva da comunhão entre os cristãos e a solidariedade dos bens espirituais – a chamada Eclesiologia de Comunhão, explicitada pelo Concílio Vaticano II. Trata-se da comunhão de todos na Igreja, e da comunhão na sua estrutura Igreja local (Diocese e paróquia) e Igreja que está em Roma, onde está o Papa, aquele que preside na fé e na caridade. A comunhão entre nós é por demais necessária e é um mandamento de Cristo para sermos luz e testemunho do amor fraterno diante de um mundo que vive o individualismo e o egoísmo, provocando exclusão, privação material e espiritual.
O amor não passa, permanece para sempre
O amor que se deu ao extremo (cf. Jo 13,1), provou a morte, mas a venceu definitivamente. O amor é uma Pessoa: Jesus Cristo, que ressuscitou e está vivo. Somos para Cristo vidas preciosas, compradas por Seu sangue precioso. A Comunhão dos Santos, inclusive com os que já não vivem, porque cremos que eles continuam a existir e estão unidos a nós pelo milagre da misericórdia de Deus e pela marca indelével do Batismo em Cristo, é uma verdade maravilhosa e confortante para nós. Com isso, mostremos ao mundo que não somos infelizes e que não estamos sozinhos, pois nunca haveremos de estar enquanto Cristo for o sentido e a primazia de nossas vidas. Embora o labor e as lágrimas façam parte da vida, somos solidários pela graça e pela fé, uns para com os outros. Podemos até viver a experiência da tristeza em determinadas situações, mas temos o consolo de Deus, essa é a diferença. Deus, para nós, não é um conceito, uma ideia, “uma tese científica”, mas “uma Pessoa” que participa das nossas vidas como o sangue que corre nas veias e como o ar que respiramos.
Diante da realidade da morte, a Comunhão dos Santos nos lança na esperança da vida eterna e quando nos deparamos com o momento exato da dor e da saudade da perda de quem amamos, acreditamos que tornaremos a encontrar a esses que, na verdade, são mais de Deus do que nossos. Nossas lágrimas não são destinadas ao túmulo, mas transformadas em esperança porque sabemos que, batizados em Cristo, o somos para morrer por sua morte e ressuscitar em sua ressurreição. Em cada túmulo existe uma cruz como sinal externo de que aquele recebeu a luz de Cristo e nela adormece.
A comunhão de benefícios espirituais entre os três estados da Igreja: os que caminham nesta vida, os que são purificados no purgatório e os que gozam da bem-aventurada alegria do céu, tem uma característica essencialmente eucarística. A eucaristia é o maior “sinal e elo de koinonia”, portanto, Comunhão dos Santos. É na eucaristia que estamos unidos e é ela quem nos faz esperar o tesouro do céu até o fim. A eucaristia nos faz unidos uns aos outros e a Cristo, à Igreja e ao céu, é o que nos diz o papa Bento XVI: “Em cada eucaristia, realiza-se sacramentalmente a unificação escatológica do povo de Deus. Para nós, o banquete eucarístico é uma antecipação real do banquete final, preanunciado pelos profetas (cf. Is 25,6-9) e desenvolvido no Novo Testamento com as núpcias do Cordeiro (Ap 19,7-9) que há de celebrar na Comunhão dos Santos”(7).
Finalizemos esta reflexão fazendo memória de nossa Mãe Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, modelo incomparável da comunhão em Cristo. Sua maternidade e sua intercessão por nós ocupam um lugar especial na Comunhão dos Santos. Nela tudo é “koinonia”, porque nela o amor de Deus é vivo. Deus mesmo habita nela em plenitude de vida eterna. A Maria nossa gratidão e confiança de que Ela vela incansavelmente por nós, pois “viveu a comunhão Mãe e Filho no Espírito Santo e, pela fé, recebeu e entrou para sempre em comunhão com o Verbo Encarnado.”(8). Que Ela nos ensine a viver a Comunhão dos Santos entre batizados desta vida, nos ensine a amizade com o céu e a solidariedade com os que estão no purgatório esperando o grande momento de contemplarem a Face de Deus. A esses, particularmente, dediquemos nossas orações de sufrágio e, especialmente, a Celebração da Santa Missa. Tudo isso é fruto da inesgotável graça de Deus que faz do amor o vínculo que permanece para sempre.
Sendo assim, estando nós nessa comunhão, nessa solidariedade de vida e santidade, de dons, méritos e graças, atribuímos tudo ao amor e à misericórdia de Deus manifestada em Seu Filho Jesus Cristo, nosso Salvador. Rezemos todos juntos: No Teu amor, Senhor, fizeste-nos santos e, na tua santidade, cremos e esperamos participar da amizade eterna, desse vínculo de amor que não passará jamais. Assim seja!
Referências:
1 – Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, 40;
2 – Homilia do Cardeal Ratzinger na Missa de início pelo Conclave, abril de 2005 – Roma;
3 – Catecismo da Igreja Católica, 948;
4 – Ibidem, 954;
5 – Papa Paulo VI. Credo do Povo de Deus;
6 – João Paulo II. Carta Pastoral Novo Millennio Ineunte, 43;
7 – Bento XVI. Sacramentum Caritatis, 31;
8 – Teologia de Hans Urs von Balthasar, citado por Dom Quelet, Arcebispo de Quebec, Canadá. Revista Sacerdos, maio-junho 2003.
Arquivo Formação Shalom
Preciso estar presente na MISSA DE SÉTIMO DIA que encomendei por uma amiga? Mas, e a Comunhão do Santos?
Olá, obrigado pela pergunta. Não é obrigatório estar presente. Sua intenção continua válida diante de Deus e das orações da Igreja. Porém, na medida do possível é importante estar presente, unida a Igreja diante de Deus em favor da alma em questão. Esperamos ter respondido a sua pergunta. Shalom!