Em 1994, no mês de novembro, Pe. Daniel Ange esteve em Fortaleza para o Fórum Carismático daquele ano. Trouxe consigo um ícone desconhecido no Brasil, chamado “Porta do Céu”. Trouxe também um pequeno frasco de algodão embebido em óleo perfumado que jorra constantemente deste ícone em Toulouse, na França.
Terminado o Fórum, orou por cada um de nós e nos ungiu com o óleo, deixando o ícone como presente para o Ronaldo, um dos membros da Comunidade de Vida há apenas três anos.
No mesmo ano, no mesmo Fórum, Patty Mansfield, primeira pessoa a receber a graça do Batismo no Espírito Santo no famoso retiro da Universidade de Duquesne, nos Estados Unidos, confidenciava-me que tinha a nítida impressão de que, na próxima vez que aqui viesse, não mais encontraria um de nós nesta terra.
Nos desígnios insondáveis do Senhor, dignos de toda confiança e louvor, o Ronaldo dedicou-se imensamente ao ícone, cuja guarda lhe foi confiada pelo Pe. Daniel Ange e as autoridades de sua casa comunitária. Aconteceu com ele um fenômeno comum entre os que conhecem e amam os ícones:
“Pode-se encontrar um ícone como a uma pessoa a quem se vai amar imensamente, em um apaixonamento espiritual instantâneo”[1].
Diariamente orava diante dele e sua devoção e amizade à Mãe de Deus cresceram a olhos vistos.
Cerca de uma semana antes do seu falecimento, chamou-me entusiasmado, com um livreto de capa ocre na mão: “Emmir, encontrei o caminho! O caminho fácil, rápido, curto, reto!” Aproximei-me para ver a razão de tanto entusiasmo – o Ronaldo tinha a graça de transmitir entusiasmo imediato pelas coisas de Deus – e verifiquei que tinha nas mãos o Tratado da verdadeira devoção à Virgem Maria, de São Luis Grignon de Montfort. Este episódio, indelével em minha memória, consola-me a cada vez que penso em sua páscoa: seu céu estava garantido pela Virgem a quem ele venerava como Porta do Céu e a quem se havia consagrado como escravo segundo a devoção de São Luis de Montfort. Sem que soubéssemos, seguia os mesmos passos de João Paulo II, também ele um escravo da Virgem. Como saberíamos depois, sua veneração e amizade ao ícone da Porta do Céu o haviam preparado para encontrar em plenitude sua querida Amiga da Terra.
Aos 29 anos desta amizade que se expandiu por toda a comunidade e Obra, utilizo o Portal Shalom durante o mês de fevereiro, mês da páscoa do Ronaldo, para, através da tradução de alguns capítulos do livro de François-Xavier de Guibert, fazer mais conhecida de todos esta manifestação mariana que tem unido Oriente e Ocidente, levando inúmeros filhos de Maria a habitar com ela eternamente.
História da Portaïtissa
Tradições sobre um ícone milenar que deseja ser posto à porta
A verdadeira Portaïtissa, que data cerca de mil anos, ainda existe: é conservada em um mosteiro do Monte Athos.
Para dizer a verdade, aqueles que a puderam ver, dizem que não se pode mais ver claramente como ela deveria ser originalmente.
As silhuetas da Mãe e do Filho, as inscrições, estão recobertas por placas de prata incrustradas de pedras! Aparecem ainda somente os dois rostos de Maria e de Jesus, mas escurecidos pela fumaça das velas e envelhecimento do verniz…
No entanto, este ícone é a origem da veneração à portaïtissa, tão difundido hoje em dia no Oriente e no Ocidente.
O que continua perceptível é uma como que cicatriz sobre a face direita da Virgem, traço de um golpe de sabre que a atingiu e que teria provocado, no local do “ferimento”, um sangramente…
Esta cicatriz vem dos períodos de afrontamento violento dos movimentos “iconoclastas”, que envolviam os que aceitavam os ícones como apoio de suas orações e os que os recusavam como idolatria. O golpe de sabre teria acontecido no período dos imperadores Leão III, o Isauriano e, depois, de Leão V, o armênio.
O ícone, então, existia nesta época longínqua, marcado por esta dolorosa querela que o concílio de Nicéia veio apaziguar ao legitimar oficialmente o culto dos ícones.
A “tradição” ensina que uma viúva piedosa, em Nicéia, temendo outras profanações a seu ícone já “ferido”, teria preferido joga-lo ao mar, pois a fúria das correntes seria menos temível que o furor dos sectários. No mar, teria sido conservado sem afundar até o dia em que dois monges o reencontraram, trazida para a maré, sobre a curva de um rio perto de onde se encontrava seu monastério, em Iviron, no Monte Athos.
Tendo-o recolhido com emoção, colocaram-no na igreja de seu monastério. No dia seguinte, para seu espanto, constataram que havia desaparecido e, ao procura-lo, encontraram-no… perto da porta de entrada da igreja.
Novamente o instalaram dentro da igreja e ele, mais uma vez, deslocou-se para fora. Isso aconteceu durante vários dias. A comunidade monástica, então, decidiu deixa-o “à porta”, já que este parecia ser seu desejo.
Logo edificaram um pequeno santuário no local para abrigar a Portaïtissa, o ícone daquela que queria ser a “porteira”, a “guardiã da porta”.
Ao longo dos séculos o ícone foi conservado com grande veneração neste monastério que festejava solenemente sua festa na quarta-feira da oitava da Páscoa, aniversário de sua descoberta pelos monges.
Por volta de 1920 um monge com dotes incontestáveis, fez, inspirando-se no ícone, uma cópia muito livre, mas particularmente bela, que tornou-se segundo narraremos adiante, o “ícone de Montreal”.
François-Xavier Guibert
Em L´Icône de Toulouse, Maria, Porte du Ciel, p.21
Ed. independente
[1]F. –X. de Guibert, em L´icône de Toulouse “Marie, Porte du Ciel”, p. 31