Todas as vezes que passa o Domingo de Páscoa, fica difícil fazer a Lectio Divina sem imaginar como os apóstolos e discípulos viveram os 50 dias que os separava do primeiro Pentecostes.
Quando imagino Nossa Senhora, é fácil: orava, em louvor e ação de graças durante todo o tempo, em imensa alegria por ver a vitória de seu Filho e se alegrava ao escutar os testemunhos dos discípulos. Mãe daquela turma irrequieta, feliz, mas amedrontada, o Senhor a preparava para exercer a maternidade como Mãe da Divina Graça.
Quanto aos discípulos, meu Jesus Cristo! Que rebuliço, que alegria, que coleção de histórias de aparições de Jesus e… que medo dos judeus!
– “E aí, alguém tem novidades?” perguntava Pedro, em código, querendo dizer: ‘alguém sabe de uma nova aparição do Senhor’. Vamos ver quantas vezes o Mestre já apareceu até agora. “Conta aí, Mateus!” dizia, pela milésima vez. Mateus, tentando fazer com que confiasse em suas contas, respondia, agarrando a pena como se ela fosse a humildade:
– “Quer que eu pegue minha última contagem?”
– “Nã, nã, nã, não’”, repetia, sempre, Pedro. “Vamos ver outra vez, vamos contar tudo outra vez! Alguém ouviu falar de … ‘novidades’? … Ninguém? Então vamos recordar, vamos recordar! Vamos contar de novo!”
– “Certo. Mas vamos organizar. Primeiro, a aparição fora dos muros de Jerusalém, nos arredores. Depois, as de dentro dos muros. Em seguida, a do caminho para Emaús.”
– “Primeiro eu!”, gritou Maria, a Madalena: “Passei a noite inteira acordada depois ‘do que aconteceu’ ao Senhor e preparei os melhores aloés, enquanto chorava, sem acreditar no que tinha acontecido. Quando a luz começou a aparecer…” E, como sempre fazia, contava detalhes do que tinha acontecido, do que tinha pensado, do que tinha sentido, de como era Jesus Ressuscitado, de como Ele a chamara pelo nome. Joana e Maria, mãe de Tiago e João, respeitavam a Madalena como a testemunha principal do relato. Aos poucos, iam entrando na história, sempre com um “Conta aí….”, ou com um “Pois para mim, o mais marcante…a maior graça…”. Os outros ouviam, maravilhados, como se fosse a primeira vez e sabendo que elas iriam lembrar-se de novos detalhes, que os ajudaria a viver o momento.
– “Quando João e eu corremos para ‘lá’… tudo o que eu queria era ver Jesus…” disse Cefas, fitando o chão, olhar perdido, meditando em sua até então desconhecida impotência… “Queria tanto vê-lo que o coração se partia dentro de mim!”. E, com olhos repentinamente brilhantes e sorriso novo no rosto, “Em compensação, quando Ele me apareceu em Jerusalém… Meu Deus! Que grande alegria! Vocês se lembram do que lhes contei? Mas, teve mais…” e, enquanto os outros ouviam a história pela milésima vez, seus olhos brilhavam com a graça nova. A cada vez que alguém narrava seu testemunho, recebiam graça nova. Era como se pudessem tocar Jesus.
– “Simão Pedro, conta aí como foi quando Ele apareceu para 500 pessoas de uma vez”, pediu Maria, mãe dos filhos de Zebedeu.
– “Nem me fale! Nunca vi tanta gritaria, tanta gente se prostrando no chão, tantos tentando abraçá-lo, tocá-lo, tantos pensando que era um fantasma... Uma loucura! Nós não sabíamos o que fazer, porque também a nós o ‘choque’ de Sua ressurreição atingia de cheio. Logo compreendemos que o que tínhamos a fazer era: nada! Simplesmente adorá-Lo!”. Ao ouvir essa narrativa que já conhecia tão bem, João, lembrando-se do Mestre Amado, trocava o riso em choro e o choro em riso. Além disso, adorava ouvir Pedro chegar à conclusão de que não precisava fazer nada. Emocionado, tomou a palavra:
– “Inesquecível, mesmo, foi quando apareceu a nós no quarto de cima, mostrou-nos as mãos e o lado e disse…”. Não conseguiu concluir. Alguém começou a cantar de pura alegria, como fazem os judeus. Era uma melodia improvisada: “Shalom! Shalom! Shalom! Ruah, Ruah, recebam Ruah! Alegria! Alegria! Alegria!”. Sabendo que não teria mais chance de continuar sua história, João entrou no grupo dos dançarinos e o júbilo se instalou.
Depois de algum tempo, Mateus, que não podia ver uma tarefa incompleta, saiu da roda, pediu ordem e disse, organizadíssimo:
– “Tiago, do grupo de Jerusalém, só falta você”. Todos pararam e fitaram Tiago em grande expectativa do que ele iria dizer.
– “Eu… eu…, bem, é que… eu…eu não consigo contar”, gaguejou, sem controlar o choro. Na verdade, só Deus sabia o que lhe tinha acontecido naquele dia, que graça tão enorme tinha sido aquela, que havia deixado mudo o filho do trovão. Enquanto Maria de Nazaré se unia a Tiago com o olhar, Tomé veioem seu socorro, colocando-se meio da roda.
– “E eu, se esqueceram de mim?”, ajoelhou-se, para melhor explicar como havia saído de suas entranhas em perfeito arrependimento, o ato de fé perfeito: “Meu Senhor e meu Deus!”
De cada coração jorrou o silêncio emocionado que repetia a mesma coisa. Até que Mateus fez um gesto com a cabeça para os de Emaús, que já estavam impacientes para contar sua história.
– “Quanto a nós, nem imaginávamos que o Senhor teria falado conosco durante tanto tempo sem que nós O conhecêssemos! Como fomos capazes de ser tão cegos?! Como é que isso pode ter acontecido?!”
– “Calma, Cléofas”, riu-se João, divertido. “Isso irá acontecer até o final dos tempos. O Mestre Ressuscitado nunca será exatamente como o vimos ou imaginamos. Sempre é infinitamente mais do que nossa inteligência é capaz de entender. É preciso vê-Lo com o coração!”
Quando Cléofas e a esposa (sim! Alguns exegetas hodiernos afirmam que os 2 de Emaús eram um casal) acabaram de contar sua história, Mateus retomou, enquanto Pedro louvava o Senhor pela ocasião de ser paciente com a hiper-organização do irmão.
– “Vamos ver… Agora é a vez dos que viram o Mestre na Galileia!”, disse, já preparado para a confusão dos 7 que queriam contar a história cada um do seu jeito: “Eram 156 peixes grandes”, diria Tiago. “Eu contei 159”, corrigiria um dos dois discípulos. “É porque você contou com os que o Senhor tinha assado”, completaria Natanael e todos cairiam na gargalhada, repetindo a história em meio aos risos. Era sempre a mesma coisa e esticavam a história ao máximo, pois eram deliciosas aquelas conversas!
Simão foi o único que silenciou no meio das risadas. Rezava, repetindo: “Senhor, tu sabes tudo. Tu sabes que eu te amo!”. Quando todos se calaram, Pedro, que adorava ouvir a outra história da Galileia, perguntou:
– “Quem vai contar, desta vez, aquele dia em que caminhávamos para a montanha, na Galileia e o Senhor apareceu no meio do caminho e nos prostramos todos os onze aos Seus pés, adorando-O, cheios de temor e Ele disse ‘Todo poder me foi dado no céu e sobre a terra’ e nos mandou fazer discípulos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e, em seguida ensiná-los, formá-los para fortalecê-los na fé? Quem vai contar?” (Sim, esta é uma homenagem ao pessoal da formação).
– “Não restou quase nada para eu dizer, exceto o principal”, disse Tomé, fazendo, como um maestro o gesto de ‘todos juntos’, ao que os outros responderam, em coro:
– “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!”. E riram com gosto, também em coro, sem necessitar de maestro.
Assim se passaram os 40 dias após a ressurreição, até Jesus subir aos céus e o medo invadi-los no meio da solidão.
Talvez tenha sido a saudade da Última Ceia os tenha feito voltar ao Cenáculo como lugar seguro. Começaram a reunir-se lá, com algumas mulheres, para orar, para a fração do pão e partilha das Escrituras. Foram 10 dias de intensa oração.
Com eles e as outras mulheres, estava Maria de Nazaré, a Mãe da Divina Graça, a Orante. E isso… isso fez toda a diferença!
Maria Emmir Oquendo Nogueira