Após agradável viagem pelas perfeitas rodovias francesas, entramos em estrada mais estreita e sinuosa por entre pequenas montanhas até que foi se aproximando de nós o bege e a dança inconfundíveis dos trigais ao vento. Logo chegaríamos à casa ínfima de Marthe, também ela ladeada por pequeno trigal e cercada de todo tipo de flores. Uma senhora alta e forte nos atendeu, avental branco meio sujo e lenço sobre os cabelos, como se saída de uma tela de Chagal.
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“Entrem, por favor, a porta é ali”. Deixando-nos sozinhos, voltou ao seu serviço, aparentemente na cozinha. Alguém abriu a porta com respeito. Entramos no cômodo pequeno, perfeitamente limpo, absolutamente silencioso, como o coração de Maria. Sentamo-nos devagar à frente do leito de Marthe e rezamos.
Quando jovem, Marthe Robin ouviu Jesus lhe perguntar se lhe daria suas pernas como um ato de amor a fim de que ele fosse melhor servido e salvasse almas. Confusa, aquiesceu. Depois de fortes dores nas pernas que acabaram por paralisar-se, Marthe continuou sua entrega ao Senhor até ficar inteiramente paralisada e incapaz de mastigar e engolir.
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Sempre muito católica, enquanto pode mover-se frequentou a Eucaristia diária. A partir da imobilidade crescente, o Corpo de Jesus lhe era levado por sacerdote amigo. Quando deixou de engolir, passou a alimentar-se exclusivamente da Hóstia Consagrada que era como que aspirada da mão do sacerdote. Nutriu-se exclusivamente da Eucaristia durante 51 anos!
A partir de determinado momento, da 5ª feira até a 6ª, participava misticamente da Paixão de Jesus, conversando com ele e partilhando seus sofrimentos. Duas ou três pessoas assistiam a esses momentos e uma delas anotava as palavras de Marthe que só seriam publicadas após sua morte.
Sempre assistida por um sacerdote, Marthe, vivendo o princípio evangélico de amar o irmão como Jesus nos ama, recebia e aconselhava dezenas de pessoas a cada dia, rezando pelos enfermos e pelos que pediam oração. Os milagres se sucediam. Muitos iam até o pequeno vale de Château-neuf de Gaulle ver e ouvir Marthe que, sempre em sua pequena cama, os atendia com caridade.
Sentada no quarto de Marthe, dava-me conta que tudo aquilo havia acontecido há pouquíssimo tempo e, por entre as emoções que se sucediam como ondas revoltas, tentava rezar. Vencida, silenciei. Como se faz diante do mistério. Como se faz na presença do sagrado. Como se deve fazer diante de alguém que sabe transformar a dor em amor.