No encontro entre o Conselho Geral e a Comunidade de Aliança de 2005, o Moysés disse uma frase surpreendente: “Nós somos uma experiência. Nossa vocação é uma experiência. Vivemos a experiência do Ressuscitado que passou pela cruz. Nossa vocação é esta experiência continuamente renovada.”
A partir desta premissa, começou a falar das características desta experiência e ficou muito claro para todos nós o fato de que nossa vocação não é estática, mas dinâmica. É uma participação ativa e contínua da experiência dos discípulos em Jo 20, em ininterrupto relacionamento com o Ressuscitado que passou pela cruz, ministrou-lhes a Paz e a Alegria, desposou-os e os enviou a evangelizar.
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Moysés poderia ter dito, em outras palavras: “Somos uma experiência, um encontro contínuo, como um matrimônio espiritual no qual os esposos se dão e se recebem em movimentos incontidos de amor.” Neste encontro, há sempre a contemplação, que acolhe a paz e a alegria; a unidade no dar-se de Cristo Ressuscitado e no acolher dos discípulos; a evangelização do ir, do partir em missão.
Raramente nos damos conta de que evangelização e missão são uma só coisa. Raramente percebemos o quanto o partir em missão é, abaixo do martírio, a resposta mais extremada ao amor de Cristo. Tanto assim que, teologicamente, é considerado um grau do martírio. Quanto mais eu acolho o amor do Ressuscitado que passou pela cruz, quanto mais eu me deixo amar por Ele e o amo, mais cresce em mim o desejo partir em missão.
Quanto mais profunda é minha contemplação, mais profunda é minha unidade com o meu esposo, mais generoso é meu desejo de levá-lo ao mundo. Missionariedade não é uma questão de disponibilidade, mas de desejo. Desejo surgido da contínua experiência de contemplação e unidade. Não é questão de opção, é questão de graça inerente à vocação Shalom.
Se oro aos moldes de Santa Teresa, uno-me ao Esposo que se une a mim. Se me uno a ele, passo a ter sua mente e coração, passo a desejar, como ele, partir em missão. Seus sonhos são os meus sonhos, seus desejos, são os meus desejos, seus planos são os meus planos, sua sede é a minha sede e sua maior e mais amorosa sede, sabemos, é de almas, de pessoas que o amem e o desposem, unindo-se, nele e com ele, à Trindade Santa.
Se não oro, não ardo em desejo de fazer a vontade de Deus. A missionariedade, para mim, reduz-se a “estar disponível”, em “estar disposto a partir”. Isso é diferente de “desejar ardentemente partir”, como Santa Teresinha, São Francisco Xavier, São Francisco de Assis e tantos outros. A falta de oração profunda, aos moldes de Teresa, esfria minha experiência com o Ressuscitado que passou pela cruz. Paralisa-a. Transforma-a em lembrança, muitas vezes sem nenhuma saudade. Isso porque nossa vocação é uma questão de contínua experiência de amor esponsal. Sem esta experiência contínua, ficamos tristemente aprisionados a nós mesmos, ao nosso próprio plano, à nossa própria força, à nossa realização segundo nossa pobre e mesquinha medida.
A missionariedade é o termômetro da nossa vida de oração, de nosso amor a Jesus. Quanto mais o amamos, mais desejamos partir para fazê-lo conhecido e amado. Amamos os que Ele ama. Dói-nos na mesma medida que dói nele ver o homem afastado de Deus. Preocupa-nos como preocupa a Ele a indiferença religiosa que assola a humanidade. Dilacera-nos, como dilacera a Ele, o ateísmo, a secularização, o desconhecimento de Deus. Sua dor é a nossa dor. A dor e amor que o impulsionaram a dizer ao Pai: “Tu me deste um corpo e eu digo: ‘Eis-me aqui para fazer a tua vontade´ é a minha dor. Pela oração, o amor esponsal que nos une, faz-nos ser com Ele uma só mente e um só coração.
Quanto mais oramos e o amamos, mais vivemos nossa vocação de contínua experiência e mais profundamente desejamos partir. Quanto menos oramos e o amamos, menos vivemos nossa vocação de contínua experiência e mais profundamente desejamos ficar no nosso lugar, com nossas coisas, nossos planos, nossos amores, alegando que afinal Deus é amor e que tanto faz conhecer ou não conhecer Jesus, pois o que salva é o amor. Não! Não! É Jesus a salvação. O amor é graça advinda da salvação, não a salvação. O amor humano não tem poder de salvar, curar, libertar, fazer feliz. Só o divino tem. Ou cremos nisso ou não somos cristãos. Seremos julgados pelo amor, certo, mas a salvação é Jesus. Deve-nos inquietar profundamente o fato de que ainda há pessoas – e muitas! – que não o encontraram.
Quanto mais oramos e amamos nosso Esposo, mais cresce nossa visão espiritual e mais enxergamos a sede do homem e a sede de Deus e nossa resposta é: “Anseio partir, anseio dar-me todo, anseio ir às últimas consequências por amor a Jesus, à Igreja, aos homens”. Quanto menos oramos e o amamos, mais atrofiada fica nossa visão espiritual e mais enxergamos a nós mesmos e nosso mundinho, mais consideramos um envio em missão como uma loucura, uma insensatez desnecessária, um “jeito de o Conselho conseguir gente para colocar nas missões”.
Nossa vocação é uma experiência contínua e ininterrupta com o Ressuscitado que passou pela cruz, com o Missionário do Pai que nos ama e nos alcançou através de alguém que partiu para nos encontrar. Esta experiência inclui, necessariamente, como em Jo 20, a contemplação, a unidade e a missão, a evangelização. Morta a oração, desaparece a unidade. Desaparecida a unidade, passamos a ter o nosso próprio coração, e não o do Esposo, a nossa própria mente e não a dele, os nossos desejos e não os seus.
Tudo, inclusive a missionariedade, é, portanto, uma questão de experiência contínua com Jesus ressuscitado. Tudo parte da oração. Tudo se baseia na graça e por ela é alimentado. Nesta experiência, Deus é colocado como primeiro, o irmão como o segundo e eu como o feliz terceiro. Sem esta experiência continuamente alimentada, esta ordem fica tristemente, desastrosamente invertida e eu, pobre de mim, chamado a ser alma esposa e inflamado de desejo de me dar, fico tristemente raquítico, reduzido à mediocridade do meu pequeno mundo.