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Entrevista completa com Edionê Cristina, missionária em Chaves, na Ilha do Marajó

comshalom

IMG_3940-CópiaConfira entrevista com Edionê Cristina Santos, 50 anos, celibatária e missionária da Comunidade Católica Shalom desde 1997. Ela é atualmente responsável local do Shalom em Chaves, na Floresta Amazônica. O município ribeirinho, cujo acesso é somente fluvial ou aéreo e que tem um dos menores índices de Desenvolvimento Humano do Brasil, conta com a presença da Comunidade há 19 anos. Edionê e mais sete missionários se dedicam a ajudar adolescentes, crianças e suas famílias, promovendo a dignidade de quem necessita de bens materiais básicos e do “pão espiritual”. Veja:

– Como foi o seu chamado vocacional? Como foi sua história com a Comunidade Shalom?

Meu chamado vocacional aconteceu em Aracaju. Conheci a comunidade fazendo curso de FB (Formação Básica), logo em seguida, fui convidada a participar de grupo de oração, onde fui conhecendo mais de perto a vocação. Foi no Fórum Carismático de 1996 em Fortaleza, quando fazia seis meses que eu participava de grupo de oração, que tive o contato mais direto. Eu voltei desse fórum muito questionada. E então comecei a entrar em um processo de discernimento vocacional.

Foi uma luta desigual, eu achava que fosse Comunidade de Aliança, porque tinha meu emprego, meus planos, meus projetos, eu trabalhava no Sesi como auxiliar de gabinete dentário, era atendente, já trabalhava há treze anos, era noiva. E era interessante: quanto mais eu me apaixonava pela Comunidade de Aliança, mais eu me identificava com a Comunidade de Vida. E realmente, pude perceber que meu chamado não era Comunidade de Aliança, que eu tinha verdadeira admiração, e que no fundo, o que eu queria era não ter de deixar meus planos, meu trabalho, tudo o que eu tinha planejado. Até que chegou o dia em que assumi tudo isso diante de Deus e tomei a coragem de pedir ingresso na Comunidade de Vida. Meu postulantado foi em Salvador, depois fui para a Casa de Formação em Pacajus (CE). Em seguida, fui morar em Fortaleza. Depois fui para Mossoró, onde fui responsável local da missão por cinco anos, em seguida para o Rio de Janeiro, onde fui responsável local por quatro anos. Agora estou em Chaves há quase seis anos.

missionaria e idoso– Como acontece a evangelização da Comunidade Shalom em Chaves? E, pessoalmente, qual é o seu trabalho?

Estou em Chaves há cinco anos e seis meses. Aqui só há um sacerdote, os únicos missionários referência de Igreja somos nós da Comunidade Shalom, que estamos aqui há 19 anos. Durante seis meses, nós temos a Santa Missa, nos outros seis meses nós não temos. Na ausência do padre, somos nós que fazemos a celebração da Palavra com a Eucaristia. O padre deixa uma quantidade de hóstias consagradas e nós fazemos a celebração da Palavra. Quando acabam as partículas consagradas, nós viajamos de barco por quatro horas, até a cidade vizinha de Afuá, onde há sacerdote. Então, lá nós participamos da Eucaristia, e o padre nos entrega as partículas consagradas e voltamos de barco, trazendo-as. Também temos grupos de jovens, adolescentes e crianças. Evangelizamos também através da escolinha de futebol, do laboratório de informática, com o apoio pedagógico, com as aulas de violão. Evangelizamos também 16 famílias as quais assistimos diretamente com formações humanas e espirituais, e assistência de nossos benfeitores espalhados no mundo inteiro, e principalmente das missões próximas, como Macapá e Belém, que nos socorrem em nossas necessidades. Quanto ao meu trabalho, eu sou responsável local. Então, aqui nós temos de entrar em todos os aspectos e necessidades da Igreja. Nós também viajamos até as ilhas, chegamos a viajar 17 ou 22 horas de barco para ir até os locais mais distantes, afastados, para evangelizar, para dar formação.

– O que a missão de Chaves tem de especial? O que te chama atenção e o que conquista seu coração para o povo dessa terra?

O que me chama atenção aqui… São tantas coisas… O pobre me chama atenção, porque nós temos os três tipos de pobreza aqui: moral, espiritual e material. O que me chama atenção muitas vezes é a falta de perspectiva de vida, também tantas vezes eles esperarem que outros deem a resposta por eles, a autoestima ser tão baixa. O que chama atenção também é o isolamento, os desafios geográficos para chegar até este lugar. Se viermos por Macapá, são oito horas de barco, por Belém são 32 horas. E nesse período de verão, nós temos muita maresia, que é o vento que agita o mar. Então, quando viajamos nesse período, a água entra barco adentro e molha todas as nossas coisas.

Outra coisa que me chama muito a atenção é ver que tantas vezes eles esperam que nós não os abandonemos porque nem todo mundo se adapta a essa realidade de isolamento. Aqui nós não temos água potável, não temos médico, nem saneamento básico. Então, o que me chama atenção também são tantas pessoas generosas que confiam no nosso trabalho mesmo sem conhecerem Chaves. Elas nos ajudam mesmo sem conhecer esse lugar. Me alegra também saber que a Missão de Chaves é sustentada pelo Fundo dos Pobres, pela fidelidade dos irmãos da Comunidade de Aliança, que chega até nós. Me chama atenção tantas necessidades, que gritam. É tudo isso que a Igreja, que o Papa fala do pobre, é a gente tocar realmente nesse mistério de Jesus, tocar na necessidade e levá-los a ter essa experiência com Deus, de uma forma simples, mas de uma forma concreta.

Aprender com eles a esperar… Porque aqui nós temos que esperar. Por exemplo, se eu quiser ir embora agora daqui, eu não vou, porque a maré ainda não encheu, só quando a maré encher. Se acontecer alguma coisa à noite, eu não tenho como sair, porque não tem avião e barco não é assim, tão fácil. Então, é realmente estarmos abandonados em Deus. Então, me chama atenção também a forma como nós somos acolhidos. Vou te dar um exemplo: a gente viajou oito horas de barco para evangelizar uma cidade ribeirinha. E geralmente, no período de carnaval, a gente convida outros irmãos que gostariam de ir conosco, médicos, enfermeiros, ou outras pessoas que possam nos ajudar a evangelizar. Então, viajamos oito horas de barco, e levamos, além dos sete missionários, doze pessoas de Chaves, irmãos da Comunidade de Aliança, vocacionados, pessoas da Obra Shalom.

Então, eu disse:”Vamos levar alguma coisa, porque podemos sentir fome na viagem”. Quando chegamos à comunidade, uma senhora veio nos receber, dona Maria Raimunda, muito feliz, mas com o olhar muito preocupado. Então, eu a chamei e disse: “Dona Maria, está acontecendo alguma coisa? Eu tô vendo que a senhora nos acolheu muito bem mas está com o olhar muito preocupado”. E ela disse: “Edionê, missionária, eu tô aqui preocupada porque eu dizia para o meu marido: ‘Raimundo, os missionários vão chegar e a gente não tem nada para dar pra eles. Não temos comida’. E ele dizia: ‘Mulher, você não lê a Palavra de Deus? Deus provê, Deus proverá, sua misericórdia não haverá de faltar’.” Mas ela, muito inquieta, sempre insistia: “Olhe, receber um missionário na minha casa, é receber o próprio Jesus, e eu não queria que eles não tivessem nada para comer”. Ao ouvir aquela história toda, o meu coração se acelerou, ao ver a experiência que eles têm, a atenção que eles têm para com aqueles que vão falar sobre a Palavra de Deus para eles. Eu disse: “Dona Maria, fique tranquila, porque Deus já providenciou”. Uma irmã nossa, da Comunidade de Aliança, tinha mandado alguns gêneros alimentícios para a nossa missão, uma irmã nossa da Missão de Belém, a Ana Lúcia. Ela havia dito: “Edionê, eu vou mandar algumas coisas, porque vocês podem precisar nessa viagem”. Então, eu tirei tudo o que nós tínhamos do barco, e dei pra dona Maria. E a alimentação serviu não somente para nós, mas para todos eles. Esse é só um dos testemunhos, mas tem tantos outros em que nós tocamos também diretamente a providência de Deus, aqueles que tem sede da palavra de Deus. E também nos deparamos com aqueles que não querem nada, e então, provamos de nossa impotência, mas também de nossa perseverança de estar diante de Deus.

Outra grande coisa que me chama muito a atenção: é impressionante estar com as crianças, porque aqui são muitas! Aqui não temos o problema de baixa taxa de natalidade. O fato de estar com as crianças, estar com os pobres, estar onde muitos têm medo de estar  – porque as pessoas têm medo dos bichos, de estar tão isolados -, isso nos aproxima muito mais de Deus. A nossa oração é incrível! Temos aqui a experiência de rezar e viver concretamente a Palavra de Deus em todos os sentidos, de não ter medo, de ter fé, de saber que Deus nunca nos abandona.

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Comentários

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  1. Nossa Meu Coração pula grita ao ler tudo isso!
    Lendo meu Coração Tem Desejo Também De Ama-lo Mais De Perto……
    De Sentir Um Pouco Do Que Eles Sentem….
    Nunca Senti Arde Em Mim O Quanto Alguém Precisa Ao Menos que seja Do meu Sorriso……Ao ler A Parte Das Crianças Sentia Como que elas colocadas aos meus Braços ou Ate mesmo Correndo Em Seus Sorrisos……
    experiencia incrível…….