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Entrevista: O «direito de morrer» poderá converter-se em «dever d

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O «direito de morrer» poderá converter-se em «dever de morrer», constata Michele Boulva, diretora do Organismo Católico para a Vida e a Família (OCVF), em uma entrevista concedida a Zenit, da qual oferecemos a segunda parte.

–Há pessoas que reclamam o direito de morrer em nome da liberdade. O que acha disto?

–M. Boulva: Em nossa cultura, a autonomia pessoal se converteu quase em um absoluto. Toda opção é considerada válida sempre que não cause mal aos outros. Aplicada à eutanásia e ao suicídio assistido, esta atitude individualista ameaça o bem comum da sociedade porque tem conseqüências não só para a pessoa que elege morrer, mas para toda a sociedade.

Como escreveu a renomada canadense em ética Margaret Somerville, «a legalização da eutanásia causaria um prejuízo aos valores e aos símbolos da sociedade importantes que se fundam no respeito à vida humana» («Vancouver Sun», 5 de junho de 2006). Nossa percepção do valor e da dignidade de cada vida humana mudará. Como um produto de consumo, a vida humana perderá seu valor à medida que se aproxime a sua «data de validade».

A confiança fundamental que nos depositamos nos médicos, nos enfermeiros e enfermeiras, nos advogados, sabendo que e opõem à eliminação de qualquer pessoa, se desvaneceria. Seria igualmente muito difícil prevenir o abuso. Em nossa sociedade que envelhece, que tem de enfrentar o aumento dos custos dos cuidados paliativos, o chamado «direito de morrer» correria o risco de converter-se em um «dever de morrer».

Segundo a tradição cristã, Deus concede aos seres humanos um certo grau de autonomia: nossa inteligência e nossa vontade nos permitem tomar nossas próprias decisões. Mas não somos proprietários do dom da vida, somos seus administradores. A liberdade verdadeira nos leva a eleger o verdadeiro bem que Deus nos revela para nossa felicidade eterna. Todo exercício da liberdade ou todo ato de autodeterminação que contradiz o plano de Deus sobre nós, como indivíduos ou como seres sociais, é contrário à autêntica liberdade.

–Por ocasião da Jornada Mundial do Enfermo, vocês publicaram um folheto com o título «Viver, sofrer e morrer… por quê?» A quem se dirigem em concreto?

–M. Boulva: Ainda que esta publicação se dirige em princípio aos católicos, interessará também a toda pessoa em busca de felicidade e de um sentido à existência e ao sofrimento. Concebemo-lo no contexto de uma sociedade descristianizada que precisa redescobrir suas raízes. Chegou o momento de voltar a propor-lhe a esperança cristã. Cristo vem dar um significado inesperado a nossas vidas. Muitos encontram nele a fonte de sua perseverança, de sua esperança e inclusive de sua alegria na adversidade. Esta reflexão convida os leitores a contemplar um dos grandes mistérios da vida: a dor e o sofrimento. Revela o sentido cristão profundo, inspirando-lhes um sentido renovado da esperança, do valor e da paz.

–Em que pontos insistem especialmente?

–M. Boulva: Recordamos o formidável projeto do amor de Deus sobre cada um de seus filhos na terra, seu desejo de entrar em relação de amizade com cada um de nós, seu sonho de ver-nos colaborar livremente com Ele para construir um mundo mais justo e mais humano, e como tudo isto se realiza na vida ordinária de cada dia. É aí onde podemos viver um encontro extraordinário com Deus: simplesmente no trabalho e na vida familiar, no tempo livre e os compromissos sociais, falar a Deus e oferecer-lhe tudo por amor.

Pois Cristo quis dar um sentido divino a nossas vidas. Nossas cruzes, pequenas e grandes, unidas à sua, encontram todo seu sentido na Eucaristia. É aí onde Cristo as toma e as oferece ao mesmo tempo que a sua para que nos convertamos em co-redentores com Ele. Pode-se imaginar uma maior dignidade?

Abordamos por último a questão da solidariedade, dos cuidados paliativos e do chamado à compaixão verdadeira que nos lança Cristo reconhecido na pessoa só, diminuída, angustiada, abandonada. Cada um de nós está chamado por sua vez a servir a Cristo sofredor e a ser o Cristo Servidor que sustenta o outro nos dias de sofrimento para que conserve o valor até o término natural de sua vida. Eis aqui o que significa «ajudar a morrer» para um cristão: ajudar a viver até que o outro chega naturalmente ao momento mais importante de sua vida, seu passo para a eternidade e seu encontro cara a cara com Deus.


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