“Conhecias até o fundo do meu ser
meus ossos não te foram escondidos
quando eu era modelado, em segredo
tecido na terra mais profunda.
Teus olhos viam o meu embrião” Sl 139, 14-16
Nós, como toda a Igreja do Brasil, recebemos com estranheza e temor o acolhimento em pauta, por parte do Supremo Tribunal Federal, da ADPF 442 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) que pleiteia a descriminalização do aborto até a 12a semana de gestação.
Recebemos com temor porque toda existência humana é única e irrepetível. Causa-nos estranheza por se tratar de uma pauta que nem mesmo o Congresso Nacional deu seguimento, por percebê-la como totalmente contrária ao interesse do povo brasileiro.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil já se posicionou sobre isso no último dia 13 de setembro. Ao final desta página repostamos essa Nota e expressamos aqui nossa total concordância com nossos pastores e intercessão por eles, pois têm a missão de conduzir seu povo com coragem e sabedoria, inclusive em tempos turbulentos como este.
Essa posição magisterial estável e antiquíssima aparece no Concílio Vaticano II quando a Igreja quer comunicar ao mundo sua alegria e esperança:
“Com efeito, Deus, senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepção; o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis.” (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 51)
As sagradas escrituras chamam-nos também a uma resposta. Diante da pergunta que retrata a cegueira causada pelo pecado “Acaso sou guarda do meu irmão?” (Gn 4,9), a resposta a ser dada hoje e sempre é SIM. Somos também guardas destes irmãos que estão vivendo a fase da vida pela qual todos passamos, a gestação intrauterina.
O Catecismo da Igreja Católica apresenta com clareza o significado da dignidade da pessoa humana. De modo inequívoco, ao tratar do aborto, afirma:
“A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida.” (2270)
“O inalienável direito à vida de todo indivíduo humano inocente é um elemento constitutivo da sociedade civil e de sua legislação” (2272).
A Congregação para a Doutrina da Fé já há 35 anos também instruía: “Os direitos dos homens não dependem nem dos indivíduos, nem dos pais, e também não representam uma concessão da sociedade e do Estado: pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa em razão do ato criador do qual esta se origina.” (Donum Vitae, 3)
Para além de todas as questões políticas, ideológicas ou partidárias, chamamos, não somente os cristãos, mas todos homens e mulheres de boa vontade a apreciar este debate a partir de seu fundamento: O início da vida humana é um dado biológico que não pode ser relativizado. Todos somos, desde o primeiro instante de nossa fecundação, indivíduos em processo de desenvolvimento ininterrupto e o seremos até o ocaso da vida. Este dado de fato é civilizatório, ético e racional.
Como cristãos, no contínuo espírito de concórdia, devemos:
1 – Interceder por todos aqueles que hoje têm responsabilidade sobre decisões acerca deste tema da mais alta relevância
2 – Dar o testemunho da nossa fé na sacralidade da vida humana desde sua origem
3 – Reafirmar aos nossos representantes federais, pelos meios existentes, o desejo de que se posicionem sempre a favor da inviolabilidade do direito à vida desde a concepção.
No seu empenho pela vida, a Igreja nunca desconsiderou as graves situações pelas quais passam milhares de mulheres e famílias, quer pela pobreza, violência ou diversos tipos de marginalização. Nessa missão, nunca optou pelo caminho das soluções fáceis, mas traumatizantes, e que negam a igualdade de todos perante a lei, particularmente dos mais fracos.
Em sua caminhada milenar, a Igreja sempre foi pródiga em obras que levaram o cuidado, do corpo e da alma, a mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade. Ela motivava que o mesmo fosse feito por aqueles que abraçaram a missão no serviço público, no pleno reconhecimento de que a família é a célula vital da sociedade.
Na conclusão do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco se dirigindo a todos os sacerdotes e concedendo uma mais larga faculdade de absolvição, dizia:
“Quero reiterar com todas as minhas forças que o aborto é um grave pecado, porque põe fim a uma vida inocente; mas, com igual força, posso e devo afirmar que não existe algum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração arrependido que pede para se reconciliar com o Pai.” (Carta apostólica Misericordia et misera, 12)
Em nossa missão de anunciar a Paz a todos os homens e conduzi-los a plena realização de suas vidas num caminho de santidade, renovamos hoje o compromisso de intercessão, evangelização, formação e serviço aos pobres. Estamos certos de que, na vivência fiel e criativa do nosso chamado, podemos dar a melhor resposta às angústias e anseios do coração humano e contribuir para a transformação da sociedade.
Perseveramos no contínuo acolhimento, em nossos Centros de Evangelização e Casas de Promoção Humana, de todos os que, diante de situações dramáticas, são impelidos a considerar a possibilidade de um aborto, dando-lhes um suporte fraterno com o conselho, conforto e socorro necessários para escolherem a vida. Acolhemos também a todos que passaram por esta traumatizante experiência os apresentando o amor misericordioso do Senhor, e oferecendo-os uma profunda reconciliação consigo mesmos, com sua família e com o próprio Deus.
Que a Virgem de Nazaré, apressadamente, visite hoje também os nossos lares, e que a presença redentora de Jesus nos infunda a alegria da salvação e ilumine nossas consciências!
“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” Jo 10,10.
Comunidade Católica Shalom
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NOTA DA CNBB
VIDA: DIREITO INVIOLÁVEL
“Propus a vida e a morte; escolhe, pois a vida” (Dt 30,19).
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de sua Presidência, reafirma sua posição em favor da vida desde a concepção.
Diante do pedido de inclusão em pauta da ADPF 442 (2017), no Supremo Tribunal Federal (STF), que pleiteia a possibilidade de aborto legal até a 12ª semana de gestação, reafirmamos que “o aborto constitui a eliminação de uma vida humana, trata-se, pois, de uma ação intrinsecamente má e, portanto, não pode ser legitimada como um bem ou um direito” (Vida: Dom e Compromisso II: fé cristã e aborto, Edições CNBB, 2021, n.96).
Jamais um direito pode ser exigido às custas de outro ser humano, mesmo estando apenas em formação. O fundamento dos direitos humanos é que o ser humano nunca seja tomado como meio, mas sempre como fim. “Ninguém nunca poderá reivindicar o direito de escolher o que mais convém por meio de uma ação direta que elimine uma vida humana, pois nenhuma pessoa tem o direito de escolha sobre a vida dos outros” (Vida: Dom e Compromisso II, n. 97).
“A decisão deliberada de privar um ser humano inocente da sua vida é sempre má, do ponto de vista moral, e nunca pode ser lícita nem como fim, nem como meio para um fim bom” (Evangelium Vitae, n. 57).
Como já nos manifestamos em 2017, por meio de Nota “Pela vida, contra o aborto”, reiteramos nossa posição em defesa da integralidade, inviolabilidade e dignidade da vida humana, desde a sua concepção até a morte natural. Entendemos que os pedidos da ADPF 442 foram conduzidos como pauta antidemocrática pois, atropelando o Congresso Nacional, exigem do Supremo Tribunal Federal (STF) uma função que não lhe cabe, que é legislar diante de uma suposta e inexistente omissão do Congresso Nacional, pois se até hoje o aborto não foi aprovado como querem os autores da ADPF não é por omissão do Parlamento, senão por absoluta ausência de interesse do Povo Brasileiro, de quem todo poder emana, conforme parágrafo único do art. 1º da Constituição Federal.
De qualquer forma, jamais aceitaremos quaisquer iniciativas que pretendam apoiar e promover o aborto.
Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, ajude-nos na missão de escolher a vida, como dom de Deus e compromisso de toda humanidade.
Brasília- DF, 13 de setembro de 2023
Dom Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre – RS
Presidente da CNBB
Dom João Justino de Medeiros da Silva
Arcebispo de Goiânia – GO
1º Vice- Presidente da CNBB
Dom Paulo Jackson Nóbrega de Sousa
Arcebispo de Olinda e Recife – PE
2º Vice-Presidente da CNBB
Dom Ricardo Hoepers
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília – DF
Secretário-Geral da CNBB
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