Esperançar!

Você conhece o verbo esperançar? Para ser sincera, eu não conhecia. Vivia me lamentando de nós, lusófonos, termos que usar uma expressão verbal – ter esperança – e não termos a mesma sorte dos que têm um verbo especial para substituí-la: hope, éspérer, sperare…

Minha ignorância durou até o dia em que recebi um whatsapp com uma entrevista falando sobre esperançar, que transcrevo abaixo[1]:

Pergunta o apresentador:

– Queria que você encerrasse o programa dirigindo uma mensagem a alguém que terá que chegar em casa amanhã, dia de natal, e não terá presente, dinheiro, talvez não tenha luz, talvez não tenha comida, talvez não tenha nada, a não ser o que for imprescindível. O que você diria a essa pessoa?

E o entrevistado responde, surpreendentemente:

–  A coisa mais importante que você e eu podemos ter na vida quando a gente não tem nenhuma outra coisa, é a esperança. Mas tem que ser esperança do verbo esperançar, porque tem gente que tem esperança do verbo esperar e esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Tem gente que diz: “Espero que dê certo, espero que resolva…” Isso não é esperança, é espera. Esperançar, de onde vem a palavra esperança, é ir atrás, é buscar, é não desistir. Por isso, se você nada tem, mantenha a esperança. Alberto Schweitzer foi um estupendo médico do século XX. Ganhou o Nobel da Paz em 1952 e dizia que a tragédia não é quando um homem morre. A tragédia é aquilo que morre dentro de um homem enquanto ele ainda está vivo. O que é que não pode morrer? A esperança! Do verbo esperançar, de ir atrás, de buscar. Bom Natal!

Pois é! Para meu espanto, em minha ignorância, o verbo esperançar existe! Veja o que dizem dele os principais dicionários de nossa língua:

Esperançar – verbo transitivo = dar esperanças a.; verbo pronominal = conceber esperanças, confiar

Em um blog, http://blog.tribunadonorte.com.br/gramaticando/, do professor Silvio Augusto, encontrei: “Muita gente pensa que ter esperança é a mesma “coisa” que esperar; no entanto, há uma sublime diferença. Esperançar lembra esperança, ou seja, busca o que quer realizar; age de modo proativo. Diferentemente de esperar: que significa ficar à espera; sem agir, sem tomar iniciativa.

O verbo esperar, admitido por muitos, não deve se sobrepor ao significado sublime de esperançar.”

E o tal do verbo logo me convenceu de minha ignorância ao se deixar conjugar direitinho, em todas as pessoas, igual aos verbos regulares da primeira conjugação. Pasme! Eu esperanço, tu esperanças, ele esperança… eu esperancei… tu esperançarás… ele esperançara… ele esperançou… nós esperançaríamos… quando vós esperançardes… se eles esperançassem… esperançando… esperançado, e por aí vai!!!

Lembrei-me de que Albert Schweitzer é, além de médico, teólogo e filósofo cristão. Logo, falava sobre a esperança cristã, que, aliás, conhecia muito bem. Foi prisioneiro em campo de concentração nazista e, ao ser libertado, exclamou, diante da humanidade destroçada, como um homem que esperança: Começaremos novamente. Devemos dirigir nosso olhar para a humanidade.

De fato, dirigiu seu olhar para a humanidade como homem de esperança. Foi missionário no Gabão, com sua esposa, onde fundou hospital em antigo galinheiro, tratando de dezenas de pacientes a cada dia e encontrando ainda tempo e energia para pregar-lhes o Evangelho e angariar fundos e profissionais de saúde voluntários para seu hospital. Foi essa obra que lhe rendeu o Nobel da Paz.

Albert Schweitzer, esperar, esperançar… Fiquei a matutar sobre a esperança cristã. O que faz o cristão, afinal, esperança ou espera? Qual o verbo mais adequado à virtude teologal que acompanha a fé e a caridade, esperar ou esperançar? O que você acha?

Bem, cheguei à conclusão de que a esperança cristã tanto espera quanto esperança. Parafraseando Santo Inácio, o cristão esperança fazendo tudo o que lhe cabe, como se tudo dependesse dele e espera esperando tudo de Deus, pois sabe que sem Ele não pode sequer existir, quanto mais fazer alguma coisa.

Foi o que fez Schweitzer. Mergulhou com toda fé e caridade no esperançar e no esperar. Foi, por toda a vida, sócio de Deus. Bela, infalível, santa, parceria!

[1] Infelizmente não reconheci nem o entrevistado, nem o entrevistador e nem consegui acessar site do programa pela internet. Cometo, portanto a injustiça de não nomeá-los, esperando que alguém possa fazê-lo postando comentário sobre esse artigo. Obrigada!

Maria Emmir Oquendo Nogueira

TT @emmiroquendo

FB facebook.com\mariaemmirnogueira

Coluna da Emmir comshalom.org

Entrelinhas – Revista mensal Shalom Maná, ed. Shalom