Há um conjunto de exigências elementares, de justiça, liberdade, verdade, felicidade, que constitui o núcleo mais originário do homem e que emerge existencialmente como desejo. As tentativas para responder ao feixe de desejos, põem em movimento a inteligência humana para penetrar a realidade. Nessa perspectiva, o homem entra em estado de alerta, de vigília, para responder estas perguntas inevitáveis a respeito do porquê e do significado último das coisas. O cristão que pretende conhecer a realidade precisa conhecer a VERDADE. Somente à luz da Verdade pode desvelar suas reais necessidades e libertar-se daquelas que foram humanamente produzidas, e que falseiam a autêntica busca da felicidade. “Conhecereis a verdade e ela vos libertará”.
O homem contemporâneo vive sem raízes; não existe bússola que o oriente, meta que precise ser alcançada; apenas a nostalgia da terra prometida. É o mundo secularizado: a morte de Deus anunciada e proclamada por Nietzsche; a ausência dos valores tradicionais; a desilusão a respeito da finalidade da vida humana. E não podendo mais conviver com o vazio que lhe sufoca a alma, nascem os ideais de felicidade, as idéias sobre o divino, a manipulação do espiritual para atender às suas exigências mais profundas e elementares de Deus. Passam a viver de idéias sobre isto ou aquilo, mas o ideal é inalcançável… Antecipam o fim do mundo, como se estivesse em suas mãos suspender os dias; brincam com o sagrado e o profano em filmes, literatura e pinturas, como se estivessem acima do bem e do mal; caem em suas próprias armadilhas e precisam suportar a depressão, o suicídio, as fobias… “(…) estes pensamentos que se podem bem qualificar como ‘seduções de satanás’. (…) Se a vigilância cristã visa dia a dia preparar o encontro com o Senhor que vem, exige também uma sábia atenção a quanto possa afastar-nos desta meta, em particular às seduções, que, mais insidiosas que as comuns tentações, são como fortes atrações que escondem o engano.” (Cardeal Martini)
Viver na expectativa da vinda do Senhor, gera no coração do cristão a atitude da vigilância, e ajuda-o a perceber quais dos seus desejos são autênticos e quais são falsos (necessidades de consumo, ditadas pelo mercado). Em momentos decisivos de nossas vidas, quando precisamos reafirmar a nossa escolha, ou seja, por quem vale a pena consumir a chama da nossa existência, creio ser de grande importância recordarmo-nos do comerciante que vendeu todos os seus bens a fim de comprar a pérola de imenso valor. Imagino o quanto ele deve ter procurado, quantas outras pérolas de menor valor deve ter encontrado; talvez, tenha sido vítima de falsificadores; e, quem sabe, em alguns momentos tenha perdido a esperança… Mas, ainda que tenha perdido esta última, sabemos que permaneceu o amor, e este, com certeza, foi o que lhe fez encontrar sua pérola.
O estado de alerta, nos coloca diante daquilo que somos e diante do que amamos. As nossas escolhas, os nossos planos, os afetos, as pessoas, os hobbies, o que escrevemos, o que lemos e o que pensamos. Nossa! Tantas coisas que revelam a nossa pessoa, não devem passar por nós sem que conheçamos de onde vieram e para onde pretendem nos levar. Com discernimento e guiados pelo Espírito que perscruta os corações, precisamos verificar o que pode realmente satisfazer as nossas reais exigências, e falo aqui, daquelas de liberdade, justiça, verdade, felicidade, paz, etc.
Tive um professor filósofo que sempre nos lembrava um velho provérbio: “Diz com quem tu andas, e te direi quem és”. E cá no meu coração eu acrescentava: “Diz-me o que procuram os teus olhos, e te direi o que deseja teu coração.” É importante que mantenhamos os olhos abertos, voltados para Deus, e que consideremos com cuidado as ofertas de uma existência mais fácil, de uma estrada sem problemas, especialmente se nos for pedido em troca a nossa própria consciência. O caminho largo não é o caminho do nosso Senhor Jesus. E, como o Dele, o nosso caminho é o do Ressuscitado que passou pela cruz (cf. Mt 16, 24-25). Quanto mais o homem tem tentado negar este caminho, tanto mais tem procurado outras respostas para as inúmeras perguntas do seu coração acerca da felicidade, da liberdade e, sobretudo, da Paz. Volto a mencionar os filmes que estão atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros(jan./fev.-2000). Pelo menos quatro deles têm como tema central o confronto entre Deus e Satanás e a tentativa de relativizar um e outro, como se pudesse existir o bem no que é mau e o mal no que é bom.
Precisamos estar conscientes de que a Paz que a consciência humana reclama não é uma resposta que o homem possa dar a si mesmo, mas uma experiência de abandono na Misericórdia Divina, pela fé cristã que é dom e graça do Espírito Santo. Se esta é a nossa VERDADE, não há mais o que temer. Se vigiamos, não seremos enganados; se oramos, o mundo também crerá que somente um é o Senhor! E se adormecermos, confiemos no Senhor que nos despertará, como a Pedro, Tiago e João: “Vigiai e orai!”(Mt 26, 41).
Trecho do livro Estou à Porta – Carlo Maria Martini
“Vigiar, significa antes de mais nada estar acordado, estar desperto, permanecer levantado. A imagem mais imediata é a de quem não se deixa surpreender pelo sono quando o perigo ameaça ou um fato extraordinário e emocionante está para acontecer.
Vigiar, significa olhar com amor para alguém, guardar com todo o cuidado qualquer coisa muito preciosa, tornar-se cofre de valores importantes que são delicados e frágeis. Vigiar implica todavia prestar atenção, tornar-se perspicaz, estar desperto para compreender o que acontece, arguto para intuir a direção dos acontecimentos, preparado para enfrentar a emergência. (…) vela a esposa que espera o marido, a mãe que espera o filho ausente, a sentinela que perscruta o coração da noite; vela a enfermeira junto ao doente, o monge durante a oração noturna; velam os homens e as mulheres que estão prontos a recolher os sinais de ajuda dos seus amigos em perigo, dos seus irmãos na dor, do seu próximo em dificuldade; vela a comunidade dos crentes que é rápida na reação à tibieza e cansaço que a afastam do amor inicial.” (“Estou à porta”- Carlo Maria Martini)