“Não seremos mais entregues ao sabor das ondas e levados por todo vento de doutrina, ludibriados pelos outros e, com astúcia, induzidos ao erro. Ao contrário, vivendo segundo a verdade, no amor, cresceremos sob todos os aspectos em relação a Cristo, que é a cabeça”. (Ef 4, 14-15). Eis um programa de vida. Aí está uma dinâmica desafiadora, a ser assumida para a qualificação da vida que é dada como dom a cada pessoa. Se a vida é dom, presente, a vida há de ser vivida em referência àquele que a oferta, Deus, o seu Senhor. É Ele a fonte desta qualificação profunda e sustentadora para a vida de cada um. Por isso, a vida há de ser permanentemente qualificada. Não bastam as qualificações profissionais. Estas atendem aspectos e dimensões da vida no seu conjunto. Elas precisam de um sustento maior, mais consistente. Há, pois, um alicerce a ser edificado e cuidado para sustentar de modo duradouro o conjunto da vida e da existência humana. Não é suficiente, embora importante, o que se conquista nas circunstâncias que definem a organização social e política, a vida comum. É essencial a qualificação interior. Dá trabalho. Há mesmo quem não se dispõe a tentar este percurso. Mais grave ainda é o desconhecimento e interesse pela importância desta via interior. Pertence a ela a condição de alavanca. Por isso, muitas coisas não são bem feitas.
É o apóstolo Paulo quem assim se dirige e adverte os seus destinatários. O seu grande intento missionário é ajudar a compreender que a vida se sustenta pela interioridade. Uma vida que se baliza apenas pelo que está do lado de fora corre o risco sério de ser superficial, ineficaz, consequentemente sem eficiência. Até mesmo quando a vida impressiona por suas formas e por suas aparências não é tudo. As aparências se desfazem muito facilmente. A consistência de tudo vem sempre do mais profundo. O essencial está mesmo na interioridade, como numa jazida a ser explorada, num percurso para dentro, iluminando as próprias sombras e qualificando os gestos e compromissos.
Um assunto como este parece estar na contra – mão das discussões dos tempos atuais. Os focos estão postos em tantas outras questões consideradas como muito mais sérias e intrincadas. Questões que exigem uma ciência especial para encaminhar as soluções. E tudo isso está se passando num cenário de muitas discussões, entremeadas de posicionamentos divergentes e contraditórios. Há um verdadeiro caos, semelhante àquele citado no livro do Gênesis 1,2: “Tohûvaborû”. Esta é uma referência à terra deserta e vazia, destinatária do ordenamento novo recebido do seu criador. Este caos está agravado no existencial humano. É um caos que compromete o diálogo e encastela, facilmente, governantes, mandatários, importantes e a gente comum nas estreitezas de pontos de vista, no relativismo das opiniões, na desatenção no que se faz, na falta de esforço pessoal para qualificar o que é da própria competência, ou na incapacidade de ousar na direção certa. Parece que se verifica, mais uma vez, aquele dito que diz: “Só tem tamanho; e nada mais”. Tem gente grande sem estatura interior. Tem gente querendo ser grande sem investir na sua estatura interior. A verdadeira grandeza é interior. Há, no entanto, um fascínio pelas medidas tomadas do lado de fora, valorações externas pelos cargos ocupados e nos lugares conquistados, e numa ciência adquirida com validade contada, em razão de servir por um tempo, numa profissão, num lugar. É séria e preocupante a conseqüência desta escassez de pessoas com estatura interior em medidas alargadas.
Os gestos de nobreza são em escalas menores. Há uma preferência pelos castelos da comodidade e das garantias, tantas delas usurpadas indevida e injustamente. Há uma incontestável perda do apreço pela estatura interior. Um desinteresse ou por ignorância. Aquela estatura que qualquer filho considera como a herança mais importante ao ouvir falar do Pai que teve, e de sua presença imorredoura na memória, alimentando jeitos de ser e seduzindo para o empenho de edificar a própria unidade interior. A desqualificação da estatura interior é a responsável pela escassez de profetas e místicos. Os cenários da vida serão compostos, então, de atores muito comuns, pouco lembrados quando saídos de cena, sem força referencial. A vida não receberá grandes modificações. As modificações significativas, no coração das pessoas e nas estruturas, são proporcionais ao cultivo da estatura interior. Haverá sempre um terrível marasmo. Faltarão aqueles que podem ajudar, com a força profética dos seus gestos, a ordenar este caos que se abate e corrói a humanidade nesta hora grave. Porque é fácil sustentar-se na estatura das estruturas, no dinheiro, no apego ao poder. Vale pedir, com a inspiração do Papa Paulo VI: “Ó Espírito Santo, dai-nos um coração grande, aberto à vossa silenciosa e forte palavra inspiradora. Fechado a todas as ambições mesquinhas, alheio a toda e qualquer desprezível competição humana”.