Queridos irmãos, bom dia! Shalom! Feliz Páscoa! Sou Marco Mencaglia, irmão da Comunidade de Aliança, sou italiano, moro na Alemanha. Ao longo de toda a semana da Oitava de Páscoa temos recebido a benção de ler os Evangelhos da Ressurreição. Oito Evangelhos que só nesse momento do ano a liturgia nos apresenta para agradecer a Deus, louvar a Deus pela Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Hoje vamos começar uma nova parte do nosso caminho. Parece como um começar de novo, desde o início quase do Evangelho de João. Vamos ler o início do capítulo 3, mas que na verdade nos leva a continuar o nosso caminho. Depois de experimentar essas graças da misericórdia de Deus na festa de ontem e da alegria da Ressurreição, vamos experimentar como na nossa vida essa Ressurreição vai ter uma influência importante, precisa ter uma influência importante.
Os dois trechos bíblicos que vamos comentar hoje vão exatamente nessa direção. Não é um voltar ao início, mas é o seguir, encontrar também desde o início do Evangelho, de João nesse caso, a semente do que foi a missão de Jesus nessa terra.
Vamos encontrar um personagem conhecido provavelmente, que é Nicodemos. Nicodemos é um Santo da Igreja Católica. Vamos encontrá-lo no Evangelho de João em 3 momentos, até a sepultura de Jesus. Foi ele que comprou os aromas para o corpo de Jesus, depois da deposição da cruz. Nesse caso, estamos praticamente no início do ministério de Jesus em Jerusalém. Particularmente, é a primeira vez que Ele vai se manifestar em Jerusalém, e faz muitos atos que levam as pessoas a acreditarem Nele.
Evangelho do Dia
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São João 3,1-8 – ‘Havia um chefe judaico, membro do grupo dos fariseus, chamado Nicodemos, que foi ter com Jesus, de noite, e lhe disse: ‘Rabi, sabemos que vieste como mestre da parte de Deus. De fato, ninguém pode realizar os sinais que tu fazes, a não ser que Deus esteja com ele’. Jesus respondeu: ‘Em verdade, em verdade te digo, se alguém não nasce do alto, não pode ver o Reino de Deus’. Nicodemos disse: ‘Como é que alguém pode nascer, se já é velho? Poderá entrar outra vez no ventre de sua mãe?’ Jesus respondeu: ‘Em verdade, em verdade te digo, se alguém não nasce da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus.’ Quem nasce da carne é carne; quem nasce do Espírito é espirito. Não te admires por eu haver dito: Vós deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e tu podes ouvir o seu ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece a todo aquele que nasceu do Espírito’. Palavra da Salvação.
Tem um homem, Nicodemos, que é um fariseu, um homem rico, ancião, estimado, uns dos chefes dos judeus. É uma pessoa já afirmada, reconhecida, que vai encontrar Jesus à noite, por quê? Porque tinha medo naquele tempo da opinião dos outros chefes, dos judeus. Mesmo sendo uma pessoa com autoridade, ele não tinha condição de ir abertamente falar mais com Jesus, mas ele reconhece que tudo o que Jesus fez abertamente em Jerusalém, as Suas palavras, são palavras que vem de Deus. Ele vai falar com Jesus, quer conhecer mais, se aproximar, e ele reconhece que Jesus é o Mestre. Então, uma pessoa que tem uma disposição positiva, como nós podemos ter frente à mensagem, a pessoa de Jesus.
O quê é que falta ao Nicodemos nesse momento? Porque ele começa a fazer perguntas, por exemplo: “Como é que alguém pode nascer, se já é velho?”. A reação de Jesus não é simplesmente de cumprimentar Nicodemos porque ele O tinha reconhecido com Mestre, mas ao contrário! A resposta de Jesus é clara. Ele diz: “Em verdade, em verdade te digo, se alguém não nasce do alto, não pode ver o Reino de Deus”. Essa é uma palavra muito importante: “nascer de novo”. Na língua grega, no Evangelho de João, praticamente se usa a mesma palavra para dizer “nascer de novo” e “nascer do Alto”.
Nicodemos, como um bom fariseu, vai considerar a coisa literalmente, e diz: “Como é que alguém pode nascer, se já é velho? Poderá entrar outra vez no ventre de sua mãe?”. Isso é uma mentalidade própria daquele tempo, mas que também podemos reconhecer na vivência da fé de hoje, uma vivência que talvez não seja bem centrada na mensagem de Deus.
Quem eram os fariseus?
Eram pessoas que no tempo de Jesus eram estimadas, reconhecidas, porque observavam a lei nos mínimos detalhes. Também eram estimados e reconhecidos pelo povo. Eram pessoas que tinham começado um percurso de purificação através da observância completa da lei e da tradição judaica nos mínimos detalhes. Eram pessoas animadas, com um desejo positivo, e até mesmo os apóstolos de Jesus consideravam os fariseus como autoridades da lei. Quando Jesus critica os fariseus, isso surpreende também muito dos discípulos.
Mas o que faltava nos fariseus? Eles se firmavam, paravam numa visão literal da consideração da lei da salvação. O que é a mensagem de Deus, uma mensagem espiritual, uma mensagem de amor, tornava-se só algo que o homem era capaz de fazer por si mesmo. É cumprir a lei, observar o que estava escrito concretamente na Torá era o mais importante. Mas Jesus vai dar uma resposta bem clara sobre o que é preciso para ver Deus e para entrar no Reino de Deus, que é a coisa mais importante para nós, conhecer realmente, a nossa experiência de vida pouco a pouco, o estudo bíblico, na oração, conhecer realmente o que é importante na nossa vida.
Não renascer simplesmente pela lei por si só, porque é boa, também diz Jesus, mas renascer na água e no Espírito. Na água, símbolo de purificação interior; e no Espírito, na vivência do que é a mensagem de Deus, mais que simplesmente cumprir com regras e coisas que vamos fazendo.
Não sabemos de onde vem e nem para onde vai
O versículo 8, que finaliza o Evangelho de hoje, é muito interessante! Diz Jesus: “O vento sopra onde quer e tu podes ouvir o seu ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece a todo aquele que nasceu do Espírito”. É interessante essa comparação entre vento e espirito, porque no Evangelho, na língua grega, é a mesma palavra. Pneuma é ao mesmo tempo o vento que percebemos, e é o Espírito também, o sopro de Deus. É interessante ver as características desse sopro, desse Espírito, podemos ouvir a voz, podemos perceber os efeitos do Espírito, mas não sabemos de onde vem e nem para onde vai.
Não é algo que podemos considerar simplesmente com critérios humanos, mas realmente é preciso confiar em Deus, ouvir a Sua palavra, e ver onde esse amor, esse Espírito nos leva, não onde nós queremos ir, mas realmente onde o Senhor quer nos levar. Essa palavra “segue-me” é uma palavra fundamental do Evangelho, particularmente de João 3, onde começa o ministério de Jesus. Quando Ele está no Rio Jordão, recebendo o batismo, encontra os discípulos, e diz: “Segue-me!”.
Ao final do Evangelho, as últimas palavras de Jesus a Pedro: “Segue-me”. Esse seguir Jesus sem ser dito antes toda a programação de como fazer, porque, quais seguranças terão. Esse seguir a Jesus é o que conta, e esse seguir Jesus significa seguir ao espírito que Deus nos concedeu. Essa confiança em Deus é o que conta mais.
Nicodemos, nesse momento específico, ainda não tinha a percepção disso, do que era a novidade da mensagem de Jesus, que é não ser simplesmente justo de acordo com a lei, mas ser justo frente a Deus, ser capaz também de cumprir o que Deus quer, realmente buscando ver nas situações concretas da vida o que Deus nos comunica com Sua palavra, com os estudos bíblicos e, sobretudo, na oração.
A primeira leitura
Vamos completar o nosso estudo com a visão da 1° leitura At 4,23-31. Uma característica especial do tempo da Páscoa é que vamos ler nas 1° leituras o livro dos Atos dos Apóstolos. Como exceção da liturgia normal, o conteúdo da 1° leitura não vem antes do Evangelho, mas se refere a acontecimentos, fatos, que se realizaram depois. Por isso começamos nesse caso excepcionalmente o Estudo Bíblico falando do Evangelho e agora vamos para a 1° leitura. Normalmente, durante o ano, é sempre uma leitura do Antigo Testamento que vai como que preparar os acontecimentos do Novo Testamento, a mensagem de Jesus.
Nesse caso, vamos ver na 1° leitura como os apóstolos vão por em prática a mensagem de Deus. Esse tema do Espírito que falou Jesus no início do seu ministério, logo depois de receber o batismo de João Batista, vai ser também um momento fundamental desse trecho dos Atos dos Apóstolos.
Leitura dos Atos dos Apóstolos 4,23-31- Naqueles dias, logo que foram postos em liberdade, Pedro e João voltaram para junto dos irmãos e contaram tudo o que os sumos sacerdotes e os anciãos haviam dito. Ao ouvirem o relato, todos eles elevaram a voz a Deus, dizendo: ‘Senhor, tu criaste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles existe. Por meio do Espírito Santo, disseste através do teu servo Davi, nosso pai: ‘Por que se enfureceram as nações, e os povos imaginaram coisas vós? Os reis da terra se insurgem e os príncipes conspiram unidos contra o Senhor e contra o seu Messias’. Foi assim que aconteceu nesta cidade: Herodes e Pôncio Pilatos uniram-se com os pagãos e os povos de Israel contra Jesus, teu santo servo, a quem ungiste, a fim de executarem tudo o que a tua mão e a tua vontade haviam predeterminado que sucedesse. Agora, Senhor, olha as ameaças que fazem e concede que os teus servos anunciem corajosamente a tua palavra. Estende a mão para que se realizem curas, sinais e prodígios por meio do nome do teu santo servo Jesus.’ Quando terminaram a oração, tremeu o lugar onde estavam reunidos. Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a palavra de Deus. Palavra do Senhor.
Onde estamos nesse momento? O texto nos fala da libertação de Pedro e João, que foram presos por uma noite, pelos sacerdotes de Israel, por causa da mensagem que estavam dando. Eles curam um homem doente na porta do templo e todos praticamente que estavam presentes no templo de Jerusalém perceberam que esse homem ficou curado pela palavra dos apóstolos, no nome de Jesus[1]. Não sabiam explicar essa situação. Mandavam simplesmente os apóstolos se calarem, mas naturalmente os apóstolos diziam que era mais importante obedecer a Deus que as ordens de homens.
Nesse momento os apóstolos voltam para casa, onde estão seus irmãos, e o que eles vão fazer? Vão se reunir, vão contar as ameaças que receberam, e qual é a reação? Eles se põem todos juntos em oração. É muito importante ver uma das primeiras orações dos Atos dos Apóstolos, como é feita essa oração, que começa com um momento de louvor, porque a primeira coisa que os apóstolos vão considerar é a criação de Deus, vão bendizer a Deus pela criação.
Fazem memória também da palavra de Deus, porque falam as palavras do Salmo 2, um Salmo onde se diz especificamente: “Por que se enfureceram as nações, e os povos imaginaram coisas vós? Os reis da terra se insurgem e os príncipes conspiram unidos contra o Senhor e contra o seu Messias”. Essas palavras são próprias do Salmo que vai ser lido depois da 1° leitura.
É muito importante, irmãos, considerar que não só a 1° leitura e o Evangelho, mas também os salmos fazem parte do estudo bíblico, são palavras de Deus realmente muito importantes. Jesus mesmo muitas vezes no Evangelho fala com as palavras dos Salmos. Nos Atos dos Apóstolos, nas cartas de São Paulo e São Pedro, muitas vezes se fala através dos Salmos. É importante também prestar atenção a essas palavras que cantamos também muitas vezes para dar louvor a Deus. Sim, são cantos de animação, mas são realmente palavras de Deus. E hoje isso se percebe muito bem porque o texto do Salmo vai estar presente também dentro da 1° leitura.
O que percebem os apóstolos?
Isso é muito interessante, sobretudo nesse tempo, para nós. Eles vão ver as ameaças recebidas, as dificuldades, os sacrifícios que estão vivendo no nome de Jesus não só como algo que eles têm de enfrentar, de suportar de alguma forma, mas como um sinal que Deus está com eles, porque vão se cumprir exatamente com essa tribulação que eles estão vivendo a Escritura de Deus, que tinha a previsão no Salmo do que aconteceu realmente em Jerusalém.
Os príncipes, os reis, se aliaram, fizeram uma aliança, e Herodes e Pilatos, que são expressos no texto da 1° leitura de hoje, os chefes do povo de Israel, se aliam contra Jesus. O Evangelho de Lucas diz que Herodes e Pilatos, que antes não se consideravam amigos, na ocasião da condenação de Jesus à morte, eles começaram a ser mais próximos entre eles.
Então, os povos que vão se reunir contra Jesus, uma situação de tribulação que os apóstolos não veem como uma ocasião para se perder a coragem ou para ficar tristes, mas ao contrário! Para louvar a Deus, para ter essa oportunidade de mostrar o poder de Deus. Eles, que não eram instruídos, não eram ricos, não eram estimados como Nicodemos, como diz no Evangelho, mas eles foram realmente as pessoas mais corajosas que graças ao Espírito de Deus foram capazes de levar a palavra de Deus ao povo e evangelizar realmente o povo em Jerusalém.
O conteúdo da oração deles, o que eles dizem. Tem um pedido que eles fazem. Esse pedido não é de ser liberados no inimigo nesse momento, mas eles, ao contrário, pedem para poder falar abertamente sem nenhum problema. Na tradução portuguesa exatamente o que eles estão pedindo a Deus nessa oração é: “Concede que os teus servos anunciem corajosamente a tua palavra”. Eles pediam para falar sem medo.
Essa palavra tão importante para nós, que talvez não vai ser percebida na tradução portuguesa, mas na original essa palavra é parresia. Os apóstolos estão pedindo a Deus o dom da parresia, que tão importante é também para o nosso carisma. O que é a parresia? Poder falar sem medo, sem nenhuma consideração do respeito humano, mas realmente, para louvar a Deus, falar abertamente do que é a mensagem de Cristo.
Em meio às tribulações, não pedem para ser protegidos
Eles, no meio das tribulações, não pedem para ser protegidos, não pedem seguranças humanas, mas ao contrário! Pedem para poder falar com mais parresia, para glorificar a Deus com a sua palavra. Eles realmente recebem esse dom de Deus, porque o trecho bíblico de hoje termina com as palavras: “Todos, então, ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a palavra de Deus”. Com parresia! Eles receberam esse dom da parresia, porque eles consideram isso mais importante do que todos os dons possíveis para se proteger do inimigo, receber algo, vencer de forma humana.
Também precisamos levar isso para nossa vida, essa mensagem desse estudo de hoje, essa necessidade na oração de pedir a Deus mais força para enfrentar as dificuldades, para animar aos nossos irmãos que talvez são mais fracos, e para nos fortalecer, olhando para a glória de Deus e não a nossa glória.
O que Nicodemos no início do Evangelho não conseguiu enxergar, os apóstolos, depois da Ressurreição de Jesus, depois de receber o Espírito Santo, puderam fazer, mesmo sem ter as condições que Nicodemos tinha. Nicodemos era rico, estimado, instruído, conhecia muito bem as Escrituras, fariseu, bem conhecido, não conseguiu fazer o que pessoas humildes, pessoas sem instrução, sem condição econômica, conseguiram fazer com a força, com a graça do Espírito Santo.
Caminho na luz da Ressurreição
Esse estudo bíblico vai terminar com as palavras do Salmo 2, que é também o das leituras de hoje, que vão lembrar do batismo, onde Deus diz para Jesus: “Tu és meu Filho, e eu hoje te gerei!”. Lembramo-nos do batismo, que também tem uma conexão tão forte com a Páscoa. A Páscoa é tradição da Igreja até hoje, mas, sobretudo nos primeiros tempos, no batismo de novos membros da comunidade, um momento extremamente importante.
Hoje, o primeiro momento depois da alegria da Ressurreição, da Oitava de Páscoa, vamos começar esse caminho na luz da Ressurreição, lembrando-se do dom que recebemos no batismo, do Espírito Santo que já recebemos e que precisamos pedir sempre a Deus. Esse dom da parresia vai renovar o nosso batismo, a nossa capacidade de acolher a palavra de Deus, o Espírito de Deus, não simplesmente cumprindo com regras, mas interpretando, vendo as regras como um caminho para chegar ao que é mais importante, que é o amor de Deus, o cumprimento das palavras de Jesus no nosso amor fraterno, na contemplação de Deus, e na evangelização.
Desejo a vocês, irmãos, nesse dia, começar esse caminho, caminho de renovação de parresia, de amor por Deus, do jeito que Jesus pediu ao Nicodemos. Sabemos que Nicodemos agora é Santo da Igreja, reconheceu Jesus. Precisamos fazer esse passo que ele fez depois da Ressurreição, como membro da comunidade dos primeiros cristãos, e não ficar simplesmente no nível inicial de reconhecer Jesus como Mestre. Além de ser Mestre Jesus é Filho de Deus e nos leva uma palavra de amor, uma palavra cheia do Espírito Santo.
Deus os abençoe, irmãos! Tenham um bom dia, e trilhem um bom caminho até a grande festa de Pentecostes, da manifestação do Espírito Santo, nesse caminho a partir de hoje! Shalom!
[1] 4ª-feira na Oitava da Páscoa, 15 de Abril de 2020, 1ª Leitura – At 3,1-10.
Formação: Marco Mencaglia
Transcrição: Irlanda Aguiar