Por Pe. Antonio Valentini Neto
Nossas farmácias oferecem quantidade enorme de remédios. Há no mercado um número de produtos medicamentosos muito maior do que o necessário para tratar quase todas as doenças. É a concorrência da indústria farmacêutica. Mas cada pessoa que necessite de medicamentos só vai adquirir aqueles que o médico lhe prescrever, se tiver dinheiro suficiente, é claro. Para receitá-los, o médico precisa fazer um diagnóstico a partir dos sintomas que o paciente lhe revela e de exames laboratoriais que lhe pede fazer. Não adianta tomar qualquer remédio nem muitos, mas o indicado para o sintoma. Nem adianta dose maior ou menor do que a cientificamente recomendada.
Cada vez mais a evangelização, razão de ser da Igreja, precisa ser feita a partir de um diagnóstico da realidade, feito, naturalmente, não apenas com rigor sociológico, científico, mas muito mais com sensibilidade pastoral, à luz do Espírito Santo, que sempre precede o evangelizador e a ação evangelizadora planejada.
O processo de planejamento introduzido na Igreja no Brasil na recente década de 60, como resposta a uma solicitação premente de João XXIII, o Papa bom, vale-se do método da antiga Ação Católica, ver-julgar-agir. A realidade exige metodologia adequada de evangelizar e acentuação de aspectos da Palavra de Deus que respondam à mesma realidade. O conteúdo do anúncio será sempre o mesmo em qualquer época e em qualquer lugar. Mas cada fase da história e cada povo apresentam demandas específicas.
O grande pedagogo Paulo Freire dizia que em educação se costuma apresentar muitas respostas a poucas perguntas ou a perguntas nem formuladas.
As Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil para o período de 2003 a 2006 indicam pistas de ação a partir de rápida reflexão sobre a natureza da Evangelização e do levantamento dos principais desafios verificados no início deste novo milênio.
Evangelizar foi a ordem de Jesus aos apóstolos: “Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura (Mc 16,15). Esta é a permanente “diretriz” da Igreja. Para São Paulo, evangelizar era uma inquietação: “Ai de mim se eu não anunciar o evangelho!” (I Cor 9, 16). A Igreja evangeliza pelo conjunto de suas ações: serviço, diálogo, anúncio explícito, testemunho de vida fraterna.
A Igreja evangeliza para despertar nas pessoas a fé em Cristo, proporcionar-lhes um encontro transformador com Ele, estabelecer a comunhão de vida nEle e com Ele: “O que vimos e ouvimos, nós vos anunciamos, para que estejais em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo” (I Jo 1, 3).
Para proporcionar este encontro transformador das pessoas com Cristo, a Igreja “oferece em cada época, o acesso à Palavra de Deus, à celebração da Eucaristia e aos demais sacramentos, e cuida da caridade fraterna e do serviço aos pobres”. É o comumente chamado tríplice múnus: ministério da Palavra, ministério da liturgia, ministério da caridade (DGAE 19).
O primeiro grande destinatário da evangelização é a pessoa humana, feita para viver em comunhão com Deus e com os semelhantes. Por isso, a evangelização urge a vida em comunidade e ao mesmo tempo renova a comunidade constituída na fé, na esperança e no amor, formando o povo de Deus. Pela evangelização, a Igreja também oferece seu contributo específico para a construção da sociedade justa e solidária, a caminho do Reino definitivo.
Para estes “três âmbitos”, as Diretrizes oferecem uma variedade grande de pistas de ação.
Estas pistas de ação pretendem responder aos principais desafios constatados pelas próprias Diretrizes. Os desafios, em grande parte, são as consequências negativas do processo atual de globalização: crescimento econômico desigual, priorização do capital especulativo, nova visão a respeito da pessoa, da família e da religião, enfraquecimento da política e descrédito dos políticos, desemprego crescente…
Alguns efeitos maléficos da globalização e da atual realidade são: o isolamento das pessoas, o enfraquecimento da família, a quebra dos laços comunitários, o esfacelamento das comunidades, diversas formas de desrespeito à vida, falta de condições mínimas de sobrevivência para uma parcela sempre maior da população, a frustração pela impossibilidade de se desfrutar tudo o que a propaganda consumista oferece ou porque quanto mais se consome maior o vazio existencial, a exclusão e a violência…
Neste quadro, as atuais Diretrizes destacam a acolhida em toda ação evangelizadora. Num mundo de dispersão, de anonimato e de isolamento, o agente de pastoral deve acolher com ternura cada pessoa e apontar para a comunidade cristã como espaço de convivência familiar e fraterna. Nesta perspectiva, a comunidade eclesial ganha a característica de lar. Ela concretiza a Igreja doméstica. De fato, nas pistas de ação, as Diretrizes propõem: acolhida e orientação à pessoa em busca de solução de suas necessidades, serviços de aconselhamento, grande atenção às pessoas, com atendimento personalizado, educação para o diálogo integral e aberto, educação para um relacionamento solidário e respeitoso das pessoas entre si.
No contexto social atual que apresenta tantos feridos, machucados pela frieza do mercado, pela exploração, pela violência, as Diretrizes insistem em ações de solidariedade: atenção às necessidades básicas das pessoas, serviços especiais em favor dos idosos, migrantes, jovens e crianças em situação de risco, acompanhamento aos desempregados, migrantes, pescadores, turistas, ações imediatas para aliviar o sofrimento dos excluídos, na luta contra a miséria e a exclusão social, justa distribuição da renda, garantia de condições mínimas de sobrevivência para todos. Nisso, a Igreja vai assumindo a característica de samaritana, que proporciona o socorro imediato aos feridos e garante o tratamento posterior até a plena recuperação.
Pela intransigente defesa dos direitos das pessoas à inclusão social, pelas causas das desigualdades sociais que apontam, por urgirem os católicos à solidariedade e ao engajamento social, a Diretrizes têm forte conotação profética.
Por estes aspectos, parece possível dizer que as Diretrizes propõem evangelizar com ternura, mas também com firmeza e vigor profético, num modelo de Igreja-lar, samaritana e solidária.