O termo "evangelizar" e seus derivados são muito mais antigos que a palavra "missão". Voltaram a ser usados no início do século passado e a ter importância a partir dos anos 70 no mundo protestante e católico.
Divisor das águas foi a publicação da Evangelii Nuntiandi e a Assembléia de Nairóbi do Conselho Mundial das Igrejas (1975). Nestes anos, o uso dos dois termos – missão e evangelização – foi sintoma do fluxo e refluxo do pensamento missionário. Podemos notar quatro tendências:
Inicialmente, alguns sugeriram que "missão" significa o ministério junto aos que ainda não são cristãos; enquanto "evangelização", o ministério junto aos cristãos. Uma segunda tendência considerou a "evangelização" em sentido mais restrito do que "missão"; esta última diria respeito a um campo muito mais amplo de atividades eclesiais.
A partir dos anos 40, nota-se a tendência a considerar "missão" e "evangelização" como sinônimos. E mais recentemente a confusão aumentou, quando o termo "evangelização" começou a ser usado em vez de "missão", tanto no campo católico quanto no campo protestante.
O exemplo mais significativo é a Evangelii Nuntiandi, que evita o termo "missão" e usa "evangelização" e seus derivados 214 vezes. O termo é tomado como conceito que engloba toda a atividade da Igreja enviada ao mundo.
Tento, agora, delinear um conceito de evangelização adequado ao momento atual. Parto da convicção de que "missão" e "evangelização" não são sinônimos, no entanto estão indissoluvelmente unidos na teologia e na prática.
A missão é mais ampla que a evangelização. Missão significa a tarefa global que Deus confiou à Igreja para salvar o mundo: a Igreja é enviada ao mundo para amar, servir, pregar, ensinar, curar, libertar. "Evangelização é missão, mas a missão não é somente evangelização" (Moltmann).
A evangelização não deve, pois, ser identificada com a missão. Quando isso acontece, sente-se a necessidade de recorrer, depois, a neologismos como "pré-evangelização", "re-evangelização", "nova evangelização", para completar o sentido. Portanto, é preferível manter o caráter distinto de evangelização dentro da missão global da Igreja, apesar de ser impossível separá-las.
ANÚNCIO DO REINO
Evangelização é testemunhar o que Deus realizou, realiza e realizará. É o anúncio que Deus, criador e Senhor do Universo, interveio pessoalmente na história humana e o fez de modo mais extremo na pessoa e na prática de Jesus de Nazaré: em Jesus encarnado, crucificado e ressuscitado, o Reino de Deus foi inaugurado.
Essencialmente, a evangelização não é um apelo a tornar algo mais efetivo, como se o Reino de Deus fosse inaugurado a partir da nossa resposta ou estivesse comprometido com a nossa recusa. A nossa é uma resposta a quanto Deus já realizou. Portanto, a evangelização não pode ser definida em base a resultados, como se ela dependesse do número de convertidos.
A evangelização é sempre um convite. Evangelizar é comunicar alegria, é transmitir uma mensagem positiva, é uma esperança oferecida ao mundo. Não deve nunca degenerar em sedução, pior ainda, em ameaça.
Evangelizar não é oferecer uma panacéia (remédio milagroso) psicológica para curar frustrações e desilusões . Não consiste em inculcar sentimento de culpa para que as pessoas, desesperadas, se dirijam a Cristo. Não é exigir a conversão através de narrações sobre os horrores do inferno. Dirigimo-nos a Deus porque somos atraídos pelo seu amor.
Devemos ser modestos sobre o caráter e eficácia do nosso testemunho, mas a evangelização continua sendo um ministério indispensável. Não é mais facultativo, mas um dever sagrado "que incumbe a toda a Igreja. Sim esta mensagem é necessária. É única. Não pode ser substituída" (EN 5). Não é suficiente dizer que a dimensão evangelizadora está incluída em tudo que a Igreja diz e faz; deve ser explícita. Cada pessoa tem o direito de escutar a Boa Notícia.
A evangelização oferece a salvação como dom para hoje e como promessa paro o futuro. No entanto, se na evangelização despertamos a atenção principalmente para estas ofertas para o futuro, reduzimos o Evangelho a um produto de consumo.
Ocorre sublinhar que a vantagem da salvação nunca é o tema central das narrações bíblicas sobre a conversão. Se os cristãos se considerarem os favorecidos de uma imensa fortuna particular, acabam reduzindo Cristo a um simples "distribuidor de bênçãos especiais, e a evangelização a um meio para procurar os próprios interesses piedosos" (Barth).
Não que seja um mal ou não seja bíblico beneficiar-se da salvação. Somos chamados a ser cristãos não simplesmente para receber a vida mas, sobretudo, para doá-la.
A evangelização não é proselitismo. A evangelização serviu muitas vezes para reconquistar a influência eclesiástica perdida. Sobretudo nos contextos onde as Igrejas são vistas como "número de pessoas", implicitamente (e até explicitamente) surge a necessidade de competir.
E quantos estão fora das comunidades, mesmo se já pertencem a outras Igrejas, são vistos como peixes, a serem pescados. Esta mentalidade, queiramos ou não, destrói a convicção de que as pessoas são salvas, não graças a um dom gratuito, mas à adesão à nossa denominação.
Distinguir evangelização e recrutamento não significa negar que exista uma relação entre ambos. Justamente o Concílio Vaticano II no decreto Ad Gentes (6), inclui a implantação e o crescimento da Igreja na definição da finalidade da missão.
Diga-se de passagem, que a estatísticas é a coisa menos adequada para medir a eficácia da evangelização. Uma evangelização autêntica e comprometida pode comportar até uma diminuição numérica da Igreja, em vez de um aumento.
Na Evangelização somente as pessoas são interpeladas e somente elas podem responder. Não há dúvida, a autêntica evangelização tem uma dimensão pessoal. O Evangelho é o anúncio de um encontro pessoal, graças ao Espírito Santo, com Cristo vivo.
Uma das contribuições do Evangelho é a importância dada à responsabilidade e decisão pessoais. É, portanto, errado procurar converter as pessoas através de apelos dirigidos à sociedade, às Nações, às famílias, porque não são estas entidades que aderem à fé, mas as pessoas. Tais apelos são necessários e são parte da missão, mas não são propriamente evangelização.
A evangelização autêntica é sempre contextualizada. É falsa a evangelização que separa as pessoas do seu contexto, que considera o mundo somente um obstáculo, que desvaloriza a história e vê somente o "espiritual".
Este tipo de evangelização preocupa-se em satisfazer as pessoas, mais do que em transformá-las. Por isso a evangelização não pode ser desligada da proclamação e da prática da justiça. Refletindo no Evangelho de Mateus, notamos que tornar-se "discípulo" de Jesus implica uma série de compromissos. Em primeiro , o de aceitar comprometer-se com Cristo e com o Reino de Deus. No centro do convite que Jesus dirige às multidões para que o sigam a fim de serem seus discípulos, está a pergunta: a quem quereis servir? O Evangelho é um apelo para colocar-se a serviço.