Entrevista com Patrícia Martinez Peroni, diretora do congresso “A Família: o futuro da Europa”
–A família hoje: é o mesmo que a família há 100 anos?
–Martínez: Desde o ponto de vista da ordem e da lei natural, sim. Como expressara João Paulo II na Carta das Famílias no Ano da Família, em 1994, «mediante a comunhão de pessoas, que se realiza no matrimônio, o homem e a mulher dão origem à família».
A liberdade humana, que é limitada e contingente, foi responsável por apagar esse traço divino, e reconfigurar, mediante as ideologias imanentistas, uma nova reengenharia social, onde pessoa e família se constroem segundo novos modelos teóricos e paradigmas culturais.
Entre a diversidade de países e continentes, é talvez na Europa onde se forjou esta desintegração da lei natural de modo mais recente. Ainda que a América do Norte tenha sido pioneira na revolução sexual na hora de fustigar o matrimônio e a família, contudo já na Europa existiam precedentes.
Agora mesmo, é a legislação européia que desprotege a família de maneira mais preocupante, particularmente com legislações positivas como o chamado «casamento homossexual» que desvaloriza o matrimônio como bem jurídico a proteger, portanto, relativiza a substância da família como célula natural da ordem social, introduzindo categorias equívocas, como a «diversidade de famílias», a «teoria do gênero» ou a «orientação do desejo» como novos direitos humanos.
–Quais são as diferenças entre uma política de família e políticas sociais de orientação familiar?
–Martínez: A política de família responde à realidade da instituição natural e jurídica do matrimônio e ao âmbito próprio em que se gera e educa um ser humano.
Se levarmos em conta que a política tem como fim próprio da ordem social o bem comum, este não deve contrapor-se ao bem pessoal das pessoas.
A pessoa humana recebe uma gestação não somente em um útero biológico, mas transcende, em seus inícios do desenvolvimento evolutivo, a mera realidade orgânica para aperfeiçoar-se em um útero social, como o habitat primeiro da família e o lar.
Sendo o homem um corpo animado pela alma espiritual, que o identifica como membro de uma espécie, sua própria natureza racional o leva à inter-relação com o outro, nas figuras primeiras de um pai e uma mãe, dos quais não só depende existencialmente, mas dos que recebe a configuração psicobiológica e espiritual próprias de sua natureza.
Esta realidade natural funda a sociedade, e exige da política de um estado sua proteção jurídica e promoção social, já que responde à dimensão específica do homem enquanto membro de uma comunidade.
As políticas sociais de orientação familiar deveriam apontar nesta «perspectiva de família» o exercício prudente dos governantes.
Ocorre muitas vezes, no entanto, que, desarraigadas de uma reta antropologia, tornam-se mera ideologia e artifícios de poder sujeito a um positivismo construtivista, onde alienam seus serviços à realidade do homem como tal.
–A família é só uma instituição dedicada à procriação?
-Martínez: A família é o âmbito que acolhe a vida humana em sua gestação e desenvolvimento perfeito, para que o homem alcance sua plenitude como criatura com uma dimensão transcendente, por ser de natureza não só corporal, mas também espiritual, em íntima unidade.
Não só se gera vida, mas se humaniza tal existência na inter-relação dos membros que formam uma família.
É preciso recordar que a marca da família como instituição natural surge de seu próprio fundamento prévio no matrimônio indissolúvel, o qual reflete a comunhão dos cônjuges e a abertura à vida, que não é unicamente procriação, mas também educação dos filhos e humanização da sociedade.
Por isso, a família é um bem jurídico a proteger, já que é o âmbito próprio no qual se desenvolve a humanidade.
Fonte: Zenit