Ana Carla Bessa
Consagrada na Comunidade de Aliança Shalom
O Papa João Paulo II diz, na sua “Carta às Famílias”, que “a família é o centro e o coração da civilização do amor”, que está nas raízes mais profundas do desejo de Deus para o homem na terra. Neste tempo em que a necessidade do matrimônio e da família no mundo tem sido posta em questão, é preciso anunciar o que de fato ela é: uma missão apaixonante!
Criada por Deus, a família existe para Ele, e só n’Ele pode encontrar o seu sentido. Vamos começar a encontrar o seu sentido no livro do Gênesis, mais exatamente no trecho que fala da origem do homem e da mulher sobre a terra.
Criados à imagem e semelhança do Deus Trinitário, que vive uma eterna comunhão de amor, o homem e a mulher são desde o início chamados a “crescer e multiplicar-se” por uma comunhão semelhante à divina. Deus chama o ser humano, obra-prima da Sua criação, a uma eterna comunhão de amor com Ele, e este chamado encontra uma significativa expressão na aliança nupcial que se instaura entre o homem e a mulher, cujo vínculo de amor é tantas vezes descrito na revelação como imagem da Aliança que une Deus com seu povo.
Contudo, o egoísmo que se esconde desde o primeiro pecado no amor do homem e da mulher (Gn 3,16), requer a Redenção da família, e a reordenação para sua finalidade última. Só assim a família reencontra a sua razão de ser, pois o amor humano corre constantemente o risco de partir do homem e acabar no homem, quando o seu destino é partir do homem para encontrar a imagem de Deus.
A comunhão entre Deus e o ser humano, ferida pelo pecado, foi restaurada no sacrifício que Jesus Cristo faz de si mesmo por sua Esposa, a Igreja. “Neste sacrifício, descobre-se inteiramente aquele desígnio que Deus imprimiu na humanidade do homem e da mulher, desde a sua criação” (João Paulo II, Familiaris Consortio, n.13). E o Espírito, que Ele nos envia, é que nos capacita, como homens e mulheres unidos pelo sacramento do Matrimônio, a nos amarmos mutuamente, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela.
Assim é que o amor conjugal, iluminado pela Caridade de Cristo, nos capacita a vivermos no interior da família a mesma Caridade com que Cristo se doa sobre a cruz (Ef 5,32). E este amor sobrenatural que atinge o casal deve se estender como graça para os filhos e entre os filhos, como também entre pais e filhos, e, mais ainda, entre os membros de cada família e os de fora.
“Esposos e famílias, recordai-vos por que preço fostes comprados” (João Paulo II, Carta às famílias, n.18). Missão apaixonante é a dos esposos e da família por eles constituída: Viver a mesma Caridade com que Cristo se doa sobre a cruz! Os esposos participam da função redentora de Cristo ao assumirem integralmente, por vocação divina, a finalidade para a qual o matrimônio foi instituído. Eis a beleza e a honra da missão que o Senhor atribui à família!
A família não só usufrui do mistério Pascal de Cristo, mas é chamada a participar dele, o que passa através das manifestações mais simples do amor conjugal, que por causa da sua dimensão terrena parecem inadequadas em comparação com o grande mistério que devem expressar. Mas não podemos nunca esquecer que “o mistério divino da Encarnação do Verbo está em estreita relação com a família humana” (Carta às Famílias, n.2).
O Filho unigênito, Deus de Deus, Luz da Luz, entrou na história dos homens através da família: Pela Sua Encarnação, Ele, o Filho de Deus, nascido da Virgem Maria, que tornou-se semelhante a nós em tudo, menos no pecado, nasceu e cresceu numa família humana, trabalhou com mãos humanas, e passou grande parte da Sua vida no recanto escondido de Nazaré, submisso a Maria, Sua mãe, e a José, o carpinteiro.
Assim é que a vida familiar constituída pelos esposos, pelos filhos, pela profissão, e por todos os demais complexos de realidades humanas é o lugar em que Deus expressa Seu convite à santidade, e se propõe como imagem que a família é chamada a expressar. Tudo isso, que acontece por puro Dom de Deus, requer a resposta humana, a adesão de cada um dos membros da família.
A alegria, gerada nos momentos de amor e compreensão recíproca, é instrumento de participação no gozo Pascal de Cristo, ocasião de agradecimento, louvor, e sobretudo abertura ao mundo, mas também a dor, infalível e indispensável da experiência humana, é instrumento de adesão da família ao mistério da cruz. E não somente as grandes dores, mas mesmo as menores, as mais pequeninas da vida diária, as doenças, o cansaço, o desgaste nas relações mútuas, a experiência das limitações de seus membros, constituem fatos construtivos de uma unidade espiritual dirigida para a Caridade que não tem fim. O que importa, de fato, é que os cônjuges não confiem acima de tudo em si mesmos, mas tenham a lúcida consciência de que Cristo os chamou e sustenta, e de que, à obscuridade da crucifixão, se segue sempre a alegria da Ressurreição.
É primeiramente dentro da realidade diária da família que o casal está no mundo a fim de orientar o mundo para Deus. Em Cristo, a missão de cada membro da família encontra o seu sentido: “Ser para os outros”. A família cristã não é para si, mas para os outros; e não só os outros mais diretos e próximos, mas para todos os homens. A família é assim o espaço em que o amor de Deus não somente é acolhido em si mesmo, mas doado aos outros. Membros de cada família, é necessário que nos doemos uns aos outros, mas é também imprescindível que, juntos, nos doemos à Igreja e ao mundo. Por este caminho é que a família, através do esforço cotidiano para vencer o próprio egoísmo e abraçar a Caridade de Cristo, de fato se realiza.
Em cada época histórica e em cada ambiente cultural e social, houve cônjuges que experimentaram seu matrimônio como uma missão, como um serviço a Deus, e por isso se tornaram sinal da unidade e fidelidade de Cristo à Igreja, através da sua própria unidade e fidelidade mútua, unidade esta que é uma conquista diária, e fidelidade esta que deve atingir inclusive o plano espiritual, pela solidariedade em carregar até o fim “o peso uns dos outros” (Gl 6,2). Ambas, unidade e fidelidade, manifestam a indissolubilidade do compromisso matrimonial, não entendida pelos homens do Antigo Testamento, por causa da dureza dos seus corações, mas proclamada claramente por Cristo aos fariseus (Mt 19,8).
Muitos esposos se tornaram sinal do amor de Cristo pelo seu serviço à vida, manifestado concretamente pela procriação, pela adoção, pela educação, pela hospitalidade, pela maternidade e paternidade espiritual, pela fraternidade universal e pelo serviço à Igreja e ao mundo. “Neste sentido, a família é o espaço em que o amor de Deus, encarnado e, por assim dizer, comprovado no amor entre o homem e a mulher, é não somente acolhido em si mesmo, mas doado aos outros, através do testemunho de vida, da entrega à evangelização e ao compromisso apostólico”.