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Fé e matemática

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“Afé é a certeza daquilo que ainda se espera, a demonstração derealidades que não se vêem”, diz a chamada Carta aos Hebreus, 11,1.Matemática é a ciência teórica que estuda a categoria da quantidadeabstrata, pelo método dedutivo e indutivo. A matemática é uma ciênciacategorial. A fé é uma experiência que se ancora no transcendental. Oobjeto da matemática é o conjunto de entes de razão quantitativos,enquanto quantitativos. O objeto da fé é Deus. A fé é um ato pelo qualo homem toma posição ante o mistério de Deus. O ato de crer põe,obviamente, o problema humano fundamental: a existência ou não de Deus.Inclui também a questão central da noção de Deus. A matemática é umaciência que estuda entes de razão simbólicos e conceituais. Estasdefinições todas, com um incontável número de nuances, emolduram umapermanente discussão entre o rigor lógico de argumentos matemáticos eas provas da existência de Deus. É, naturalmente, uma questão anterioràquelas que configuram a importância social e cultural da religião.

Estadiscussão volta sempre à baila de reportagens. Um caminho árduo dereflexão e de abordagens multifacetadas. Um grande desafio que exigegrandes esforços, clareando pontos de partida e questões de raiz. Asferramentas da matemática são usadas para mostrar, muitas vezes, ondeos argumentos sobre a existência de Deus são inconsistentes. Engrossamo coro os que estão aí enfileirados a partir da crítica da religião queirrompeu na modernidade, com raízes fortes no iluminismo. Os séculosXIX e XX já hospedavam as discussões e confrontos com as críticasfeitas à religião, tanto no âmbito das idéias quanto dos debatespolíticos. Já no século XVIII o ateísmo é visto como conseqüência dadefesa da liberdade do ser humano. A tradição filosófica vigenteconsiderava a dependência religiosa da pessoa como um freio e umalimitação indevida à liberdade. Sem retomar de modo completo, históricae sistematicamente, esta discussão, sabe-se de sua complexidade eextensão.

Nãoé simples o desafio destes percursos todos. Contudo, é importanteconsiderar o ponto de partida e os desenvolvimentos próprios dasabordagens da questão de Deus e das raízes da experiência de crer. Ocristianismo tem neste âmbito propriedades e singularidades muitoprofundas que não são argumentos que se diluem em água, como podemcorrer o risco de afirmações levianas. O Papa Bento XVI, no seudiscurso inaugural da V Conferência dos Bispos da América Latina e doCaribe, Aparecida, maio de 2007, afirmou: “Se não conhecemos a Deus emCristo e com Cristo, toda a realidade se torna um enigma indecifrável;não há caminho e, não havendo caminho, não há vida nem verdade”. Estaconvicção cristã católica tem raízes e força para se confrontar com oclima relativista contemporâneo.

Opróprio Papa Bento XVI, na sua Carta Encíclica, “Deus é amor”, n. 1,focaliza o ponto de partida, a raiz que fundamenta a fé cristã: “não secomeça a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, maspelo encontro com um acontecimento, com uma pessoa, que dá um novohorizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva”. Portanto, afonte desta adesão de fé não é uma idéia ou uma abstração. Mas, umapessoa. Uma pessoa não é argumento que se dilui em água. Pelocontrário, tem força. Esta força está configurada no Evangelho de JesusCristo. Uma força singular que não se reduz e nem mesmo dependesimplesmente de grandes programas e estruturas. Não verdade, é um amor,um amor recebido do Pai graças a JesusCristo pela unção do Espírito Santo. Portanto, é o dom do encontro comJesus Cristo que configura o tesouro e a realidade da experiência decrer.

Háuma prova incontestável deste amor que é Deus revelado na pessoa deJesus Cristo, razão e sentido pleno do dom deste encontro quetransforma, torna-se sentido inesgotável de viver. Não é, pois, umaabstração. Não é uma argumentação para mostrar uma lógica sem lógica. Èuma realidade que “faz passar da morte para a vida, da tristeza para aalegria, do absurdo para o sentido profundo da existência, do desalentopara a esperança que não engana. Esta alegria não é sentimentoartificialmente provocado nem estado de ânimo passageiro” (DA 17). Apessoa de Jesus Cristo é esta fonte e a prova incontestável deste amorque Deus é. Estas raízes profundas que se configuram em argumentosincontestáveis do amor de Deus, de sua existência e presença amorosa,Jesus Cristo, a plenitude da revelação de Deus, explicam a força dasraízes católicas na arte, linguagem, tradições e estilo de vida.

Porisso mesmo, por estas raízes incontestáveis e consistentes, a tradiçãocatólica como dom “é um cimento fundamental de identidade,originalidade e unidade na América Latina e do Caribe: uma realidadehistórico-cultural, marcada pelo Evangelho de Cristo” (DA 8). Fé, pois,não é matemática!

Fonte: CNBB – por Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


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