Ser um campeão da misericórdia: eis um grande desafio. Não julguemos, nem condenemos, mas usemos de misericórdia para com todos
Nestes tempos em que tantos “se grudam” aos aparelhos de TV para assistir a campeonatos do que se possa imaginar – música, voz, culinária, moda, informática, games e por aí vai –, penso em propor um tipo meio desconcertante de campeões: os da misericórdia. Não somente os que a praticaram – os santos – como principalmente os que a recebem. Esses certamente são mais próximos da maioria de nós.
O campeão dos campeões, na categoria masculina no Novo Testamento, é, sem dúvida, Dimas, o Ladrão, do qual já falamos. Roubou o céu com uma só frase, depois de uma vida inteira de roubos e homicídios. É o protótipo da misericórdia de Deus, inteiramente gratuita, invencível em generosidade. São Dimas, o Bom Ladrão – que se tornou bom por pura misericórdia de Jesus, crucificado ao seu lado –, é tão santo quanto qualquer outro santo e foi o único a ser canonizado pelo próprio Crucificado. Realmente imbatível esse Dimas!
Na categoria feminina, seria difícil dizer quem, no Novo Testamento, se equipararia a São Dimas. Há, naturalmente, Nossa Senhora, de quem falaremos oportunamente, mas ela, assim como São João Batista, é hors concours: com eles não há como concorrer. Impressiona-me muito a mulher de João 8, pega em flagrante, adulterando. Não é difícil imaginar a cena: semidespida ou, talvez, enrolada em lençol, ela é arrastada à rua para julgamento público. O veredicto, naquela época, estava entre os mais fáceis de discernir: apedrejamento público para pecado público, em especial quando se tratava de adultério e, ainda por cima, pego em flagrante.
Enquanto a mulher é arrastada, provavelmente pelos cabelos descobertos, seu companheiro, igualmente adúltero, esgueira-se nas sombras e foge da cena. Homens adúlteros não eram punidos na Israel daquela época. Os outros homens, certamente aos gritos, exigiam justiça: quem erra, deve ser punido. Olho por olho, dente por dente! Completa a cena a oportunidade única de testar o Nazareno chamado de Rabi, que curava em dias de sábado, “contrariando a Lei”. O que diria ele diante do descumprimento evidente de uma das leis mais sagradas de Israel, a que punia o adultério?
Diante do Rabi, os homens apresentam a mulher: “Esta mulher foi pega em flagrante adultério! Nossa Lei manda apedrejá-la. E tu, o que dizes?”.
Pobres juízes sem compaixão, escravos da letra, cegos pela sede de justiça! Não contavam com a misericórdia do Mestre que mudaria totalmente o jogo. Aos juízes inclementes, o Filho de Deus faz perceber que só quem nunca pecou tem o direito de julgar: “Atire a primeira pedra quem estiver sem pecado.”. Ao soltarem as pedras e se afastarem, um a um, com olhares grudados ao chão, puderam ouvir, ainda, a voz na qual a misericórdia triunfava em frase curta, translúcida, de eco desconcertante: “Eu não te condeno!”. A Misericórdia havia libertado e justificado a mulher. Simples assim!
Maria Emmir Oquendo Nogueira
Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
em “Entrelinhas” da Revista Shalom Maná
TT @emmiroquendo
Facebook/ mariaemmirnogueira
Coluna da Emmir – comshalom.org