Neste início de novembro vivemos um final de semana emblemático. Ele serve de divisor de águas entre a tradição de longa data e a modernidade imposta pela globalização avassaladora. Depende de como este final de semana é encarado.
Para alguns é um feriadão a mais, para ser aproveitado da melhor maneira possível, de preferência na praia, para esquecer os problemas e aproveitar o que a vida tem de bom.
Para outros, é o momento tradicional de lembrar os falecidos, visitar o cemitério, rezar pelos “entes queridos”, no “dia de finados” que a tradição lhes reserva com respeito e devoção.
Alguns poucos conseguem ir mais longe. Além de finados, celebram “todos os santos”, como manda a liturgia, estabelecendo assim a visão harmônica que a fé cristã oferece, integrando dimensões do destino humano que parecem contrastantes, mas que o mistério de Cristo ilumina e concilia.
Assim a fatalidade da morte, lembrada pelos finados, acaba se compondo bem com a certeza da ressurreição, simbolizada pelos santos. A perspectiva final da vida humana recebe um desfecho motivador, e integrador de todas as dimensões de nossa existência.
A obsessão de viver com intensidade o momento presente, sem relacioná-lo com o passado que pode lhe explicar a origem, nem com o futuro que pode lhe indicar o rumo, expõe a vida humana à precariedade de suas limitações.
A vida, que se quer viver com tanta voracidade, fica exposta ao perigo da banalização. Os exageros do álcool, e outros excessos, ultrapassam os limites da responsabilidade. Ficam criadas as condições para os acidentes que ceifam vidas, na maioria das vezes jovens e em plena exuberância de seus desejos de viver, que assim ficam frustrados para sempre. A extensão desta fatalidade é mensurada pelas cifras que no final de cada feriadão as autoridades do trânsito fornecem, numa liturgia que já se tornou indispensável. Fica esquecida a sábia advertência de São Paulo: “trazemos este tesouro em vasos de argila!”.
O feriadão acaba sendo reflexo do cotidiano da vida das pessoas. Quando faltam referências transcendentes, a vida fica exposta à precariedade dos seus impulsos. Se eles não são iluminados por valores que os conduzem, ficam sem critério de orientação.
Este o drama atual, que os professores experimentam diante dos alunos, os pais sentem diante dos filhos, e a própria Igreja vivencia diante de sua missão evangelizadora. Como oferecer razões de viver, para impregnar a vida com verdadeiras motivações, que levem à sua plena realização, como Cristo nos convida a fazer?
Celebrar o dia de finados não é deixar de viver com intensidade. Ao contrário, é acolher o mistério da vida em sua plenitude, integrando já agora o que parece contradizer a vida, como nos revela o mistério pascal de Cristo. Trata-se de compreender que a fé cristã não vem cercear a vida. Ao contrário, vem abrir as portas de sua plena realização.
A fé vem ao encontro dos anseios humanos, e se mostra muito coerente com eles. Já humanamente vislumbramos horizontes longínquos, que convidam a ultrapassar os limites da existência humana. Sentimos como é bom viver, como é harmonioso o universo, e como nele somos acolhidos. Já esta vida desperta o desejo de viver para sempre.
Toda a mensagem de Cristo se volta para nos garantir este projeto de vida plena. “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (Jo.10,10). “ Na casa de meu Pai há muitas moradas…Quero que onde eu estiver, estejais vós também” (Jo.14,2-3). Por sua vez S.Paulo, refletindo a convicção dos primeiros cristãos, afirma com esperança: “Se morremos com Cristo, com ele viveremos” (Rom.6,8).
Neste feriadão, deixemos entrar com suavidade e persistência a luz da fé cristã, com o bálsamo de consolo e de esperança que ela traz, tanto para nós como para os falecidos. E sintamos desde já a alegria de ver-nos incluídos na assembléia dos santos, para a qual Deus nos convida a participar desde agora!
Fonte: Catolicanet