A Páscoa se aproxima, é tempo de festa, de canto, de libertação das escravidões que vivemos no nosso dia a dia. Estamos carregando o peso da nossa pobreza, limitação, e especialmente o peso do nosso pecado, que nos oprime como uma atenta escravidão, a qual não damos suficientemente atenção. A escravidão material se sente na carne, no corpo, a escravidão da alma se sente no coração, na alma. Gostaria de parar um pouco para refletirmos juntos sobre três escravidões que oprimem o nosso caminho espiritual.
1. A Escravidão da autossuficiência
Pensamos que somos pequenos deuses que sozinhos podem resolver tudo, colocamos no centro da nossa vida a estátua de nós mesmos, para a qual queimamos todos os dias incensos e acendemos velas. O nosso coração se torna cada vez mais insensível aos valores da vida e perdemos de vista o caminho que nos leva à Páscoa, terra prometida e festa de reconciliação. O orgulho é sutil, se esconde vestido de zelo, de santidade, de capacidade, e nos faz cair num ateísmo real.
2. A escravidão do prazer
Quando falamos de prazer, na maioria das vezes, pensamos na sexualidade e seu contexto, mas não é a isso que me refiro. A escravidão do prazer elimina sistematicamente o sacrifício, a dificuldade, a dor, a cruz da nossa vida, e como diz Paulo apóstolo, “o ventre, ou seja, o corpo se torna o nosso Deus”, é o primeiro passo para o consumismo exagerado, para uma busca de coisas desenfreadas que não saciam, mas que esvaziam cada vez mais o coração dos verdadeiros valores da vida. Precisamos ter cuidado com o prazer pelo prazer, das coisas pelas coisas. Os monges do deserto e os santos todos da história fizeram uma escolha entre vida confortável e vida de sacrifício por amor a Cristo, escolha esta que deve ser feita por cada um de nós.
3. A escravidão da dominação
Somos contaminados pelo desejo de dominar e não de servir aos outros. A luta maior que Jesus travou com seus apóstolos foi para fazê-los compreender que nossa vida é serviço e não domínio, é preciso ser grande não pelo autoritarismo, mas sim pelo amor; o único poder que está em nossas mãos é servir, é descer dos nossos pedestais, vestir o avental e lavarmos os pés uns aos outros na caridade e no perdão. Sermos os últimos em tudo e sempre, não porque os outros nos marginalizam ou porque isso cria revolta, mas porque nós escolhemos ser últimos para sermos úteis.
Se superarmos essas escravidões, seremos livres do dinheiro, do poder e de tudo, um caminho que não se faz num dia e uma vitória que não se realiza em um ano, é preciso ter alta vigilância para não se deixar tomar pelo diabo de forma desprevenida e cheia de surpresas.
Hoje tirei de vós a vergonha da escravidão
Depois de um longo caminho no deserto, o povo pôde entrar na terra prometida. Cessam por parte de Deus todos os favores extraordinários, maná e codornizes, e o povo começa a comer os frutos da terra dada por Deus, é o canto da misericórdia e da Páscoa do Senhor. As palavras que dão início a essa pequena leitura têm um forte sabor de alegria para todo o povo – “Hoje tirei de cima de vós o opróbrio do Egito” – da escravidão. O povo não deveria nunca mais pensar no passado, mas sim viver só agradecendo e fazendo a vontade de Deus, mas infelizmente a raiz do pecado permanece no coração do povo e aí o mesmo Deus será obrigado a lembrar para o povo do tempo da escravidão para que eles não viessem a cometer os mesmos pecados de idolatria.
Somos um povo em caminho e temos necessidade de comer do alimento que nos sustente o corpo, o pão, fruto da terra, do trabalho, e do alimento que nos sustente a alma, e não podem ser frutos da terra, mas frutos que vêm do céu, o que é para nós a Eucaristia. Como é doce saber que nunca nos faltará o corpo e sangue de Jesus, verdadeiro alimento descido do céu.
Tudo agora é novo
O tempo antigo desapareceu, o tempo do pecado desaparecerá para quem recebe e aceita ser reconciliado em Cristo Jesus; ele é a nossa terra prometida, doada pelo amor do Pai a toda a humanidade. Não devemos mais ter medo do tempo passado; devemos purificar-nos, ou melhor, deixar-nos purificar pelo sangue de Jesus. Paulo sintetiza tudo isso com uma frase curta: “tudo agora é novo”.
Se nós aceitarmos Jesus dentro de nós, o que há fora de nós deve ser renovado pela força do amor que não tem fim. Nós somos enviados embaixadores de Cristo no mundo marcado pelo pecado. O mistério mais belo e também mais difícil a ser compreendido é que Jesus sem pecado se fez pecado para nos salvar em todo o sofrimento da cruz por amor e só por amor. Caminhemos com essa certeza do perdão de Deus, anunciando a todos a Páscoa, a passagem do Deus libertador através da pessoa de Jesus.
Parábola que você deve completar
Todo o Evangelho é fonte de misericórdia, é história de amor, e não há nenhuma parte dos Evangelhos que seja supérflua e inútil, mas há um texto que tem doçura especial e é fonte inesgotável de reflexão para todas as pessoas que os leem, sejam católicos, ateus ou de outras religiões, fazem parte da leitura da misericórdia, é o caso da parábola dos dois irmãos (ou do pai amoroso ou do filho pródigo ou do fechado ao amor, podemos chamar este texto com muitos nomes), e se lemos com atenção chegaremos à conclusão de que a parábola não termina, ela continua e deve ser escrita por mim e por você. Nós somos presentes nesta história, e cabe a nós abrir ou fechar nosso coração ao perdão.
O coração de Deus é sempre aberto, o coração está sempre à espera que nós voltemos. Podemos voltar sozinhos e fazer a festa sozinhos? Podemos ser convidados para a festa, e somos livres de entrar e não entrar? Cabe a nós as respostas. É tempo de voltar a ler esta parábola com olhos novos, carregados de lágrimas de arrependimento e de alegria, porque o irmão voltou, ou ficaremos com olhos egoístas porque ele voltou? Durante esta semana, leia todos os dias essa parábola e se pergunte: como eu vivo essa história de amor?
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