Não é muito difícil se convencer de que desde que o mundo é mundo sempre houve quem nasceu com o ouro na mão e quem nasceu de mãos vazias, sem nada. O mundo dos ricos é sempre menor e mais rico e o mundo dos pobres, ao contrário, é sempre maior e mais pobre. É um mistério que não é fácil de compreender e que gera revolta, e que tem gerado também, ao longo da história, guerras, revoluções e problemas. Parece ser algo cada vez mais confuso e sem solução.
Alguns dias atrás, estava lendo um artigo que dizia que no futuro próximo teremos mais de 120 milhões de pobres que morrerão de fome, e somente os ricos se salvarão da carestia e da morte. Triste visão da humanidade e isto será no ano de 2030. Pode ser que eu não chegue a ver, mas no céu vou me colocar bem perto de Jesus, da Virgem Maria e de Santa Teresinha, para que isto não aconteça e que Deus, na Sua misericórdia, nos livre desta tragédia terrível de dor e sofrimento dos mais vulneráveis, que estão cada dia mais feridos.
Há quem deseja ser pobre?
Porém, fica em mim uma pergunta assustadora: há quem deseja ser pobre? A minha resposta é não. Ninguém pode amar a pobreza, todos amamos a riqueza, o bem estar econômico, uma vida tranquila. Além disso, ninguém foi criado por Deus para ser miserável e morrer de fome, correndo de um lugar a outro, pedindo esmolas e suplicando um pedaço de pão.
A parábola do rico e de Lázaro é a fotografia da maldade humana contra a qual devemos lutar, pois a cultura da morte não pode ser amada. Por seu turno, é a cultura da vida, do amor e da solidariedade que deve ser cultivada e regada com a água do amor.
Quando, no coração dos ricos, entrar o amor, eles serão capazes de se solidarizar com os pobres e repartir o que têm, e os pobres vão para de ter olhos gananciosos, por desejarem ser ricos só pela alegria de serem ricos e nada mais. A luta de classes não pode ter espaço no Evangelho.
Existe solução para a pobreza?
Devemos reconhecer que, ao longo do tempo, as guerras nunca resolveram os problemas de pobreza e riqueza. Os comunistas fizeram guerra contra os ricos e nada se resolveu, os chefes eram ricos e a massa continuou a ser pobre e explorada até o sangue. Vieram os socialistas e nada melhorou. Vieram os novos comunistas e a mesma coisa. Parece que nem a primeira comunidade cristã conseguiu solucionar o problema. Já Ananias e Safira tentaram parecer bons para enganar Pedro e a comunidade cristã. E aí? Qual é a solução? Para mim, há uma: conversão e compreensão do Evangelho. A pobreza é um valor quando se escolhe livremente, mas é uma desgraça quando somos obrigados pelas circunstâncias da vida a sermos pobres e mendicantes do necessário.
Vivemos em uma noite terrível de guerra entre pobres e ricos, que só será possível vencer com a paz e não com a força. O segredo do Evangelho é o amor, é a não resistência aos malvados, a partilha amorosa. No amor, não há perdedores e vencedores, há somente vencedores.
Ricos e pobres? Somos todos irmãos. Nus viemos ao mundo, sem nada trazer, e partiremos do mundo sem levar nada. Isto é certo. O que vale diante de Deus é o amor.
O nosso irmão Amós nos acorda
Se você lembra, já domingo passado o profeta Amós não mandava recados e hoje continua a nos cutucar com vara curta, para que despertemos do nosso sono de indiferença e de descuido para com os pobres. Não podemos nos fechar em nossos castelos de riqueza, de bem-estar, de mesa farta, onde nada nos falta, e esquecermos os que sofrem de verdade e não têm o necessário para uma vida digna.
Toda riqueza terminará e os ricos serão os primeiros a experimentar a dor do desterro e do sofrimento, porque não estão acostumados a lutar e a trabalhar. Os pobres têm muitos calos nas mãos e os ricos têm calos no coração. Os discursos do Papa Francisco tantas vezes acusado de ser comunista, porque defende os pobres são, como diz o povo, cafés-pequenos, se relacionados com as palavras do profeta Amós. Fechar os olhos, fechar o coração e fechar a boca diante de tantas injustiças é pecado que grita contra a Deus.
Homem de Deus foge das coisas perversas
Essas são as primeiras palavras com as quais se inicia esta carta do apóstolo Paulo ao seu dileto filho Timóteo, que era tímido, e, às vezes, sem coragem para enfrentar as injustiças do seu tempo.
Homem de Deus foge das coisas perversas. Quais são as coisas perversas de que fala o apóstolo? Não as especifica, mas podemos compreendê-las a partir da leitura de toda a carta. São elas: a ganância, a divisão, o desamor, o poder. Tudo o que é mal deve ser evitado, para dar espaço ao bem, ao amor, à paz, à justiça. É muito importante constatar como, na Bíblia, a palavra justiça tem um valor todo especial. Não se trata da justiça dos tribunais humanos, mas da justiça de Deus, que é amor. Como diz o Salmo, a justiça e o amor se encontraram e se abraçaram e deste abraço nasceu a paz (cf. Sl 85).
Diante da morte, só vale o amor
Sempre que lemos a parábola do rico sem nome e do pobre que se chama Lázaro, ela nos coloca em crise, fazendo nascer a pergunta: para que servirá a riqueza quando nos apresentarmos diante de Deus para sermos julgados sobre o amor?
Não há dúvida de que o rico viveu bem, circundado de falsos amigos, lautos banquetes regados com o melhor vinho de Israel, sempre vestido com as melhores roupas, enquanto o pobre Lázaro estava ali fora, perto da porta, ferido pela fome e pelo desprezo, sempre vestido com a veste da pobreza e também da humildade, não desprezando ninguém, dizendo a todos os que lhe permitiam buscar um pouco de comida no lixo “obrigado”, de forma que continuava a esperar pouco dos homens e muito do Senhor.
Doces são para ele as palavras de Abraão, que o recebe no seu seio, isto é, no paraíso, e duras são as suas palavras para o rico, que suplica tarde demais a misericórdia. Para quem tem o coração duro, endurecido, nem os milagres servem, já para quem ama, as palavras de Deus são ouro puro.
Não precisamos de milagres para nos salvar, mas só perpetuar a Palavra de Deus. Hoje seria comemorada a festa dos Santos Arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel, mas, por ser domingo, a omitimos. Peçamos a eles a proteção para vencer o mal, para sermos curados das feridas, e para estarmos abertos a receber os bons anúncios da Salvação.
Escola de oração
Ser pobre não se restringe a não possuir bens, mas a abrir mão de si mesmo, sair de si, como Igreja em saída. Ser pobre por amor a Jesus, retribuindo minimamente o Seu amor, respondendo o Seu amor, isso é amar. Devemos buscar primeiro as coisas do Alto, que o resto nos será acrescentado (cf. Mt 6,33). Como já foi dito, não devemos ter aversão ao dinheiro, mas administrá-lo com amor, partilhando, não sendo seu escravo. “Lucas não fala duma pobreza ‘em espírito’, mas simplesmente de ser ‘pobre’ (cf. Lc 6,20), convidando-nos assim a uma vida também austera e essencial. Desta forma, chama-nos a compartilhar a vida dos mais necessitados, a vida que levaram os Apóstolos e, em última análise, a configurar-nos a Jesus, que, ‘sendo rico, Se fez pobre’ (2Cor 8,9).” (Gaudete et Exsultate, 14)