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Frei Patrício: Nenhum ser humano é dispensado de dar frutos

É necessário que nós mesmos saibamos crucificar a nossa carne quando ela se revolta e exige que satisfaçamos seus instintos, suas paixões, seus desejos, que são contrários aos desejos do Espírito.

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Ninguém é plantado para fazer sombra ou ocupar espaço (Foto: Min An from Pexels)

Creio que nunca, nos muitos retiros que tenho dado, falei sobre o capítulo 3 do Êxodo, no qual Deus com sabedoria chama Moisés ao deserto e, no deserto mais duro da terra, da alma e da fé, se revela. Assim Deus continua a se revelar nos momentos em que menos pensamos. Recordo de como Deus se tem revelado na vida dos santos em toda sua beleza.

A São João da Cruz, Deus se revela no cárcere de Toledo, no sofrimento e na noite; a Teresa do Menino Jesus se revela na Sexta-feira Santa, quando lhe parece ouvir as músicas de Paris, as danças e uma voz dentro dela que lhe diz “está tudo errado”. Ela responde pela força da sua fé: “Deus nos chama e vem nos visitar continuamente”.

Às vezes, Deus se revela na doença, num desastre de estrada, na morte de um parente ou de um amigo. Deus não deixa de aproveitar todas as ocasiões possíveis e imagináveis para começar a fazer parte da nossa história, e quando Ele nos visita sempre nos chama pelo nome.

Deus conhece o meu nome, e eu conheço Deus?

A pergunta que coloquei no início destas reflexões não é inútil. Devemos respondê-la com amor e com sinceridade. Como é belo saber que Deus conhece o meu nome, e me chama pelo nome, porque me ama. Uma vez me encontrava no Aeroporto de Madrid e num certo momento escutei a voz de um homem que chamava “Patrício, Patrício”.

Senti um calafrio e pensei: alguém pode me conhecer aqui, longe do Brasil? Virei e era um caríssimo amigo colombiano que estava como eu, meio perdido para ir ao terminal. O nome é tudo, é vida. É memória e coração.

Mas será que nós conhecemos Deus? Como nos relacionamos com Ele? Como nós rezamos? Que hoje você possa decidir-se por se relacionar com Deus e entrar em comunhão com Ele.

Numa sociedade dos números, onde todos nós temos virado números, do consultório médico à carteira de identidade, ao passaporte, na fila do banco ou do supermercado, recebemos uma senha e nos chamam pelo número, mesmo nos leitos dos hospitais, dizem que é mais prático.

Pode ser que isso seja verdade, mas, sem dúvida, é menos personalizado e vazio de relação de amizade e de afeto. Recuso ser um número. Quero ser pessoa como os meus irmãos e irmãs e como o meu Senhor, que é o meu amado.

Os olhos de Deus são bons

Dou um conselho aos meus leitores destes comentários: sempre que você sentir que Deus não está ao seu lado, não perca a esperança de encontrá-lo virando a primeira esquina, mas principalmente pegue um pedaço de pão, sem coca–cola, e vá ao deserto para fazer um dia de retiro de silêncio e aí você escutará o Senhor, que chama pelo seu nome, como chamou Moisés, Maria, Pedro, José, Jeremias, Isaías e tantos outros. O seu nome será gritado forte e com amor, e você se sentirá obrigado a responder como todos os profetas de todos os tempos com estas palavras: eis–me aqui. E Deus vai continuar o seu diálogo com você.

Deus quer nos libertar de todas as escravidões

Em primeiro lugar, Ele nos manda tirar as sandálias, isto é, despojarmo-nos de tudo o que pesa no nosso coração, de todo mal que temos feito ou que temos intenção de fazer para estar na presença de Deus, que se manifesta com o fogo ardente que queima e não se consome, porque é amor, nem sempre é fácil, mas não tem como fugir, é uma força maior do que nós, nos torna imóveis diante de Deus. O medo entra em nós, a desconfiança entra em nós, mas Deus nos dirá sempre que não devemos ter medo porque Ele nos escolheu e nos ama. Deus precisa de nós, do nosso sim, da nossa cooperação para agir na história e no mundo. Quer nos libertar de todas as escravidões possíveis.

Anunciação do anjo à Virgem Maria

Amanhã celebramos a Solenidade da Anunciação do anjo à Virgem Maria, nossa mãe. Ela também foi chamada pelo nome, ela também necessitou escutar a palavra forte de confiança “não tenhas medo”. Viva esse amor do Senhor. Deus enviou Moisés para salvar o povo, enviou Maria para salvar a humanidade e envia eu e você para quê? Para salvar os irmãos e irmãs. Deixemos de medo e respondamos como Moisés e Maria: “eis-me aqui”.

Devemos corrigir as nossas ideias

Paulo é judeu e conhece as Escrituras. Ele sabe que o caminho de Deus não é parado, mas é dinâmico, caminhar com o povo e levar o povo à libertação integral de todo o seu ser. Não basta sair do Egito, da escravidão física debaixo do faraó, é necessário sair de outra escravidão, a do pecado, e isso não é possível sem que aceitemos na nossa vida Cristo Jesus. Paulo faz memória do caminho do povo, que foi protegido debaixo da nuvem no calor do dia, foi guiado pela chama durante a noite e que bebeu a água que manou do rochedo no deserto.

Mas existe um novo rochedo: Cristo. É ele que vai nos libertar de tudo, e nós devemos amá-lo, anunciá-lo, aceitá-lo na vida como nosso salvador, não só com a mente, mas com as obras da fé. O povo de Israel murmurava contra Moisés e Deus, o povo de Corinto murmurava contra Paulo e Jesus, e isso não é bom. Mas há uma advertência nesse texto, a de que nunca devemos considerar-nos perfeitos, porque sempre podemos cair. A Quaresma é tempo de ver as nossas quedas e os tropeços por que temos caído e retomar o caminho da confiança em Deus.

Acolher a cruz

Há uma crucifixão que se faz necessária, que eu chamaria de autocrucifixão. Paulo fala disso quando nos diz “crucifiquei o meu corpo com suas paixões” (Referência à Gl 5,24). É necessário que nós mesmos saibamos crucificar a nossa carne quando ela se revolta e exige que satisfaçamos seus instintos, suas paixões, seus desejos, que são contrários aos desejos do Espírito.

Mas existe também uma crucificação que não depende de nós, é quando, por causa do Reino de Deus, da Verdade, por causa de Jesus, somos sujeitos ao sofrimento e à cruz, quando somos marginalizados, excluídos, porque somos féis ao Evangelho de Jesus. Quem escolhe Cristo tem um único desejo: ser como Ele.

Desgraça não é castigo, é chamado à conversão

É preciso abrir as janelas fechadas da nossa cabeça que pensa que desgraça é castigo de Deus, isso não é o que diz Jesus através dos dois acontecimentos. Os que foram mortos por Pilatos não eram mais pecadores que os outros, e os que morreram debaixo da torre de Siloé não eram mais pecadores que os que não morreram, e Jesus sentencia: convertei-vos.

“Se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo”. As desgraças, sejam quais forem, são o aviso claro que devemos converter-nos, mudar de vida. Esse aviso é dirigido a toda a humanidade. A figueira em Lucas é símbolo da humanidade, e todos somos chamados a dar frutos. Nenhum ser humano é dispensado de dar frutos, ninguém é plantado na vinha do Senhor para fazer sombra ou para ocupar terreno inútil mente.

Quem não produz fruto é podado e jogado fora, como diz Jesus na parábola da videira de João 15. Louvemos a Maria, árvore fecunda na vinha do Senhor, que nos deu o fruto mais belo, que é Jesus.


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