Formação

Gelatina em prato raso

comshalom

Você certamente já passou pela desastrosa experiência de, em um almoço à americana, servir-se de gelatina em prato raso. Bem que ela era atrativa, em seu elegante pote de cristal, reluzente sob o chantili, quase a obrigar que dela se sirvam abundantemente. Para servi-la, porém, a descuidada dona de casa colocou somente… colherinhas e pratos rasos. E você, distraído pela conversa com o próximo da fila, ploft!, cai na armadilha que lhe renderá os próximos minutos de luta insana entre a etiqueta, o equilíbrio do prato sobre as pernas e a maestria do melhor equilibrista cirurgião para levar a gelatina até a boca. Terrível! Mas tudo pode ser ainda pior se o cenário for a primeira visita à casa da candidata a sogra.

Gelatinas em pratos rasos sempre foram uma ameaça. À polidez, ao tapete persa abaixo delas, à saia ou calça de quem as tenta comer, à sanidade mental e autoestima do comensal. Verdadeiro horror!

Pois é. Tem gente que é assim, como gelatina em prato raso. A cada passo, ameaça cair, inclinando-se perigosamente, ora para a esquerda, ora para a direita, ora para a frente – pior de todas as hipóteses. A cada colherada, ameaça perigosamente não chegar ao seu prosaico destino. Adrenalina pura!

Gente-gelatina-em-prato-raso é gente sem consistência. Do tipo que quer sempre o mais fácil, o mais tranquilo, o mais “normal”. Gente que não quer fazer força para nada, que não sonha com nada que lhe custe um pingo de suor. Gente que foi educada tendo tudo o que quis, gente que quer ter muito dinheiro para trabalhar bem pouquinho e, de preferência em um serviço onde ela bata o ponto – mas só quando o colega não puder bater por ela – e vá fazer outra coisa, qualquer coisa, exceto trabalhar.

Gente-gelatina-em-prato-raso arranja emprego por influência daquele “cara rico e poderoso”, passa na prova porque conquistou as boas graças do professor ou comprou a prova “facinho, facinho”. Gente-gelatina-em-prato-raso passa o tempo do emprego em redes sociais e, ainda assim, sempre quer ganhar mais.

Para essa gente, trabalho, de preferência pouco, é emprego, naturalmente bem remunerado. Dizem que, no Brasil, isso vem da era colonial, quando trabalhar era coisa para quem não era “gente de bem”. Pode até ser. Hoje, é “mau caratismo”, mesmo.

Trabalhar é servir, é suar, é esforçar-se para o Bem Comum. Trabalhar é dar seu melhor para colaborar com Deus no aperfeiçoamento da Criação. Gente-gelatina-em-prato-raso não entende isso. Pensa que trabalhar é “dar expediente”. Que a única finalidade do trabalho é ganhar dinheiro. E que esse negócio de dar o melhor é para otário.

Pensa que Deus nem trabalhou nem trabalha até hoje. Pensa que Deus não conta com o homem para levar ao fim último sua Criação. Aliás, gente-gelatina-em-prato-raso considera-se a obra prima da criação de Deus e não enxerga nada nem ninguém ao seu redor. Não se considera responsável pelo aperfeiçoamento de nada.

Gente-gelatina-em-prato-raso “se acha” e, no começo, pode até parecer engraçada e interessante – é sempre o centro das atenções em conversas vãs – mas logo se desfaze em líquido colorido esquecido em um canto ou, tristemente, cai e tinge o tapete, o piso, a roupa de quem convive com ela.

Gente-gelatina-em-prato-raso não tem consistência. Pendura-se na aparência, na grandiloquência, na mentira, no dinheiro, mas acaba por acachapar-se tristemente, a remoer o engano de achar que, sem esforço, disciplina e trabalho duro, é possível ter consistência e contribuir para o bem.

Maria Emmir Oquendo Nogueira


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