Apalavra "gnosticismo vem do grego "gnôsis" que significa "ciência","conhecimento". Trata-se de um fenômeno religioso surgido naantiguidade (séc. I e II), mas que – segundo descobertas científicasmais recentes sobre os essênios (monges de Qumram) – o gnosticismo temsua origem ainda num período pré-cristão (paganismo).Portanto, é coerente afirmar que concepções astrológicas do mundobabilônico tenham sido incorporados ao gnosticismo, daí o caráterexotérico.
Posteriormente,com o surgimento do Cristianismo e a sua relação com o judaísmo, ognosticismo terá na sua teoria e prática, um sincretismo judeu-cristão.No período de expansão do Cristianismo, o gnosticismo caracterizava-secomo um meio de salvação reservado a uma elite através do conhecimentode doutrinas secretas.
Ohomem é um elemento divino que – por algum motivo condenatório daDivindade – chegou a vir habitar na matéria. Este homem precisa entãose libertar através da "iluminação" para se chegar ao verdadeiroconhecimento de Deus. Os gnósticos afirmavam que o conhecimento de Deusnão pode ser adquirido pela atividade racional, pois, para osgnósticos, Deus está além de tudo o que é conhecido.
Aconteceque esse conhecimento (espécie de "revelação") só era acessível para umgrupo de eleitos (gnósticos). Somente os gnósticos poderiam ter seusolhos abertos para a intimidade da natureza divina. Essa revelação nãoera a mesma "Revelação pregada pelo Cristianismo". Para os gnósticos asalvação se deu através de Jesus, mas não pelos seus méritos, masmediante um "redentor celeste". Segundo o gnosticismo a salvação se deuatravés da "gnose" que Jesus revelou. Essa teoria foi base de váriasseitas provenientes de cristãos heréticos.
CARACTERÍSTICAS DA DOUTRINA DO GNOSTICISMO
Apontamos algumas características condizentes com o gnosticismo:
1. Dualismo: Admitiam um "princípio bom", que seria a Divindade e uma outra que se opunha, no caso, a "matéria", má por si mesma;
2. Porcausa dessa concepção que a carne era má, somente eles estavam aptos apraticarem a ascese para serem elevados. Num outro extremo – emoposição ao Antigo Testamento (portador da Lei divina e da Moral) comocrítica de ser o Deus do judaísmo vingativo e mau, por isso um Deusinferior aos dos cristãos – desprezavam a matéria num sentido negativoe se tornavam verdadeiras escolas de infâmias e orgias;
3. Sustentavam que o mundo fora criado por um princípio inferior, ignorante, que se opõe a Deus;
4. Osiluminados pelo "conhecimento" (gnósticos), estavam libertos destemundo material. Haviam então descobertos as respostas para as perguntasfundamentais: quem eu sou? De onde venho? Para onde vou? Qual a minhamissão neste mundo?.
UM PERIGO PARA O CRISTIANISMO
Tãologo se percebe que o gnosticismo foi um enorme desafio para oCristianismo e para uma autêntica vivência da pureza da doutrina. OCristianismo se viu ameaçado no seu processo de expansão e nasustentabilidade de uma doutrina conforme se havia recebido dosApóstolos. As heresias provindas do gnosticismo, por sua vez, sutis eatraentes, influenciavam os fiéis que passavam a viver a fé distorcidada essência do Cristianismo. Estavam comprometidos os elementosfundamentais da "doctrina Christiana", tais como: a doutrina daEncarnação do Verbo de Deus, a unidade corpo e alma, a Salvação (Redenção do homem) como mérito de Jesus Cristo, por livre e em profunda harmonia eobediência à vontade do Pai, concedida ao homem mediante a respostalivre da fé (doutrina da justificação) e o princípio de que a salvaçãoé para todos.
Ognosticismo se pretendia explicar Cristo, mas dentro de um sentidopagão. Os expoentes mais significativos do gnosticismo foram:"Bardesanes (…221); Basílides (…160); Valentino (…160) e Marcião (…165)".Com eles o gnosticismo se ramificou (corpo de heresias) e se tornou um"obstáculo perigoso" para reto ensinamento dos princípio doCristianismo.
REAÇÃO DA IGREJA
AIgreja teve que desenvolver uma eloqüente, sábia, densa e corajosadoutrina apologética para conter a propagação e todos os errosdoutrinários do gnosticismo. A importante colaboração veio dos Padresda Igreja (Justino, Irineu, Tertuliano, Hipólito de Roma, Orígenes,Clemente de Alexandria…).
Partedas obras desses Padres da Igreja chegou até nós, inclusive, o "Tratadosobre as Heresias, Santo Irineu de Lyon", uma obra singular para acompreensão do gnosticismo. Com a doutrina da Encarnação do Verbo(princípio paulino da recapitulação de todas as coisas em Cristo Jesus), construiu Irineu uma base teológica segura, conforme se encontra em Ef 1,10.[1]
O ponto de partida dos Padres da Igreja foram: O dado da Revelação em Jesus Cristo,a Pregação dos Apóstolos (transmissão da fé cristã mediante aTradição), os ensinamentos da Igreja de Roma, a pregação e o martíriode Pedro e Paulo, "colunas do Cristianismo".
UMA INTERPRETAÇÃO POSITIVA DO TERMO "GNÔSIS" PARA A FÉ
Otermo "gnôsis" foi usado também por alguns escritores para referir-se àdoutrina cristã (cf. Irineu, Tratado sobre as Heresias, IV,33,8).Clemente de Alexandria e Orígenes chegam a usar o termo "gnôsis" parareferir-se ao conhecimento do ensinamento cristão que só é possívelpara alguns cristãos. Sustentam que, sob um ponto de vista pedagógico,alguns dos ensinamentos devem ser mantidos secretos a quem, por sua fésimples, é incapaz de entender seu significado.
Barnabé confirma dizendo: Trata-se de uma pessoa que conhece certas verdades, que é madura espiritualmente e que leva outros à gnôsis Overdadeiros cristãos devem rejeitar a afirmação pela a qual a gnôsis setorna patrimônio só dos homens que são naturalmente capazes derecebê-la. Clemente insiste que a gnôsis, aperfeiçoamento da fé,pertence a um itinerário de progresso de um estado bom para um melhor,escolhido livremente. Ela depende da livre opção dos indivíduos, doestudo, da disciplina ascética e da graça de Deus.
Tantopara clemente quanto para Orígenes a busca da gnôsis é sinal de umcristão espiritualmente maduro. A gnôsis coloca a alma em condição deentender sua verdadeira semelhança com Deus, mas não é uma condiçãonecessária para a salvação. Os hereges gnósticos, ao contrário,consideravam a gnôsis como um despertar espiritual da ignorância e dadecepção. Só então a pessoa tem consciência de sua própria origemdivina e de seu próprio destino divino.
UMA OUTRA FACE DO GNOSTICISMO NOS DIAS ATUAIS
A BELEZA E A PROFECIA DO CRISTIANISMO
Entendemosque o segredo é mostrar com beleza e transparência o brilhoincomparável que é o Cristianismo, sua força e profecia. Ele continuasendo a luz do homem porque apresenta não uma idéia, umsimples conceito sobre Deus, mas apresenta o próprio Deus na Pessoa deCristo, nosso Redentor, a Luz que brilhou nas trevas da escuridão e dosinfernos do homem.
Essariqueza incomparável que é o Cristianismo, não pode ser vividoisoladamente e na postura de refazer sua doutrina segundo nossaspróprias necessidades. Ele só pode ser recebido e vivido comautenticidade na comunhão eclesial, unido às Fontes que é a SagradaTradição e compreendendo sua novidade e profecia para o homem de hoje,auxiliados pelo Sagrado Magistério. Isso não se chama "estar preso a umpassado", mas encontrar nele a mola propulsora para o presente, naesperança do futuro.
– Dicionário de Teologia fundamental. Vozes e Santuário;
– Dicionário de Patrística e Antiguidades Cristãs. Vozes, Paulus, 2002;
– Dicionário Enciclopédio das Religiões. Vozes, 1995;
– Dicionário Teológico "O Deus Cristão". Paulus, 1998;
– Escola Mater Ecclesiae. Curso de História da Igreja. História Antiga.
[1] Dois Capítulos desta obra (II e III) foram usados como leitura e consulta para a elaboração deste artigo.
Missionário na Comunidade Católica Shalom – Fortaleza
"É a tua face, Senhor, que eu procuro!" (Sl 27, 8)