No domingo da misericórdia, enquanto acolhia os irmãos na porta do Shalom, quem vejo? Ninguém mais ninguém menos que Tomé! Isso mesmo, o famoso Tomé de Jo 20, meu companheiro de aventuras no Fenda da Rocha.
– Não acredito!!!
– Sou eu mesmo, Emmir. Então, não viria no domingo da misericórdia?
– Vou te colocar para dar um testemunho…
– Não, não! O povo vai pensar que você está doida! Deixa só que eu fique do teu lado, isto é, se a cadeira não estiver marcada…
– Dou um jeito!
– E lá fomos nós atrás de uma cadeira sem bolsa, sem bíblia, sem cartaz, sem celular, sem bombom, sem óculos, sem terço… Durante a missa, Tomé exultava de alegria.
– Feliz, Tomé?
– Adoro celebrar este dia! Adoro ouvir essa história. Nunca consigo esperar até o dia 3 de julho…
– Me conta aí como foi…
– Ué!? Já não te contei no Fenda da Rocha ?
– Te conheço, Tomé! Você não veio aqui hoje por acaso…
– Quem pode contigo, santinha? Nem no Fenda eu pude… Vim para te ajudar … Eu também te conheço …
Baixei os olhos. Ninguém que esteja sofrendo engana esse tal de Tomé…
– Sabe, é preciso a coragem do amor para aprender a penetrar nas chagas, conhecê-las com a própria vida. É preciso aprender a amar, a saborear o salgado do sangue, sentir a tepidez da água que a ele se une, a enxergar tudo turvo através da cortina que ele forma, a respirar seu odor, a ouvir seu pequenino borbulhar…
– Como você sabe disso? Só João estava lá …
– É… Só João presenciou tudo, do primeiro prego ao último suspiro, da primeira gota de sangue ao jorrar do sangue do costado. Eu, porém, como milhões de outros ao longo do tempo, vivi o que João viu e viveu. João uniu-se a Jesus no momento do sofrimento. Quanto a mim, eu fui parte do sofrimento! … Eu entrei com o primeiro prego, rasguei seus pulmões tetânicos no último suspiro, caí com a primeira gota de sangue, jorrei de volta ao pó com o sangue e a água, fui causa e testemunha de todo o sofrimento.
– Como assim?
– À medida que o Senhor sofria sua paixão, fui constatando quem eu era. Não consegui ficar com ele, a quem eu amava! Naquele momento, não havia como perceber toda a doutrina que vocês hoje conhecem, a de que meu pecado havia sido acolhido por Ele e causado sua morte. No entanto, eu percebia minha covardia, meu medo, minha incoerência, a inconsistência de minha fé, minha impotência, a dor de não saber, não poder, não querer fazer nada. Aquilo que eu era, minha omissão, covardia, paralisia, confusão, aquele Tomé entrou no primeiro prego, provocou, como um veneno corrosivo, a morte do Senhor e, após tê-lo feito debater-se em agonia, foi jogado novamente na terra, não mais como fraqueza e pecado, mas como fonte de vida e fecundidade.
– Então, as chagas …
– As chagas de dor sou eu nele! Experimentei isso de uma forma muito viva, quando me vi covarde e solitário, mas muito mais ainda quando me vi impotente para crer, incapaz de acreditar no que diziam sobre o Senhor ressuscitado. Ao chagar o Senhor, com meu pecado e incredulidade, eu me chaguei. Não sei se você entende, mas o pecado – sem culpa para ele e com culpa para mim – o pecado nos uniu na dor e na morte. Ele foi chagado e morto e, no terceiro dia, recobrou a vida. Eu fui chagado por mim mesmo, morri por culpa, por dor, por tristeza, por impotência, por falta de esperança e fé, e assim permaneci por dez dias. Dez dias negros, mergulhado na ferida de morte do meu pecado.
– Daí o Senhor apareceu … por causa de você, como você diz no Fenda…
– É! Por causa de mim… por causa de mim! Você entende? Nenhum dos outros tinha experimentado o salgado, a tepidez, a escuridão, o odor ácido, o pequenino borbulhar impotente do sangue de morte na própria boca, na própria pele, nos próprios olhos, nariz, ouvidos… Ninguém havia sido, assim, atormentado pela própria falta de amor, de esperança e de fé… Fui atormentado pela mais completa falta de fé! … Daí, ninguém, como eu, entendeu tanto o que era misericórdia, porque não precisava tanto dela quanto eu…
– Mas, e Pedro, com a negação…
– Pedro acovardou-se diante das pessoas, mas correu com João para o túmulo, e acreditou. Faltou-lhe a coragem que vem do amor, mas não lhe faltou a fé que sustenta o amor… Eu não só neguei como feri, chaguei a ele e a mim. Meu pecado foi o pior de todos. Por isso, o Senhor, que não me queria perder, foi mais misericordioso para comigo e apareceu só por causa de mim! … Quando o Senhor me libertou do espírito de incredulidade com sua ordem: ‘Não sejas incrédulo, mas crê!’ todo aquele sangue que, com a água, banhou a terra, adquiriu sentido: era o pecado que se tornava misericórdia! A escuridão pronta para brilhar, o odor ácido prestes a tornar-se perfume … Quando enfiei minha mão na chaga do lado, recebi a paga pela minha covardia, meu egoísmo, minha falta de fé, minha tristeza destrutiva. Recebi o mais doloroso dos salários: o amor! Recebi o mais doce dos perfumes, o mais claro brilho, a mais nítida visão, a mais refrescante água … o mais…
E, interrompendo-se, olhou-me, sério:
– O salário do pecado é a morte, mas o salário do pecado redimido é o amor. Eu fui pago com a misericórdia, fui amado exatamente por causa do meu pecado! Minhas chagas tornaram-se… Ele! Eu só tinha pecado, Ele, só amor. Que troca, meu Deus! … Você entende, Emmir, não se entende a misericórdia sem o pecado. Não se entende Jo 20 sem Jo 19. Eu vivi os dois. Eu entendo. Meu pecado não ficou retido, mas, com aquela água, jorrou, transformado, e fecundou a terra. Minha miséria não foi levada em conta, mais foi paga como o mais caro dos tesouros mais preciosos.
Sou o alvo da misericórdia! É a misericórdia que me une a Ele, que nos faz um!
– Como diz o Papa, você é o homem do século XXI, evangelizado pela misericórdia!
– Segurando minhas duas mãos, olhando-me a alma, ele perguntou:
– Me diga uma coisa, você, do século XXI,… Você crê na misericórdia?
– Mas, claro!!!
– Você crê que o Senhor apareceria, agora, ressuscitado, só por causa de você?
Maria Emmir