‘Diálogo – novo nome da caridade’. Esta é, sem dúvida, uma das afirmativas mais conhecidas do pontificado de João Paulo II, da qual, que eu saiba, ninguém discorda.
No entanto, há diálogo e diálogo, como há amor e amor. Há, por exemplo, o diálogo dos dois surdos. É aquele no qual um dos interlocutores lê o jornal do dia e o outro mantém um olho na TV e o outro no controle remoto:
– “Foi tudo bem hoje?”
– “Hum? … Hum! Tudo bem…”
– “Nossa! Outro acidente, você viu?”
– “Foi, né…”
E os dois, que, na verdade, nunca saíram do seu próprio mundo, mergulham, sem disfarces, de volta às suas profundezas egoístas.
Há o diálogo entre o surdo e o que fala demais e, se fala muito, é porque tem imensa necessidade de ser ouvido. Tanto, que o falador até finge não perceber que o outro não está interessado nele. É uma questão de falta de interesse na pessoa, não só no assunto. Se fosse outra pessoa, qualquer assunto seria interessante.
– “Hoje aconteceu uma coisa incrível!”
– …
– “Tatatá, tatatá, tatatá…”
– “Hum…”, faz que responde o surdo, sem levantar o olhar.
– “Sabe o que eu acho?”
– …
– “Tatatá, tatatá, tatatá…”
E o surdo se afasta, sem perceber que deixou sozinho aquele com quem jamais havia estado.
Existe ainda o diálogo do solitário com a própria imaginação, com os próprios pensamentos e sentimentos que nem sempre coincidem com a realidade do outro. É o caso do diálogo entre eu e alguém, no qual eu assumo o papel dos dois interlocutores… acabo desistindo de dialogar.
-“Puxa, eu queria tanto ir, eu chegaria lá e diria… Mas eu tenho certeza de que ela nem vai ligar… nem vai abrir a porta, a não ser que eu mande aquela amiga dela chamar e entre junto…Aí ela vai dizer: “Ah, você veio também…” Aí vai dar aquela olhada de “preferia-que-você não tivesse-vindo-ela” Aí eu vou ficar arrasada… Ai meu Deus, não adianta… Já estou começando a chorar agora! É melhor não ir… afinal, não faz diferença mesmo… ela nem vai notar que eu não fui.
Existe, ainda, o diálogo que parece mais não é. É aquele em que a pessoa não só se cala para ouvir, mas, aparentemente, escuta. Tem o ar acolhedor, balança assertivamente a cabeça, até reage com expressões faciais ao que o outro diz, chega mesmo a dizer uma palavrinha aqui, a soltar uma interjeição ali, mas, em seu coração, já tem pronto o que vai dizer, já tem a idéia feita, pré-concebida, pensada antes do diálogo começar, sem levar em conta o que seria dito pelo outro. Em geral, depois de muito “escutar” a resposta será:
– “Entendo o que você disse, e até acolho e concordo com muitas coisas, mas…” e descarrega o que já trazia na algibeira.
Parece caridade, mas não é. Parece escuta, mas não é. Parece acolhida, mas não é. Parece diálogo, mas não é.
O diálogo-novo-nome-da-caridade é fácil de identificar. Com o coração – não é verdade que a gente “sente” quando é autêntico? – mas também com a razão. O diálogo-caridade acolhe ‘de verdade’, com sinceridade profunda, a pessoa inteira e tudo o que ela quer dizer. Respeita a opinião do interlocutor e, paciente, não busca os próprios interesses, mas os do outro. Além disso, não se irrita, nem se impõe, orgulhoso, mas, humilde, busca a justiça da vontade de Deus e se alegra com a verdade a que ambos, juntos, chegam. Com o rosto alegre e sem fingimento, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. Este diálogo, este sim, é o novo nome da caridade.
– “Ave!”, disse o anjo.
” Maria perturbou-se… ” e, porque o diálogo-caridade está atento ao menor movimento da alma, o anjo pôde responder:
– “Não temas!”
E, como quem se sente acolhido não tem medo de expressar-se com liberdade:
– “Como se fará?”
Pela ladeira da acolhida, desce, depressa, o amor:
– “A Deus nada é impossível!”
Fruto e razão de todo diálogo-caridade, o Verbo, diálogo do Pai com o homem, acolhe-nos inteiramente, ainda em nosso pecado, e responde ao nosso clamor milenar. Faz-se o “sim” absoluto do Pai.
Você entendeu? Acolheu? Jóia! Agora é a sua vez. Responda. Ressuscite.
Maria Emmir
Goccie vem do italiano e significa gotas
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