Quem nunca imaginou presentear o Papa Francisco? Agora, imagine conseguir mandar algo para o Santo Padre, ser respondido e ainda abençoado? Foi o que aconteceu com o Grupo de Teatro Avia que, após uma encenação moderna e inovadora baseada na Paixão de Cristo, fez cartões postais e um Sagrado Coração artesanal e enviou para o Vaticano. Semanas depois o Papa agradeceu por meio de um comunicado oficial e ainda abençoou todo o grupo pelo belo desempenho.
Em entrevista um dos diretores do grupo, também ator e cenógrafo, Adney Pinheiro, contou mais detalhes sobre o projeto, execução, arte sacra, evangelização e inovações no tempo de pandemia.
Espetáculo “Às margens”
O Projeto “Às Margens” foi uma produção de teatro sobre a Paixão de Cristo. O projeto teve início em 2018, quando o Grupo Avia de Teatro notou a necessidade de trabalhar com algo que fosse voltado para o social. E, já que o teatro também tem essa coisa de levar a vida para rua e trazer a rua para a vida, foi pensado um espetáculo que falasse sobre a vivência da população de rua.
Assim começou o Projeto “Às Margens”, nome que surgiu justamente por a equipe teatral ter notado que as pessoas estavam às margens da sociedade, do teatro, da Igreja, enfim, sempre nas laterais… Os artistas, para compreender mais sobre o público, fizeram laboratório (um tempo de estudo na prática) e foram ainda em algumas casas de recuperação e abrigos ver como era a vida dessas pessoas.
Trazer a Via Sacra, Paixão de Cristo de Nosso Senhor Jesus Cristo, para o contexto citado, conduziu à elaboração de uma proposta moderna. Segundo o diretor, eles levaram o espetáculo sem perder o valor da sacralidade da Paixão de Cristo: “a gente sabe que o centro da semana santa é Cristo, então a gente sabia que, se levássemos esse rosto de Jesus para as ruas, conseguiríamos mostra-Lo às pessoas na linguagem delas. Ademais, Jesus se fazia e se faz sempre um homem próximo. Ele, na verdade, está sempre próximo daqueles que mais necessitam”.
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Em quase dois anos de apresentações, a obra já foi vista por mais de 5 mil pessoas, apresentada em praças de Fortaleza, e outras cidades próximas.
Um elenco representativo
O grupo preparou uma arquibancada para melhor acomodar os espectadores, porém, muitos não se sentiam “dignos” e com medo de ocupar um espaço. Notaram, então, que, ao oferecer a arte para esta população que padece às margens da sociedade, era dignificada a integridade humana de cada uma dessas pessoas. Além, calro, de transbordar de um experiência com o amor, Amor que se deu em uma cruz.
Enquanto esses marginalizados se identificavam com quem estava em cena, os atores viam que tinham muito o que aprender com essas pessoas que, por vezes, são julgadas pelo simples fato de estarem nas ruas, de serem pedintes, sem alguma oportunidade. Entretanto, elas puderam naquele elenco se ver representadas, e sentiram-se acolhidas. Sentiam o amor, o mesmo amor de que muitos dos atores já experimentavam e atingia o coração dos que mereciam, sim, estar na arquibancada.
Curiosidade sobre a crucificação
“Como iremos crucificar Jesus? Como é que nós vamos crucificar o personagem que é Jesus se nós não vamos colocar uma cruz?” Pensando nisso, associaram a crucificação de Jesus ao madeiro, material de trabalho Dele na época. Ao colocar no contexto da obra, concluíram: “um catador de materiais reciclados utiliza um carrinho de geladeira, instrumento para carregar os materiais encontrados que seriam reciclado posteriormente. O personagem “morreria” ali”.
Foi assim que Adney desenvolveu uma peça de metal, adaptou ao carrinho, utilizando esta peça como a cruz de Cristo. Ele conta que aquele homem, o personagem, foi morto no mesmo material de trabalho dele. “Trouxemos esta questão de Jesus que é o Homem, simples e Deus, e o homem que é pobre, simples, mas se une a dor de Cristo. E complementa na carne dele, a dor que faltou na paixão”, ele reflete.
Uma grande experiência com o espetáculo foi reconhecer que não estavam em cena de qualquer forma, mas estavam vivendo com eles, as pessoas em situação de rua, toda essa expressão de arte que foi também forma de evangelização.
Vamos presentear o Papa?
O ator e diretor, que também é missionário na Comunidade Católica Shalom, conta que o Grupo teve uma inspiração: “Porque não mandar um presente para o Papa Francisco, que é considerado, o Papa dos pobres e dos simples?” Assim foi feito. Fizeram cartões-postais de cada estação da Paixão de Cristo que foram fotografadas, além de um Sagrado Coração de Jesus, pois no espetáculo, toda vez que alguém vai se transformar na dor e na cena de Cristo, o próprio Cristo sede o Seu coração e, assim, os atores vivem a mesma dor.
Então aquele Sagrado Coração de Jesus, todo tecido à mão, representou a unidade de cada pessoa, cada vida ali entrelaçada, em forma de coração. Também, juntos, fizeram uma carta, perguntando se poderiam apresentar a obra no Vaticano.
A carta foi enviada na semana santa deste ano, e em julho foram respondidos. “Recebemos uma carta que dizia que o Papa tinha conhecimento da gente. E que, infelizmente, por conta dessa pandemia, não era possível a gente se apresentar na praça São Pedro, mas o Papa nos abençoava e dizia que precisávamos perseverar nesta ação”, relembra o ator com grande alegria.
Este gesto foi algo gratificante, “não era somente o Papa, o líder religioso, mas era também um chefe de estado, alguém que é preocupado com os pobres, com os mais miseráveis. Nosso trabalho foi reconhecido, não por nossas próprias forças, mas pela experiência de cada um daqueles que viveu aquele espetáculo conosco. Teve uma das atrizes que mesmo não sendo cristã acolheu a benção do Papa que chagou até ela.”
Arte sacra como forma de evangelização
Com o retorno do Papa, o grupo pôde entender que a missão deles é levar a arte aos que não a conhecem, mas também levar Deus. A arte sacra, segundo o missionário, tem uma potência, pois tem a própria vida e uma experiência com o Espírito. “Não é uma arte qualquer que eu faço, que ensaiei, decorei um texto e apresentei, não. A arte sacra, eu vivo o texto, eu experimento o texto. Eu experimento, vivo e levo o outro a viverem a mesma experiência”, conta ele.
Durante as apresentações do espetáculo “Às margens”, graças a recursos e algumas parcerias, foi possível, além de levar arte para os moradores de rua, levar também alimentos. A representação bíblica tornou-se real, pois, quando Jesus ceiava com o povo, Ele não só dizia o que o coração precisava ouvir, Ele também dava o alimento, alimentava a alma, com a Palavra e o corpo, pois era também necessário.
A nova forma de encenar durante a pandemia
Com a pandemia impedindo as apresentações presenciais, o Grupo Avia começou a produzir o áudio do espetáculo. Relata Pinheiro: “produzimos na pandemia o áudio-drama do espetáculo, que é o espetáculo na forma de áudio com a trilha sonora e com os comentários. Assim, o espetáculo não perdeu a essência, porque levamos a arte para essas pessoas que ouviam.”
Recorda o ator que, neste formato, o espetáculo chegou a lugares que nunca imaginaram, sendo também transmitido na Rádio Shalom, muitas pessoas os procuravam para ter acesso ao material. A arte por meio da audição foi um sucesso, segundo Adney, que recebeu um ótimo feedback das pessoas que se impactaram e emocionaram com a obra. “Ao gravar o áudio, a gente pode experimentar, nos nossos corpos, que não estavam no palco nem nas ruas, podia estar na vida dos ouvintes. A nossa voz chegou aos ouvidos, e tomou um corpo. Para nós esta voz ecoa de forma tão natural, mas para elas ecoou dentro do coração, ecoou na alma”, enfatizou sensibilizado o ator.
A vida se reinventa sempre, e com a arte não poderia ser diferente. “Precisamos estar em movimento, afinal água parada da dengue, né? Precisamos movimentar, porque esta água precisa criar uma onda que atinge pessoas que não conhecem esse mar”, afirma Pinheiro.
Um recado aos artistas
“A primeira coisa que precisamos entender é que não é um vírus, nem uma pandemia, não é uma casa fechada, não é um lugar que não posso ir, não é uma máscara que eu tenho que usar, que irá impedir uma ação de Deus na minha vida. A ação de Deus ultrapassa tudo isso. Inclusive, eu posso utilizar de tudo isso para permitir Deus agir também na vida dos outros. E nós, artistas, temos uma sensibilidade que acredito ser do próprio Deus. Essa sensibilidade de sentir, ouvir e conseguir comunicar aquilo que muita gente não consegue, que é o sensível de nossa alma.
O artista deixa-se levar, deixa que a própria ação da inspiração de Deus, que vem ao seu coração, deixa a arte surgir aí, pois já esta em seu coração. Só está esperando o momento que você irá balançar a água para criar esta onda para que ela consiga molhar em outros terrenos que estão secos. Deixe-se levar pela inspiração, é a melhor coisa que existe.
O sonho por si só é um sonho. Mas um sonho com um desejo é uma ação concretizada, viva. Então sonhe, mas sonhe fazendo. Sonhe indo, chegando ao objetivo, porque se não o sonho fica nas nuvens.”
Artistas, sejam sempre dirigidos por Deus
Ao contar um pouco da história do Grupo Avia de Teatro, desejamos a todos os artistas de teatro, uma esperança renovada, ousadia e muita criatividade. A vida é uma série de improvisos e não existem pessoas melhores para lidar com contratempos do que os artistas do teatro. Eles são destemidos e corajosos, subindo nos palcos sem fazer ideia do que pode acontecer. Improvisam no teatro assim como precisamos fazemos no dia-a-dia.
Artistas, inspirem-se sempre à luz do Espírito Santo. Que a arte não seja vista como comercial, apenas, mas que gere emoção e vida a muitos que se sentem mortos. Que os aplausos e as luzes que faltem a vocês hoje, estimulando e agradecendo pelos espetáculos, possam ser recordados pelos olhos que brilham, os sorrisos escondidos pelas máscaras.
Afinal, você, artista, é um espetáculo de pessoa dentro e fora dos palcos, desperta e emociona, sensibiliza e alegra o cotidiano da forma como hoje pode se expressar.
Acompanhe o Grupo Avia de Teatro pelo Instragram @grupoaviadeteatro
Confira a galeria
(apresentações realizadas antes da pandemia)