Na mitologia grega, conta-se que o sangue dos deuses era dourado, por causa de uma substância chamada Ichor, que também fazia com que o sangue divino se tornasse venenoso aos mortais, quando derramado. O sangue também pode simbolizar o comprometimento das partes em um pacto, a fertilidade, o desejo, a tragédia, o nascimento ou a morte.
Para a cultura judaica, o sangue significa a vida, portanto, é algo sagrado: “Pois a vida da carne está no sangue, e dei-vos esse sangue para o altar, a fim de que ele sirva de expiação por vossas almas, porque é pela alma que o sangue expia” (Lv 17,11a).
Por isso, a impureza, para os judeus, não está ligada exclusivamente ao mal moral, mas torna-se impuro aquele que toca o que é sagrado, sem estar apto para isto, ou seja, quem inflige, por vontade própria ou não, uma prescrição divina. Como exemplo: a mulher que, sem culpa, sofria de um fluxo de sangue há doze anos, que não poderia tocar os outros, por estar impura (perdendo sangue [vida], com a hemorragia), em Mt 9,20.
Em Jesus, o sangue não foi somente um símbolo ou um tipo de expiação que necessitava ser constantemente renovada, mas elemento definitivo e pungente da Nova Aliança, que nos trouxe a absolvição de toda culpa: “Tomou depois o cálice, rendeu graças e deu-lho, dizendo: ‘Bebei dele todos, porque isto é meu sangue, o sangue da Nova Aliança, derramado por muitos homens em remissão dos pecados’” (Mt 26, 27s).
Uma das marcas mais visíveis dos heróis
O sangue também é um dos elementos característicos em grandes batalhas. É uma das marcas mais visíveis dos heróis em combate. Remete ao sacrifício do soldado, à doação de sua vida, à sua oferta radical e total por algo ou alguém. Desse ardoroso desejo, brota o dito popular de que o sujeito “deu o sangue”, indicando o esforço até as últimas consequências em prol de alguma causa.
No retiro de escuta do Conselho Geral da Comunidade Católica Shalom, em 2019, em uma visualização, Deus revelou de onde vem o desejo de radicalidade que forma os Heróis da Fé:
“O Senhor dava uma imagem: ‘Uma cachoeira de sangue, sangue de nossas feridas de pecado. Em cima dela, o Gólgota, e, à medida que o sangue de Cristo caía e se derramava, se escrevia uma palavra nele: radicalidade’. Basta uma gota deste sangue para dispor o nosso coração para essa conversão à santidade”.
Dito isto, a história de hoje precisa ser sobre o primeiro herói da fé da nossa Comunidade a derramar até a última gota de sangue pelo anúncio de Cristo ao mundo. Já sabe, né? Vamos falar sobre o nosso irmão Ronaldo Pereira da Silveira.
Há um jovem aqui que nunca mais será o mesmo!
Ronaldo nasceu em Fortaleza, em 30 de agosto de 1970, filho de João Silveira e Socorro Pereira e foi batizado quase quatro meses depois, em 18 de dezembro. Tinha três irmãos mais velhos: Suzy, Suely e Ricard. Desde criança, gostava de cultivar plantas, cuidar de animais e sempre foi tímido, aplicado nos estudos e organizado.
Tornou-se um adolescente introspectivo, que adorava colecionar selos, ouvir música e acompanhar a rádio internacional de notícias Deutsche Welle. Até então, embora dona Socorro tentasse inserir a fé na vida dos filhos, nenhum deles havia seguido por este caminho.
Por volta dos dezesseis anos, Ronaldo, que tinha um desejo imenso de transformar o mundo ao seu redor, começou a se interessar por certas ideologias marxistas que, à primeira vista, ofereciam elementos que poderiam ajudá-lo a fazer uma grande revolução social. Todavia, pouco tempo depois, em meados de 1987, iniciou uma amizade com uma colega de colégio que passou a falar sobre a sua experiência com um grupo de oração para jovens da Comunidade Shalom. Ronaldo, sempre curioso e inclinado aos grandes ideais, aceitou o convite da amiga para conhecer a Obra Shalom.
Dias depois, ele convidou sua mãe e sua irmã Suely para participar de uma noite de louvor promovida pela Comunidade, em prol da compra da Rádio Guarany. No evento, Ronaldo recebeu de Moysés Azevedo a profecia que mudaria completamente sua vida: “Há um jovem aqui que nunca mais será o mesmo!”
Passados mais alguns dias, Ronaldo ingressou no grupo de oração El Shadai, junto com sua irmã Suely. Alguns meses depois, assumiu o pastoreio do mesmo grupo e já estava completamente engajado na Obra. Seus irmãos e sua mãe também passaram a frequentar os grupos de oração da Comunidade por sua influência. Desde então, ele abandonou as ideologias e passou a ter Cristo como centro de sua vida.
Em 1990, começou a participar do grupo vocacional e, em 18 de fevereiro de 1991, mesmo a contragosto do seu pai, trancou a faculdade de Administração, terminou o namoro, deixou o promissor trabalho na fábrica da família e iniciou o seu primeiro ano como Comunidade de Vida, na missão de Pacajus, onde assumiu a coordenação do Projeto Juventude para Jesus (PJJ), até ser transferido para Fortaleza em 1992, para também coordenar o PJJ, que teve um grande crescimento a partir do seu empenho e ardor missionário.
Primeiro consagrado a ingressar na eternidade
Na Revista Escuta, falando sobre o comportamento dos heróis da fé, Moysés explica: “A radicalidade é o desejo profundo de ser santo”. Era exatamente esta radicalidade que atraía tantos jovens ao redor do Ronaldo, inspirando-os também ao desejo de santidade.
De fato, uma das marcas mais aparentes de sua caminhada era a radicalidade. Havia uma urgência de conversão em Ronaldo, que impulsionava sua vida a uma constante doação e a nunca medir esforços para cumprir a vontade de Deus, desde as pequenas coisas, como: comer o que não gostava, servir os irmãos ou na organização dos grandes eventos da Comunidade, como o Acamp’s, o Renascer e o I Fórum Carismático Shalom.
Em fevereiro de 1995, Ronaldo era o responsável pelas atividades apostólicas da Comunidade, por isso, precisou ir a Natal/RN, com Moysés e Goretti Menezes, a fim de ajudar a resolver uma complicada questão da rádio que a Comunidade administrava naquela cidade.
Na volta da viagem, na madrugada do dia 17 de fevereiro, o carro em que os missionários viajavam sofreu um acidente e Ronaldo acabou falecendo, devido a uma forte pancada que recebeu na cabeça. Ele tinha apenas 24 anos, sendo o primeiro consagrado da Comunidade Shalom a ingressar na eternidade.
Após sua páscoa, sua memória começou a ser preservada através dos jovens da Obra Shalom. Em todos os Projetos Juventude das missões que existiam na época, bem como, nas que surgiram após 17 de fevereiro de 1995, surgiram fotos, banners, santinhos, camisas, bottons, gravações e outros materiais que estampavam o rosto do Ronaldo, que passou a ser modelo maior ainda de oferta de vida e desejo radical de santidade.
Certa vez, Ronaldo afirmou que queria dar até a última gota do seu sangue pela evangelização dos jovens. Por causa da hemorragia causada pelo acidente, ele realmente perdeu todo o sangue, o que nos habilita a dizer que: sim, Ronaldo Pereira da Silveira literalmente deu a sua vida pelo anúncio do Reino, tornando-se, de fato, um herói da fé, tanto porque morreu em missão, como pela cotidiana radicalidade de suas escolhas pela santidade e perseverança até o fim, fazendo jus às palavras de São Paulo, seu grande amigo no céu, quando diz: “Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé” (II Tm 4, 7).
Confira também