Como dito nas semanas anteriores, somente um herói da fé é capaz de caminhar como se enxergasse o invisível. E, se enxerga o que não vê, é porque tem aquele tipo de visão tão ou mais potente que à das grandes águias. Por exemplo, enxergar alguma coisa boa por trás de um grande sofrimento ou dor, como em uma grave enfermidade, é também algo que só pode ser praticado pelos heróis que possuem esse superpoder.
Por outro lado, quando pensamos no mundo dos HQ’s, por vezes, observamos que há episódios em que alguns heróis, mesmo os que possuem visão de raio-x, ao se depararem com um mal que supera suas forças, se frustram e entram em uma grande crise existencial. A sensação de impotência os incomoda a tal ponto, que até pensam, por determinado tempo, em desistir de sua jornada.
Aí é que entra outra característica que um herói da fé deve possuir: diante daquilo que não pode ser mudado, saber humildemente abandonar-se aos desígnios divinos, que são infinitamente melhores e mais superiores que os seus. É como aquela experiência do frágil passarinho que, em meio à tempestade, reconhecendo-se sem forças para enfrentar tantos raios, ventos e trovões, permanece recolhido em seu ninho, apenas esperando a chuva passar.
Nossa heroína da fé
E se falamos em águias e passarinhos, de quem nos lembramos quase imediatamente? De santa Teresinha, claro, nossa heroína da fé desta semana. Teresa de Lisieux é, talvez, uma das santas mais queridas da história da Igreja. Grandes teólogos, como o frei Maria Eugênio do Menino Jesus, dedicaram boa parte de seus apostolados no aprofundamento da vida e dos escritos dessa pequena gigante da fé, que verdadeiramente tinha olhos de águia e pequenez de passarinho.
Entretanto, mesmo sendo uma santa tão conhecida, nunca é demais recordar que Teresa de Lisieux viveu, desde a infância, inúmeras situações de dor, sofrimento e até experiências de morte, quando, por exemplo, perdeu sua mãe, aos quatro anos. A enfermidade, por sua vez, passou a rondar a vida de Teresa a partir dos dez anos, quando adoeceu gravemente, padecendo por dois meses, até ser curada miraculosamente pelo sorriso de Nossa Senhora.
Aos quinze anos, ingressou no Carmelo, onde passou os nove últimos anos de sua vida. Lá, aprendeu, por meio das pequenas mortificações, das humilhações, e até das injustiças sofridas, a agradar a Deus muito mais do que a si mesma. Assim, se deu a descoberta de sua pequena via. Meses após o ingresso no Carmelo, Teresinha toma conhecimento dos primeiros indícios de que seu pai, Luís Martin, iniciava um processo de demência, que, pouco depois, o levaria à internação em uma casa de saúde. Cinco anos depois, ele viria a falecer, já bem debilitado pelo avanço de sua enfermidade psíquica.
Sua vocação de carmelita
Entrementes, Teresinha continuava a viver sua vocação de carmelita, professando os votos, cuidando de suas irmãs enfermas, como na grande epidemia de gripe que assolou sua congregação no inverno de 1891, bem como, escrevendo suas memórias, a mando de sua irmã Inês de Jesus, eleita priora daquele Carmelo.
Três anos depois, a própria Teresa inicia um longo período de sofrimentos físicos e espirituais. Adquiriu tuberculose em março de 1896, tendo sua primeira crise na quinta-feira santa daquele ano. A partir da Páscoa, passou por uma longa noite escura da fé, e veio a falecer em pouco mais de um ano, no dia 30 de setembro de 1897, aos vinte e quatro anos.
No ano seguinte, seus manuscritos são publicados e as primeiras peregrinações ao seu túmulo começam, bem como, a manifestação dos primeiros milagres. Teresinha foi canonizada poucos anos após sua morte, em 17 de maio de 1925. Dentre os pensamentos mais conhecidos de santa Teresinha, há esse que expressa bem o seu olhar altaneiro e sua humildade.
É desse modo que queremos terminar o texto de hoje, com esse trecho dos escritos de Teresa de Lisieux, que foi uma grande heroína da fé, justamente porque, por meio de um aguçado olhar espiritual que a permitia enxergar o invisível, sabia reconhecer sua pequenez, perante a grandeza de seu Deus:
“O passarinho quereria voar para o Sol brilhante que lhe fascina o olhar; quereria imitar as Águias, suas irmãs, que vê elevarem-se até ao fogo divino da Santíssima Trindade. Pobre dele! Tudo quanto pode fazer é agitar as suas pequenas asas; mas levantar voo, isso não está no seu pequeno poder! Que será dele? Morrerá de desgosto, ao ver-se impotente?
Oh, não! O passarinho nem sequer se vai afligir. Com um audacioso abandono, quer ficar a fixar o seu divino Sol. Nada seria capaz de o assustar, nem o vento nem a chuva; e se nuvens sombrias chegam a esconder o Astro do Amor, o passarinho não muda de lugar, pois sabe que para além das nuvens o seu Sol brilha sempre, e que o seu brilho não se poderia eclipsar nem por um instante sequer.
É verdade que, às vezes, o coração do passarinho se vê acometido pela tempestade; parece-lhe não acreditar que existe outra coisa, a não ser as nuvens que o envolvem. É então o momento da alegria perfeita para a pobre e débil criaturinha. Que felicidade para ela, permanecer ali, apesar de tudo, e fixar a luz invisível que se esconde à sua fé!
Por tanto tempo quanto quiseres, ó meu Bem-amado, o teu passarinho ficará sem forças e sem asas; permanecerá sempre com os olhos fixos em Ti. Quer ser fascinado pelo teu divino olhar, quer torna-se a presa do teu Amor. Um dia, assim o espero, Águia adorada, virás buscar o teu passarinho e, subindo com ele para o Fogo do Amor, mergulhá-lo-ás eternamente no ardente Abismo desse Amor, ao qual se ofereceu como vítima”.
(História de uma Alma, Manuscrito B)
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