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História da adoção dos nossos dois filhos

“Eric, você vai perceber que os laços do espírito são mais fortes que o da carne”.

comshalom

Vamos contar aqui um pouco da história da adoção dos nossos dois filhos. Eu e minha esposa, casados há quase 10 anos, sempre compartilhamos deste desejo de adoção para nossa família, mas imaginávamos que isto viria após a experiência da concepção natural. Após alguns anos sem uma gestação, descobrimos que não seria tão fácil e buscamos apoio médico e iniciamos alguns tratamentos. Não sabemos ao certo o que dificulta nossa fertilidade pois ainda existe muita coisa neste campo que a medicina desconhece, mas permanecemos esperançosos.

Com o tempo, o assunto da adoção era mais recorrente em nossas conversas e começamos a discernir quando isto deveria acontecer. Ao que nos pareceu, Deus quis inverter a ordem dos nossos projetos e iniciar nossa vida como pais por este caminho. Muitas situações e pessoas foram decisivas, aqui citaremos só algumas. Em uma formação para famílias promovida pelo Movimento dos Focolares, da qual minha esposa faz parte, uma vez ouvimos uma palestra da sua Fundadora, Chiara Lubich, dizendo que “as famílias cristãs deveriam esvaziar os orfanatos”. Em outra oportunidade, dentro da mesma formação, que “estas crianças têm mais direito a uma família, do que os casais de terem filhos”. Estas palavras ressoaram por muito tempo dentro de nós, e ressoaram forte.

Uma flecha de dor e de luz

Uma situação de dor também teve um grande impacto para o nosso discernimento e decisão. Conversando com uma amiga em Roma, quando lá morávamos, e partilhando sobre os vários tipos de tratamentos de fertilidade, em um determinado momento ela nos olhou bem nos olhos e disse “estabeleçam um prazo, pois estes tratamentos são sem fim… tentei todos eles e hoje, depois de tantos anos, sinto que não tenho mais forças e idade nem mesmo para adotar”. Aquilo foi como uma flecha de dor e de luz, nos unimos ao sofrimento dela, compreendemos que a Medicina tinha seu limite, e Deus tinha um projeto a realizar em nossa família.

Encontrar no caminho casais que também iniciavam o processo de adoção foi de grande valia, dentre eles um casal de amigos muito especiais, hoje pais de uma menininha linda, que nos orientaram sobre o que devíamos fazer para nos habilitarmos para a adoção no cadastro nacional. Também um caríssimo irmão, que como formador pessoal me aconselha já há alguns anos, e que foi rico em sábias palavras neste tempo: “Eric, você vai perceber que os laços do espírito são mais fortes que o da carne”, “somos todos filhos adotivos de Deus”, “você assim vai compreender melhor o papel de São José na vida de Jesus”, “discirna em oração para dar este passo e prossiga sem medo”. A todos estes amigos e irmãos, nosso muito obrigado!

Possibilidade de adotar irmãos

Demos entrada em nosso cadastro, participamos do curso no fórum de nossa cidade, recebemos a visita domiciliar da equipe multiprofissional e fomos entrevistados pelos psicólogos do setor de adoção. A partir de então, aguardamos o veredito da nossa habilitação, para assim entrarmos na espera por uma criança dentro do perfil no cadastro. Tentamos ser generosos quanto a este perfil para uma primeira adoção, e isto nos ajudou a não esperarmos tanto quanto outros casais, aliado ao fato de sempre termos acompanhado o processo muito de perto e cobrando a devida agilidade da justiça, que deve por lei dar prioridade aos casos de adoção.

Em especial, discernimos ficar abertos a possibilidade de adotar irmãos e, consequentemente, não nos limitarmos a recém-nascidos. Esta iniciativa partiu do desejo da minha esposa de contribuir para que a justiça não separasse irmãos na adoção, e mais tarde fomos percebendo nisto uma grande sabedoria de Deus, pois cada um deles traria ao seu lado um pedaço da sua história, e o processo de adaptação compartilhado com um irmão é muito mais fácil que sozinho – acreditamos -, além de ser “melhor educar dois filhos que um só”, como muitos pais sábios dizem.

Misto de surpresa, dúvida e alegria

Tudo isto foi o preâmbulo do que veio a seguir. No início do ano, fomos servir no Renascer, retiro de carnaval promovido pela Comunidade Shalom, na cidade de Sobral-CE. Lá a Comunidade administra um abrigo para crianças de 0 a 6 anos, o Abrigo São Francisco. Através de amigos conhecemos uma voluntária do Abrigo, hoje nossa amiga, também ela mãe adotiva, que nos falou de dois irmãos, já destituídos da família original, de 2 anos e 5 anos, e perguntou se não gostaríamos de conhecê-los. Num misto de surpresa, dúvida e alegria dissemos que sim. Ainda não estávamos habilitados para a adoção nesta ocasião – faltava pouco – , e tínhamos acabado de decidir por iniciar um novo tratamento, mas ao mesmo tempo sabíamos que a adoção mais cedo ou mais tarde iria acontecer em nossas vidas.

Chegamos no Abrigo, era segunda-feira de Carnaval, 20 crianças brincavam na sala de recreação, nossos olhos passeavam por todas elas tentando descobrir os dois irmãos. Nos sentamos nos sofás, cada um de nós em um, para tentar dar atenção àquelas crianças que pulavam para brincar e receber carinho.

Um menino se aproxima de mim com uma folha de papel e pede para eu fazer um aviãozinho, primeiro noto seu lindo sorriso e então pergunto o seu nome, ele responde, era ele. Meu coração dá um pulo, então pergunto pelo seu irmãozinho, ele aponta, estava de costas, tento ver seu rosto ao mesmo tempo que começo a fazer o avião de papel, quero observar cada detalhe, e também acompanhar cada gesto da minha esposa naquela sala. Faço uns sete aviões, todos os que ele quis, troco algumas palavras, mas ele prefere brincar que conversar. Me levanto de supetão e pego o menor nos braços, também ele sorri e aproveita que está nos meus braços para tentar pegar todos os brinquedos das prateleiras, saio da sala para brincar com ele.

E neste misto de emoções, onde cada gesto parecia durar uma eternidade – de tão marcado que ficou em nossas lembranças -, transcorreu este primeiro encontro. De tudo, uma certeza, mesmo não sabendo ainda da história deles até ali, eram crianças felizes, assim como nós.

Uma só vontade

Depois disto a espera pela habilitação, em seguida a dolorosa descoberta que tinham dezessete casais à nossa frente na fila para a adoção deles. Entre uma experiência de quase-luto e num ato de amor por estas crianças, decidimos cobrar a justiça para que eles recebessem o quanto antes uma família, mesmo que não fosse a nossa. Isto tudo tinha um grande sentido: intensificarmos nossa vida de oração, apurarmos nosso discernimento, nos unirmos ainda mais como casal, ao ponto de termos uma só vontade. Nos acompanharam nesta peregrinação os anjos, rezamos diversas vezes o terço dos anjos, dezessete para sermos mais precisos – a mesma quantidade de casais da fila de adoção para eles dois. Obrigado Emmir por nos apresentar esta poderosa oração!

Nossa esperança não foi decepcionada! Dois meses depois daquele encontro (e muitas orações e ligações para a vara da infância) recebemos a feliz notícia de que seríamos ‘vinculados’ a eles dois – é este o termo usado para a fase de visitas e passeios em vista da vinculação afetiva com as crianças, em outras palavras, a escolha mútua que nós e eles precisamos fazer. Você pode estar se perguntando como fomos vinculados a eles, se haviam 17 famílias na nossa frente. Em primeiro lugar, não podemos dizer que os 17 pretendentes eram famílias, e em segundo, todos eles foram contactados sim e, por um motivo ou outro, não estavam disponíveis naquele momento. Isto revela o mito da fila de adoção, pois ao mesmo tempo que tem muitos pretendentes, faltam ainda muitos pais.

Abraçá-los e beijá-los muito

No primeiro passeio uma certeza: Deus os havia escolhido “a dedo” para nós, mais do que isso, Deus os havia criado para o amor. Quando pedimos ao coordenador do Abrigo um conselho sobre o que deveríamos fazer nestes primeiros encontros, ele nos disse para “abraçá-los e beijá-los muito”. Temos seguido a risca este conselho até hoje.

Um mês depois veio a guarda provisória, com mais seis meses a guarda definitiva, e pronto, a justiça confirmou o que o amor já tinha feito, eles são nossos filhos e nós somos seus pais. Neste período tivemos que aprender de modo intensivo todas as responsabilidades da paternidade e da maternidade, e nada é fácil, mas podemos dizer que a adaptação deles foi a melhor possível. Sabemos de outros pais que precisam enfrentar situações muito mais desafiantes para que seus filhos façam este processo interior de acolhida de uma nova família, sobretudo até sentirem a confiança de que serão protegidos e amados como seus pequenos corações precisam.

O que podemos ainda dizer sobre os nossos filhos? São crianças felizes, cheias de energia, extremamente carinhosas, já superaram a defasagem escolar e começam a ajudar seus colegas, e desde que chegaram em casa já reconheceram como seus, os avós, tios e primos que Deus também quis lhes dar. E sobre esta chegada uma última imagem, a deles sentados no sofá, no primeiro dia, com as mãos na cabeça e pernas para cima, como se sempre estivessem conosco, mas agora para sempre estarão! Uma lição: devemos ser os primeiros a amar, pois “no amor o que vale é amar”.

Eric Buarque

Abrigo São Francisco
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Informações: (88) 3611.5403 / 88 99968-3184
Rua Radialista Francisco Aristeu Barbosa 577, Sobral-CE
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