Formação

Homem de onde vens?

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Eu sou o alfa e o ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que vem, o Dominador” (Ap 1,8). “Quando eu for levantado da terra atrairei todos os homens a mim” (Jo 12,32).

De onde vim? Por que vivo? Para onde vou? Estas perguntas que o homem faz desde o começo dos tempos, ressoam, ainda, nos corações dos homens desta geração em que muitos perderam o sentido da vida.

São Paulo nos diz através de sua carta aos Efésios: “O Pai do céu me predestinou para ser adotado como filho seu por Jesus Cristo” (Ef 1,5). Como é importante que cada homem assuma essa identidade e possa dizer: “Meu Deus e Pai, sou filho adotivo em Jesus Cristo. Meu Pai providencia-me o necessário. Vim do seu coração, foi Ele que me deu a alma. Saí de suas mãos pela natureza; saí do coração de Cristo pela graça batismal, pois sou herdeiro, gerado espiritualmente por um Deus que me amou até a morte de cruz e me deu a graça da vida no seu último sopro na cruz e, quando o seu coração foi traspassado, a água e o sangue que jorraram do seu coração me regeneraram”.

Vamos ouvir ainda São Paulo, deixando que ele responda às nossas perguntas.
– Para que Ele nos escolheu?
– Para servirmos à celebração de sua glória, para sermos santos e irrepreensíveis diante de seus olhos (cf. Ef 1,4.12).
– E essa escolha depende do nosso comportamento, de sermos bonzinhos perante Deus e a sociedade?
– Não, quando Ele nos escolheu, não tínhamos nenhum merecimento, para que não nos gloriássemos (cf. Gl 2,16). Para falar a verdade, Ele nos escolheu antes de existirmos, antes mesmo da criação do mundo.
– E para onde vamos?
– Jesus diz: “Saí do Pai e vim ao mundo. Agora, deixo o mundo e volto ao Pai” (cf. Jo 16,28). “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos os homens a mim” (cf. Jo 12,32). Jesus abriu o céu, o caminho de reconciliação plena com o Pai, conosco mesmos e com os nossos irmãos. Nós vamos para o céu, o céu começa aqui e não termina nunca. Peçamos ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, que nos dê um espírito de sabedoria, que nos revele o conhecimento dele; que nos ilumine o coração para que compreendamos a que esperança somos chamados, quão rica e gloriosa é a herança que Ele reserva aos santos e qual a suprema grandeza de seu poder para conosco, que abraçamos a fé (cf. Ef 1,17ss).

Deus agiu na história

Vejamos agora como Deus agiu na história, escolhendo homens comuns, de horizontes limitados e muitas vezes mesquinhos, dando-lhes um novo sentido à vida e a cada ato.

De onde vinha Abrão? De Ur da Caldéia. Era um arameu errante, possuidor de muitos bens e escravos, de horizontes limitados ao seu clã. Tendia, talvez, ao comodismo, a desfrutar os seus bens. Deus, no entanto, interfere em sua vida, promete-lhe filho, terra, uma grande descendência. Abraão vai acolhendo a ação de Deus que ganha um sentido universal, culminando com a disposição de sacrificar Isaac por obediência e confiança no Senhor. A partir daí, torna-se pai dos crentes, de forma que todas as nações da terra serão benditas pelo seu ato de fé (cf. Gn 12 – 22).

Que diremos de Jacó, que tentava enganar a Deus e o mundo, usurpando a bênção de Esaú, mas que deixou-se dominar pelo Senhor, rendido à sua presença (Gn 32,24-32), tornando-se Israel, aquele que luta com Deus e os homens e vence pela oração constante. A vida de Jacó terá um novo sentido: ele será o pai das 12 tribos, que gerarão a nação que herdará o seu nome.

E José, que de filho preferido, mimado e protegido de Jacó, soube acolher a formação divina através de acontecimentos traumatizantes, como a traição dos irmãos, a calúnia da patroa e o esquecimento por parte de quem ele havia tirado da prisão. Quando percebeu que o sentido de tudo isso era ser instrumento da providência e salvação de Deus para o seu povo, tranqüilizou os irmãos, receosos de que ele usasse a autoridade de vice rei do Egito para vingar-se deles.

Um homem que fez justiça com as próprias mãos, matando o egípcio que açoitava os hebreus e, depois de ser traído pelo povo que ajudava, fugiu para viver esquecido como um pastor sem perspectivas no deserto de Madiã. Assim era Moisés, que, visitado por “aquele que é” (Ex 3), acolhe o sentido dado por Deus à sua vida, tornando-se o grande libertador e legislador de Israel.

Davi foi agradável a Deus não por ter vencido os inimigos e conquistado Jerusalém, mas porque diante de cada desafio que a vida lhe apresentava, suas atitudes tinham um rumo e uma referência: agradar a Deus. Por isso, não matou Saul, seu maior perseguidor, ele era o ungido do Senhor; nem enfrentou seu próprio filho, que cobiçava o seu trono, preferindo perder o reinado; nem se entregou à depressão infrutífera após seu pecado com Betsabé, mas caminhou entre lágrimas para a misericórdia do Senhor.

Salomão começara bem a sua vida, pedindo como maior dom a sabedoria, ou seja, o sabor das coisas de Deus. Mas acabou voltando-se para si, deixou de ser um homem segundo o coração de Deus para ser um homem segundo o seu próprio coração. Deu um sentido medíocre à sua vida.

Alguns teólogos consideram o pecado original como um grande desvio de rota: o homem deixou de viver para Deus e passou a viver para si. Jesus esvazia-se de sua divindade, obedecendo ao Pai até a morte de cruz para corrigir o desvio de rumo de Adão. Jesus é um ser voltado para o Pai e, desde a sua encarnação até a glorificação, cada ato seu era voltado para o Pai. Ele sabia que vinha do Pai, veio para nos salvar e voltava para o Pai. Jesus nos envia o seu Espírito que nos faz clamar Abba.

O Espírito Santo nos coloca nesta dinâmica de sentido de vida. Ele nos faz dizer: “Saí do Pai, vivo para o Pai e voltarei para Ele”. Ser profundamente batizado no Espírito é poder dizer isso com a boca, o coração e a vida. O Espírito Santo, alma da Igreja, faz-nos acolhê-la como mãe e mestra e abre as portas de nossa casa e coração para acolher os santos, os irmãos que, por vezes, tornam-se mais unidos a nós pelos laços do Espírito do que pelos de sangue. O Espírito nos torna igrejas domésticas, transportando-nos do fechamento para o acolhimento e oblação universal. Isso é abertura à comunhão dos santos.

Paulo vinha de Jerusalém e perseguia os cristãos, julgando com isso prestar culto a Deus. Sua cegueira o conduzia ao inferno até que uma luz do céu o cegou fisicamente para lhe dar a visão espiritual e um sentido de vida para a eternidade.

Pedro também descobriu no O Espírito Santo, através da misericórdia de Cristo, deu um novo sentido para a vida. Antes ele queria caminhar na frente de Deus dizendo para Jesus o que fazer, para onde ir, como deveria morrer; após a traição, o perdão e o Pentecostes, ele deixou-se conduzir por Deus.

Os santos, iluminados pelo mesmo Espírito, sabiam que vinham do coração do Pai e para Ele retornariam, vivendo por Cristo, em Cristo e para Cristo. São Francisco assumiu a pobreza de Cristo, ou melhor, deixou-se empobrecer por Cristo para renovar a Igreja. Santa Teresinha entrou para o Carmelo para orar pelos sacerdotes e salvar almas. Madre Teresa de Calcutá buscou saciar a sede de Cristo na cruz na alegria de servir aos mais rejeitados. João Paulo II está consumindo-se para iluminar todas as áreas humanas através das encíclicas, da evangelização, das missões, dos pronunciamentos e, sobretudo, através de sua própria vida.

Ilusórios sentidos de vida

Hoje, no entanto, a modernidade apresenta para o homem falsos e ilusórios sentidos de vida.

O sentido hedonista, em que o prazer imediato é o único bem possível de se conseguir nesta vida é bastante divulgado. A Palavra de Deus, porém, e a própria experiência nos ensinam que o prazer é uma linguagem usada por Deus para abençoar um alimento, um relacionamento; é sinal de doação e quando é buscado como fim, colhe-se o fel e o vazio. O princípio de viver buscando o prazer se torna o maior estraga prazer.

O viver em função do sucesso neste mundo globalizado e competitivo é outra ilusão que envolve os nossos jovens. A própria etimologia da palavra, que vem do latim sus-cedere, indica “o que vem depois”. Portanto, viver em função de algo que vem depois e não está em meu poder obter, não seria alienar-me? Os santos nos ensinam, assim como a Palavra, que devemos dar tudo de nós no que nos é confiado e esperarmos o resultado como se tudo dependesse de Deus. Muitas angústias, depressões e ansiedades vêm da total falta de preparação do homem de hoje para enfrentar o fracasso. Esquecemo-nos de que foi através do aparente fracasso da cruz que fomos salvos e herdamos a ressurreição de Cristo; foi pelo aparente fracasso do martírio dos santos nas arenas de Roma que a Igreja pôde crescer qual árvore frondosa adubada pelo sangue dos seus filhos.

O consumismo é outro forte apelo, porque a posse dos bens leva a uma aparente segurança e felicidade. Esquecemo-nos de que o objetivo e a felicidade plena do homem não é possuir, mas ser possuído por Deus no seu Espírito Santo. Quantos testemunhos temos de pessoas como Estêvão, que na hora do martírio viu o céu aberto e o Filho do homem à direita de Deus (cf. At 7). A Bíblia nos diz que “onde está o nosso tesouro, aí estará o nosso coração” . O homem torna-se aquilo a que ama. Se ele ama o dinheiro, torna-se corruptível, algo que se vende ou compra, e o sentido da sua vida reduzir-se-á aos bens deste século. Se ele ama a Deus, por Deus será glorificará e com Ele reinará eternamente.

Outra mentalidade sutil que contaminou o homem moderno é de que sua herança genética, espiritual, psíquica unida aos traumas de sua vida condicionam o comportamento humano; é um determinismo trágico que enfraquece a vontade levando-a a justificar vícios e distúrbios comportamentais. Esquecemo-nos do que São João nos diz: “O que está em vós é maior do que o que está no mundo”. O homem não é um ser condicionado, mas com condicionamentos que podem ser superados com a graça de Deus, pois “a Deus, nenhuma coisa é impossível” (Lc 1,37), haja visto a ação divina nos personagens que mencionamos.

Há ainda os “problemocêntricos”, cujo sentido da vida é resolver os seus problemas e os dos outros. Eles esquecem que há problemas que nunca serão plenamente resolvidos nesta vida, como o espinho na carne de São Paulo e que fomos criados para o louvor da glória de Deus.

Por isso, oremos: “Batiza-nos, Pai, com teu Espírito, concede-nos renovada experiência da salvação de nossos caminhos e ilumina a nossa memória para que nunca esqueçamos que um Deus deu seu próprio sangue para nos fazer retornar de onde saímos: o teu misericordioso coração. Que assim seja em teu Filho e Nosso Salvador, Cristo Jesus”.

Fonte: Arquivo Shalom


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