Deus chama o homem pelo nome, revelando-se e revelando-o a ele mesmo. Por meio da vocação e desse diálogo divino e humano, profundo e pessoal, o próprio Deus instaura uma relação pessoal e original com o homem.
No coração e no centro da fé, está o mistério da Santíssima Trindade, mistério de Deus na sua vida de relação íntima e profunda, no seu constante doar-se. Esta doação se manifesta como relação plena, bela e profunda, na qual encontramos a essência do amor. O agir divino sempre faz o homem entrar em relação. Portanto, a dimensão relacional não é algo acidental, mas essencial na vida divina e na vida das criaturas. Desse modo, também o homem sempre se encontra em um contexto relacional. Não nos é possível pensar em um homem sem esse contexto preciso, real e concreto. Isso significa que ele está sempre diante de uma alteridade.
Sendo criado por Deus, o homem traz na sua natureza a necessidade de viver essa relação; e sendo criado para Deus, ele encontra nessa relação o pleno sentido da sua existência. Em Deus está a origem e o fim pleno da vida de cada homem. Este, por sua vez, não encontra a razão da sua existência em si mesmo, podendo bastar-se e realizar-se numa perspectiva egoísta, sem levar em conta o Outro que lhe doa o ser, que lhe chama a Si.
Desde a sua criação, o homem é um ser vocacionado. Ele sempre foi chamado, e neste chamado está o fundamento e a realização da sua própria liberdade. Ele tem liberdade para responder a este chamado e, ao mesmo tempo, somente na adesão a ele é que sua liberdade se realiza. Somente aqui, o que é possibilidade torna-se realidade vivida como plenitude. Escolher Aquele que o escolheu desde toda a eternidade é o caminho da liberdade.
Inquietação do homem
Diante do exposto, percebemos o motivo pelo qual o coração do homem se encontra sempre em um estado de “certa inquietação”, como afirmava Santo Agostinho, ou seja, ele só se satisfaz plenamente com Deus. Entretanto, existe também outro coração “peregrino” que, incansavelmente e sem possibilidade de desistência, busca o homem. Afirma o Papa Bento XVI: “Mas não somos somente nós, seres humanos, que vivemos inquietos relativamente a Deus. Também o coração de Deus vive inquieto relativamente ao homem. Deus espera-nos. Anda à nossa procura. Também Ele não descansa enquanto não nos tiver encontrado. O coração de Deus vive inquieto, e foi por isso que se pôs a caminho até junto de nós – até Belém, até ao Calvário, de Jerusalém até a Galileia e aos confins do mundo. Deus vive inquieto conosco, anda a procura de pessoas que se deixem contagiar por esta sua inquietação, pela sua paixão por nós; pessoas que vivem a busca que habita no seu coração e, ao mesmo tempo, se deixam tocar no coração pela busca de Deus a nosso respeito”.
Todo chamado nasce desse desejo divino pelo homem, e toda vocação passa a ser o modo mais forte de viver esta recíproca busca de comunhão, revelando ao homem sua identidade e missão. É, enfim, um ato de amor criativo, pessoal e único. Deus chama o homem pelo nome, revelando-se e revelando-o a ele mesmo. Por meio da vocação e desse diálogo divino e humano, profundo e pessoal, o próprio Deus instaura uma relação pessoal e original com o homem. Por isso afirmava Newman: “Eu fui criado para fazer ou para ser alguma coisa pela qual nenhum outro nunca foi criado. Pouco importa se eu seja rico ou pobre, desprezado ou estimado pelos homens. Deus me conhece e me chama pelo nome. Do mesmo modo sou tão necessário para o lugar que é meu, quanto um arcanjo o é para o seu”.
Toda vocação se demonstra como essa realidade vital, fundamental e de singular importância, que se concretiza em um progressivo diálogo entre Deus, que chama, e aquele que é chamado. Esse diálogo de amor começa no tempo e se plenifica na eternidade (Cf. LG 48).
No Filho de Deus se encontra e ao mesmo tempo se revela o ponto culminante de toda vocação, pois Ele é a realização de todo homem. Por outro lado, é por meio da Igreja que todo chamado se atualiza e se desenvolve. É no coração da Igreja que cada cristão encontra o seu lugar e é chamado a cumprir a sua missão através dela, por meio do dom particular recebido pelo Espírito Santo. Todo cristão é chamado – na Igreja, com a Igreja e pela Igreja – a ser um grande protagonista por meio da vivência da sua vocação específica.
Vocação Shalom
O dom recebido é sempre em vista da missão, pois toda autêntica comunhão com Deus se dilata para uma alteridade que podemos chamar de missão. O vocacionado se torna missionário, visto que o dom vivido passa a ser um dom comunicado, pois esse dom é em vista do outro.
É nesse contexto de epifania divina que se coloca a magnífica Vocação Shalom, que é caminho de comunhão com Deus, de santidade e de feliz oferta de vida, realidade esta que revela para os seus membros a mais alta dignidade e gera no coração da Igreja e da humanidade frutos de justiça e santidade, pois é um caminho seguro de Deus e uma via segura para Deus. É lugar de encontro do coração divino e do coração do homem, ambos apaixonados um pelo outro. Nesse grandioso momento que vivemos – de Reconhecimento Definitivo dos nossos Estatutos – queremos não somente celebrar, mas também renovar o nosso sim. Todo chamado vocacional é como um sim divino que deseja como resposta o sim do homem. O que de mais profundo Deus poderia afirmar de si mesmo é: “Eu sou Deus”. Quanto ao homem, que não se realiza em si mesmo, o que pode dizer de mais autêntico é: “Eu quero Deus”. Sendo assim, uma das coisas que mais agrada o coração divino é quando o homem movido pela fé, pela esperança e pelo amor lhe responde como um filho: “Eis-me aqui!”.
Bibliografia:
BIBLIA DO PEREGRINO, Edição de Estudo. Edições Paulus: São Paulo, 2002.
LEXICON, DIZIONARIO TEOLOGICO ENCICLOPEDICO, Ideazione, direzione editoriale a cura di Luciano Pacomio e Vito Mancuso. Edizioni Piemme Spa, Casale Monteferrato (AL), 1993.
Homilia da Santa Missa na Solenidade da Epifania do Senhor – Basílica de São Pedro – Vaticano – Sexta-feira, 6 de janeiro de 2012.
Padre Rômulo dos Anjos
Comunidade Católica Shalom
(Publicado originalmente na Revista Shalom Maná)