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Homilia do Papa no Memorial das Testemunhas da Fé dos séculos XX

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Publicamos a homilia que Bento XVI pronunciou nesta segunda-feira, na celebração da Palavra que presidiu junto à Comunidade de Sant’Egidio na Basílica de São Bartolomeu, na Ilha Tiberina de Roma, memorial das testemunhas dos séculos XX e XXI.

A visita serviu para celebrar o 40º aniversário da fundação da Comunidade de Sant’Egidio.

Queridos irmãos e irmãs:

Podemos considerar nosso encontro na basílica de São Bartolomeu, na Ilha Tiberina, como uma peregrinação à memória dos mártires do século XX, inumeráveis homens e mulheres, conhecidos e desconhecidos, que ao longo do século XX derramaram seu sangue pelo Senhor. Uma peregrinação guiada pela Palavra de Deus que, como lâmpada para nossos passos, luz em nosso caminho (cf. Salmo 119, 105), ilumina com sua luz a vida de todo crente.

Este templo foi destinado por meu querido predecessor João Paulo II para ser lugar da memória dos mártires do século XX e o confiou à Comunidade de Sant’Egidio, que neste ano dá graças ao Senhor pelo 40º aniversário de seus inícios. Com afeto saúdo os senhores cardeais e bispos que quiseram participar desta liturgia. Saúdo o professor Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Sant’Egidio, e lhe agradeço pelas palavras que me dirigiu. Saúdo o professor Marco Impagliazzo, presidente da Comunidade; ao assistente, Matteo Zuppi; assim como a Dom Vincenzo Paglia, bispo de Terni-Narni-Amelia.

Neste lugar, cheio de recordações, nós nos perguntamos: por que estes irmãos mártires não tentaram salvar a toda custa o bem insubstituível da vida? Por que seguiram servindo a Igreja, apesar das ameaças e intimidações? Nesta basílica, na qual se custodiam as relíquias do apóstolo Bartolomeu e onde se veneram os restos de Santo Adalberto, escutamos ressoar o eloqüente testemunho de todos os que, não só através do século XX, mas desde os inícios da Igreja, vivendo o amor, ofereceram no martírio sua vida a Cristo.

No ícone do altar maior, que representa algumas destas testemunhas da fé, lêem-se as palavras do Apocalipse: «Estes são os que atravessaram a grande tribulação» (Apocalipse 7, 14). Ao ancião que pergunta quem são e de onde vêm os que estão vestidos de branco, responde-se que «lavaram suas vestes e as alvejaram com o sangue do Cordeiro» (Apocalipse 7, 14). É uma resposta estranha à primeira vista. Mas na linguagem cifrada do vidente de Patmos se dá uma referência precisa à cândida chama de amor, que levou Cristo a derramar seu sangue por nós. Em virtude desse sangue, somos purificados. Apoiados por essa chama, também os mártires derramaram seu sangue e se purificaram no amor: no amor de Cristo, que os tornou capazes de sacrificar-se por sua vez por amor. Jesus disse: «Ninguém tem maior amor que o que dá sua vida por seus amigos» (João 15, 13). Cada testemunha da fé vive este amor «maior» e, seguindo o exemplo do divino Mestre, está disposto a sacrificar a vida pelo Reino. Deste modo, torna-se amigo de Cristo, conforma-se com Ele, aceitando o sacrifício inclusive até o final, sem pôr limites ao dom do amor e ao serviço da fé.

Ao deter-nos diante dos seis altares que recordam os cristãos mortos sob a violência totalitária do comunismo, do nazismo, assassinados na América, na Ásia e na Oceania, na Espanha e no México, na África, voltemos a percorrer espiritualmente muitas vicissitudes dolorosas do século passado. Muitos caíram enquanto cumpriam a missão evangelizadora da Igreja: seu sangue se misturou como dos cristãos autóctones, aos que havia sido comunicada a fé. Outros, com freqüência em condição de minoria, foram assassinados por ódio à fé. Por último, muitos foram imolados por não abandonar os necessitados, os pobres, os fiéis que lhes haviam sido confiados, sem temor às ameaças e perigos. São bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos, fiéis leigos. Muitos! O servo de Deus João Paulo II, na celebração ecumênica do Jubileu pelos novos mártires, que se celebrou em 7 de maio de 2000 no Coliseu, disse que estes irmãos e irmãs na fé constituem uma espécie de grande quadro da humanidade cristã do século XX, um quadro das Bem-aventuranças, vivido até o derramamento de sangue. E costumava repetir que o testemunho de Cristo até o derramamento do sangue fala com uma voz mais forte que as divisões do passado.

É verdade: aparentemente parece que a violência, os totalitarismos, a perseguição, a brutalidade cega se revelam mais fortes, calando a voz das testemunhas da fé, que podem parecer humanamente como fracassados da história. Mas Jesus ressuscitado ilumina seu testemunho e compreendemos assim o sentido do martírio. Diz neste sentido Tertuliano: «Plures efficimur quoties metimur a vobis: sanguis martyrum sêmen christianorum – Nós nos multiplicamos cada vez que somos segados por vós: o sangue dos mártires é semente de novos cristãos» (Apologeticum, 50, 13: CCL 1, 171). No fracasso, na humilhação de todos que sofrem por causa do Evangelho, atua uma força que o mundo não conhece: «quando estou frágil – exclama o apóstolo Paulo –, então é quando sou forte» (2 Coríntios 12, 10). É a força do amor, inerme e vitorioso, inclusive na aparente derrota. É a força que desafia e vence a morte.

Também este século XXI começou sob o sinal do martírio. Quando os cristãos são verdadeiramente fermento, luz e sal da terra, eles se convertem, por sua vez, como aconteceu com Cristo, em objeto de perseguições; como Ele, são «sinal de contradição». A convivência fraterna, o amor, a fé, as opções a favor dos mais pobres e pequeninos, que caracterizam a existência da comunidade cristã, suscitam às vezes uma aversão violenta. Que útil é então contemplar o testemunho luminoso de quem nos precedeu no sinal de uma fidelidade heróica até o martírio! E nesta antiga basílica, graças à atenção da Comunidade de Sant’Egidio, se custodia e venera a memória de muitas testemunhas da fé, mortas em tempos recentes.

Queridos amigos da Comunidade de Sant’Egidio: ao contemplar esses heróis da fé, esforçai-vos também por imitar a valentia e a perseverança no serviço ao Evangelho, especialmente entre os pobres. Sede construtores da paz e da reconciliação entre quem está em inimizade. Alimentai vossa fé com a escuta e a meditação da Palavra de Deus, com a oração cotidiana, com a participação ativa na santa missa. A autêntica amizade com Cristo será fonte de vosso amor mútuo. Apoiados em seu Espírito, podereis contribuir para a edificação de um mundo mais fraterno. Que a Virgem Santa, rainha dos mártires, vos apóie e vos ajude a ser autênticas testemunhas de Cristo. Amém!

Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri

Fonte: Zenit


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