“Tu divino Senhor de tudo o que existe, ilumina e dirige a alma, o coração e o espírito do teu servo. Guia suas mãos para que ele possa representar dignamente e perfeitamente a tua imagem, aquela da tua Santa Mãe e aquela de todos os santos, para a glória, a alegria e a beleza da tua Santa Igreja.” Com esta oração de tradição russa o iconógrafo inicia o seu trabalho. Sua missão é pintar, melhor dizendo, escrever ícones.
No Oriente cristão cresceu e se desenvolveu esta arte cheia de espiritualidade e beleza, hoje muito conhecida e praticada no Ocidente, encontrando também, lugar privilegiado na liturgia, nos lares e na devoção particular.
A palavra ícone vem do termo grego eikon – imagem – e, na história da arte, denomina uma pintura de gênero sagrado, que segue uma tradição de séculos, executada sobre madeira e geralmente portátil. Esta técnica antiguíssima utiliza materiais singulares, a saber: têmpera à ovo, cola de coelho e peixe, pigmentos, gesso, entre outros.
Historicamente se torna difícil dizer quando surgiram os ícones. Para alguns estudiosos, os precursores diretos dos ícones seriam os retratos de Fayum. Com pintura encáustica, em cera e pigmentos, se faziam os retratos dos imperadores bizantinos e romanos. Estes retratos eram pinturas naturalistas, mas com rostos de expressões vigorosas, idealizadas espiritualmente.
Uma outra tradição liga o ícone à imagem Aqueropita (não feita por mãos humanas) enviado pelo próprio Cristo a Abgar, rei de Edessa. A lenda conta que estando o rei leproso e, querendo curar-se, enviou uma delegação a Jesus que pregava na Palestina, suplicando-lhe uma intervenção miraculosa e um retrato. Cristo o ouviu e teria enxugado o seu rosto em uma toalha, deixando seus traços impressos nela. Esta seria a origem do Mandylion ou Verônica, relíquia muito venerada alguns séculos mais tarde em Constantinopla.
Muito difundida também é a tradição que atribui os primeiros ícones a São Lucas, que teria pintado a Mãe de Deus. Os ícones mais antigos que chegaram até nós vêm do Convento de Santa Catarina no Monte Sinai e outras localidades do Egito. Estes datam dos Séculos V e VI.
Nos séculos VIII e IX os iconoclastas – quebradores de ícones – empreenderam verdadeira perseguição ao feitio e culto dessas imagens.Foi um período sangrento e conflituoso, porém foi neste período difícil que se desenvolveu a teologia necessária para melhor compreendê-los. O culto foi restaurado e foram reafirmadas sua validade e importância.
O fundamento do ícone é a encarnação e o grande mistério que o ícone professa. “Porque o invisível tornou-se visível, tomando carne podes executar a imagem Daquele que foi visto. Porque reduziu-se a quantidade e a qualidade e revestiu-se das feições humanas, então pintamos(…) e expomos à contemplação Aquele que quis tornar-se visível”, afirma São João Damasceno, na sua defesa dos santos ícones. Sendo assim, o iconógrafo pode então pintar o rosto de Cristo, da sua Santa Mãe e de seus santos transformados em imagens,ícones d’Ele. O iconógrafo deve portanto, através da oração, da leitura da Sagrada Escritura, prática dos Sacramentos, ser dócil à ação do Espírito Santo,verdadeiro iconógrafo e realizar sua missão de tornar visível através de linha se cores, o espiritual, o divino.
Na iconografia tudo é repleto de denso simbolismo, através do qual se pretende inculcar verdades teológicas, conceitos da fé. As figuras são representadas de modo a exprimir um homem transfigurado: os rostos bronzeados, iluminados e expressivos; orelhas e bocas muito pequenas; olhos dilatados e penetrantes; a perspectiva é invertida, assim, aquele que contempla sente-se envolvido pela cena. As cores são radiantes, nunca são sombrias e têm um significado próprio. O ícone é todo luz; este é seu principal atributo, que simboliza a glória divina.
Os ícones na Comunidade Católica Shalom
“Utilizem-se os ícones como parte da riqueza espiritual da Comunidade e, em tudo, se favoreça o seu conhecimento, veneração e difusão.”(ECCSh art.46)
A Comunidade Shalom traz em sua espiritualidade uma veneração particular pelos ícones. O trecho acima, dos nossos estatutos,revelam o lugar privilegiado dos ícones na nossa Vocação, pois, por meio deles somos motivados à oração, à contemplação, a um mergulho nos mistérios de Cristo e na verdade do Evangelho. Aquele que contempla um ícone permite brotar de seu interior o desejo de ver a face de Deus e de ser transfigurado por Ele.
Ao celebrar a liturgia em nossas casas e nos eventos de evangelização, utilizamos os ícones das festas, dos santos, da Mãe de Deus, que são ornados com flores naturais, incensados, e são objetos de contemplação e veneração das pessoas. É maravilhoso contemplar a Palavra proclamada no ícone.Este completa o anúncio do mistério celebrado.
Vale lembrar que o ícone depois de bento é um sacramental,um sinal de graça, podendo, pela veneração, ser auxílio na vida espiritual docristão que o utiliza e contempla com respeito e fé.
Os ícones também chegam aos nossos lares. O Cristo Crucificado e Ressuscitado e a Mãe de Deus nos oratórios familiares lembram o“ângulo belo” das casas cristãs russas. Aqui a família se reúne para rezar ante os ícones.
Tivemos a alegria de, por ocasião do ReconhecimentoPontifício, presentear o Santo Padre Bento XVI, com um ícone feito por nós Shalom, retratando Cristo, Maria e São Pedro (Mistério Petrino eMariano da Igreja). Este acontecimento foi uma bênção e uma graça para a Comunidade e para a nossa missão.
Acolhendo o dom que Deus em sua infinita bondade nos confiou, procuramos servir com alegria e temor à Comunidade e à Igreja, atravésda arte dos ícones. Ele nos tem agraciado com irmãos e irmãs que se dedicam a este serviço de beleza incomparável. Somos evangelizadores, anunciadores daPalavra. Servimos, comunicamos e cantamos a glória de Deus através de nossos ícones. Shalom!
Guadalupe Monteiro Cabral
Missionária da Com. Shalom
Fontes Bibliográficas:
DONADEO, Maria. Os ícones: Imagens do invisível, Paulinas1996.
ARBEX, Monsenhor Pedro – Teologia Orante na Liturgia do Oriente.
Estatutos da Comunidade Católica Shalom
DUARTE, Adélio Damasceno – Ícones “e o Verbo se fez rosto e armou sua tenda entre nós.”
BERTAMI, Pe. Marcelo – Apostila de Iconografia, São Paulo,2001