Entre as principais exortações de Jesus aos seus apóstolos, havia uma essencial, onde o Mestre os impelia a partirem em missão: “Ide por todo mundo, pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Anunciar o Evangelho a toda criatura significa levar a salvação, a Paz real, que é Jesus, a todos os povos, raças, línguas e nações, sem exceção. É esse o primeiro serviço que a Igreja deve prestar à humanidade: pela condução do Espírito Santo, anunciar Cristo ao mundo.
Nesse anseio missionário, ao longo da história, além das graças e frutos colhidos em abundância, a Igreja também foi se deparando com muitos desafios. Entre esses obstáculos, estão os relacionados aos hábitos culturais particulares de cada povo. Há costumes e tradições nos diversos povos que coincidem com a lógica cristã anunciada pela Igreja, como, por exemplo, o respeito às autoridades civis, a preservação do valor da vida humana e a constituição familiar como base da sociedade.
Porém, há outros costumes que precisam ser iluminados e purificados pela mensagem de Jesus, que são os que atentam contra a vida e a dignidade humanas. E há ainda outros costumes não essenciais à fé, mas que são importantes para a cultura de cada nação e que, por isso, necessitam ser compreendidos e acolhidos pelos missionários, como, por exemplo, os idiomas e dialetos nativos, as vestimentas, os alimentos, as danças folclóricas etc. A esse processo que busca o equilíbrio entre missão e cultura chamamos de inculturação da fé.
Inculturação na vida missionária
Em relação a essas possíveis tensões que possam existir durante esse processo de inculturação, São João Paulo II deixou uma bela mensagem a todos os povos da Terra, em sua Carta Encíclica Redemptoris Missio, §3: “Povos todos, abri as portas a Cristo! O Seu Evangelho não tira nada à liberdade do homem, ao devido respeito pelas culturas, a tudo quanto de bom possui cada religião. Acolhendo Cristo, abris-vos à Palavra definitiva de Deus, Àquele no qual Deus se deu a conhecer plenamente e nos indicou o caminho para chegar a Ele”.
Como parte da Igreja que precisa anunciar o Evangelho a todos os povos, a Comunidade Shalom é também uma Comunidade missionária e comprometida com o anúncio de Jesus Cristo, a Paz real. Esse compromisso visa anunciar essa Paz aonde Deus nos enviar e o apelo da Igreja confirmar.
Assim, como já mencionamos na introdução, os missionários sempre se deparam, no desempenho de suas tarefas, com as particularidades culturais de cada região. Esses traços particulares de cada povo condicionam, por exemplo, os gostos artísticos, os lazeres, o vocabulário, a força das expressões e o simbolismo dos objetos. Uma simples expressão verbal ou um pequeno gesto podem ser entendidos como um elogio, uma homenagem ou uma ofensa, dependendo do povo e do público em questão.
Assim, um bom missionário precisa ter numa das mãos as Sagradas Escrituras e a Doutrina da Igreja e, na outra, a vida e os costumes de cada pessoa ou povo ao qual é enviado. Sendo um missionário Shalom, deve ter todos esses elementos iluminados pela novidade do Carisma, ou seja, necessita evangelizar através dos dons e pelo poder do Espírito Santo, com ousadia, alegria, criatividade e muito amor esponsal, sempre visando anunciar a pessoa de Jesus Cristo, o Ressuscitado que passou pela Cruz.
Se esse processo for efetuado em oração, com discernimento, a mensagem de Jesus, o Shalom do Pai, certamente vai fortalecer os componentes positivos da cultura e da personalidade do povo e, ao mesmo tempo, vai purificar e libertar daquilo que não é tão sadio.
A kenosis do coração missionário
A inculturação na missão, assim, supõe também um esvaziamento, uma kenosis profunda da parte do missionário. Por exemplo, muitas vezes, ele precisará diversificar seu cardápio com hábitos alimentares, a princípio, desafiantes. Precisará aprender a se divertir com piadas, brincadeiras ou lazeres que, mesmo não sendo pecaminosos, não faziam parte de seu horizonte de sentido.
Pouco a pouco, ele deve se apropriar do jeito de ser do povo ao qual ele foi enviado, roupas, expressões etc, claro, sem perder a essência de sua fé e dos bons costumes. Seu testemunho, seu discurso, seu vocabulário e sua pregação, assim, se tornarão cada vez mais ousados e criativos. E o povo que Deus lhe confiar se sentirá amado e acolhido.
Queria terminar esse texto com um testemunho pessoal. Eu sou natural do estado de Minas Gerais, de uma pequena cidade de 50 mil habitantes, chamada Boa Esperança. Meu pai, já falecido, e minha mãe, que tanto amo e respeito, sempre foram humildes trabalhadores rurais, ambos analfabetos. Cresci num ambiente rural, rodeado de animais e plantações de café, feijão e milho. Porém, após concluir o segundo grau, tornei-me missionário na Comunidade Shalom. Morei em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e, desde 2007, moro no Ceará, portanto, precisei, a princípio, empreender um grande esforço de inculturação, para não deixar de ser eu mesmo, com minhas raízes e personalidade, mas, ao mesmo tempo, estando aberto a me envolver com o povo ao qual Deus havia me confiado.
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Apropriei-me de algumas expressões das regiões onde morei e até aprendi a gostar de alimentos que, aqui entre nós, antes não desciam. Por seis anos, fui locutor de um programa na rádio Shalom AM-690, em Fortaleza (Ce), chamado “O Sertão do meu Senhor”. Resumindo, hoje ainda moro no Ceará, amo esse povo e sinto-me um com ele, todavia, sem deixar de ser mineiro.
Hoje posso dizer, para você rir um pouco comigo, que como tapioca e cuscuz com o mesmo prazer com que como os pães de queijos de minha terra, quando estou de férias com minha família. A missão, suas alegrias e tristezas, acertos e erros, foi e é um instrumento de salvação de Deus para plasmar em mim o perfil de santidade pensado por Ele.
Espero e desejo que essa minha partilha possa ter despertado em seu ouvido e coração uma renovada disposição de ouvir Jesus te dizer: “Ide por todo mundo e a todos pregai o Evangelho”.
Deus te abençoe sempre e Shalom.