Estava nos últimos dias de prazo, concluindo a monografia, quando lembrei que rezando na capela do Centro de Evangelização do Shalom em João Pessoa, tive uma visualização de um anel de ouro com uma pedra vermelha incrustrada. Pensava ser Deus me revelando uma forma de vida, como se fosse me casar – pensava no anel da minha mãe, que tem um brilhante, mas é uma pedra branca. Eu não entendia porque a de minha visualização era vermelha. Deixei pra lá.
À época, estava fazendo cursinho, porque não havia passado no vestibular na primeira oportunidade. Acontece que mesmo eu sendo da turma especial, e fazendo somente a prova do terceiro ano do ensino médio, já que o vestibular era seriado, não foi o suficiente para evitar que ocorresse algo incomum, eu ficasse nervoso, esquecesse tudo, fizesse uma prova péssima e, no final das contas, descesse 69 posições e não passasse no vestibular. Fiquei muito mal, mas aí começou a intervenção de Deus na minha vida.
Como era de meu costume, fui para o Volta ao Teu Deus, retiro de semana santa da Comunidade Doce Mãe de Deus, onde eu passei boa parte da minha vida. Naquela ocasião, tive a experiência de me confessar com um sacerdote que hoje possui lugar privilegiado no meu coração, o Frei Josué de Souza, O.F.M Conv. Foi uma experiência única que me fez ir em direção não daquilo que eu planejava ou imaginava na minha vida, mas do que me colocava “nos trilhos” da Providência Divina. Desisti do cursinho na área de saúde, e acabei, depois de passar um tempo como ouvinte no colégio onde estudei oito anos, indo para um cursinho perto de casa, só pra revisar o assunto. Foi aí que eu conheci a Comunidade Shalom, fui lá só para comprar a camisa do Luau das Tribos e acabei trabalhando no evento.
Na hora da inscrição para o vestibular, não tive coragem de colocar “direito” na UFPB, e pus “psicologia”. Depois, quase obrigado por minha mãe, fiz inscrição para uma particular, a UNIPÊ, para direito. Passei para psicologia, bem colocado, inclusive, mas o curso estava atrasado por causa das greves, e comecei o curso de direito. Apaixonei-me completamente e tive a certeza de que aquele era o meu lugar e, por essa razão, nem pus os pés na UFPB. Entretanto, mais tarde começariam os problemas.
Além de uma experiência de namoro frustrante, acumulava também problemas familiares e realidades passadas não curadas. Aconteceu que, por causa disso, fui pouco a pouco entrando numa depressão. O namoro terminou em uma semana, e eu perdi o estágio com o qual pagava as mensalidades na semana seguinte. Esses acontecimentos me derrubaram como estudante, e eu já não conseguia mais render, não tinha ânimo nem motivação para estudar. Por indicação de amigos, fiz um concurso de estágio no Ministério Público Estadual. Passei, por graça de Deus, mesmo sem estudar, e tive a providente oportunidade de estagiar com dois promotores que eram também Ministros de Eucaristia e muito corretos. Entretanto, mesmo estagiando, não tive condições de pagar esse semestre e tive que trancar o curso.
Depois retornei, mas ainda sem ânimo para estudar. Empurrei três semestres “com a barriga” e, no último ano, decidi começar o curso de filosofia na UFPB. Uma loucura sensata, diria, porque estudava direito pela manhã, estagiava à tarde, e à noite tinha a aula de filosofia. O tempo que me restava para fazer outra coisa era a madrugada. Embora fosse a melhor parte do dia e tenha sido um dos melhores tempos da minha vida (o que eu estudei filosofia), decidi não continuar por causa da monografia e da Comunidade, pois não tinha mais tempo para nada, nem para o ministério. A depressão, que começara anos antes, agora começava a tomar gravidade suficiente para parar a minha vida.
Cheguei em um ponto em que não conseguia ler mais uma página de livro, quanto mais escrever uma monografia. Como se não bastasse, o meu orientador era super ocupado e não me ajudou em quase nada. Concluí o curso, mas não entreguei a monografia. Decidi ir ao médico. Comecei a tomar a medicação e melhorar pouco a pouco. Mas, no semestre seguinte, não consegui fazer a monografia novamente. Só em pensar nela, eu começava a suar. Até que fui ao Congresso de Jovens Shalom 2012, que aconteceu no Rio de Janeiro, e lá senti um chamado muito forte de Deus para partir como jovem em missão.
Retornei e Deus confirmou em oração. Pensei na Cia de Artes. Comecei o discernimento com meu acompanhador pessoal, preparei o material e mandei. Depois veio a resposta que iria para a Cia de Artes e fui, com o apoio de minha mãe, mas com maus olhos de quase todo o resto da família. Foi um grande tempo, onde eu me aprofundei mais na vida de oração e na vida fraterna. Descobri novos dons e muitas curas na história de minha vida se fizeram. Mas algo me inquietava e eu não conseguia me sentir feliz. O que fazia minhas autoridades incentivarem a que eu me questionasse se era vontade de Deus que eu fosse até o fim. Comecei a adoecer novamente. Até que tomei coragem e enfrentei o discernimento. A palavra determinante saiu do livro de Isaías, capítulo 55, versículos 12 e 13. Logo no começo, Deus já foi claro: “Saireis com alegria e em paz sereis reconduzidos”.
Voltei. Fiz meus planos e pensei na melhor que fosse das possibilidades. Mas as coisas foram fugindo do meu controle para bem melhor. Queria falar sobre o direito à vida, mas Deus não queria. Não encontrei ninguém que me orientasse. Até que, por meio de uma amiga, descobri um concurso de artigos cujo um dos temas era tudo o que eu não tinha pensado: aliar minha inclinação para os direitos humanos com a experiência que tive em quase dois anos estagiando na Promotoria do Cidadão. Fui com o novo tema atrás de orientador e consegui logo no primeiro dia. Comecei a elaboração.
Era coisa incrível. Até mesmo em uma vez em que me lembrei de uma citação de Nietzsche (que muitos católicos não gostam, mas imagino que Deus goste de muita coisa boa dele), e procurei o livro para transcrevê-la, temendo a dificuldade para achar, já que não tinha marcado, mas diferentemente do que eu esperava, estava marcada a página da citação com a aba do livro. Até mesmo capítulos de livros que eu fui olhar que diziam exatamente o que eu queria, como aconteceu com uma obra de Zygmunt Bauman e outra de Emmanuel Levinas.
Enfim, consegui terminar a monografia, sem estar revisada, sem uma orientação adequada, só por mim mesmo e a ajuda inegável de Deus. Entendi mesmo como deveria terminar no último dia. Sentia dores fortes até que parei para pensar e vi que era mais fácil do que imaginava. Então entreguei, com a ajuda de professores que viram toda a minha luta, na companhia da minha mãe, que também se fez presente na apresentação.
Hoje estou à espera da colação de grau para receber tão esperado diploma, e ansioso por uma oportunidade para deixar de ser recém-desempregado. Como Deus é bondoso, não há o que temer. É só fazer a minha parte que Ele faz a parte Dele, de Pai.
Igor Rafael Oliveira Carneiro