Para abordar mais profundamente o conceito antropológico de evolução, faz-se necessário descobrir o significado real deste termo.
Com uma simples pesquisa na internet podem ser encontradas várias definições diferentes desse conceito, nenhuma, porém, com um sentido capaz de elucidar de forma satisfatória sua ligação com uma área tão complexa e abrangente como é a antropologia. À primeira vista poder-se-ia entender a palavra evolução como sinônimo de progresso. No entanto, o próprio conceito de progresso vive uma crise de objeto. Ambas as palavras nos dão uma ideia de presente em movimento, inclinado para frente ou para o futuro, e estão intimamente ligadas a imaginários positivistas. Quem progride e evolui não o faz para trás, mas para frente. As duas palavras nos inserem então numa dinâmica de movimento e transformação.
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Muitos grandes homens se debruçaram sobre essa temática. Alguns, como os precursores do evolucionismo, viam a evolução antropológica como um fenômeno biopsíquico, a seleção das espécies com a sobrevivência do mais forte etc. O filósofo árabe Ibn Khaldun abordou a evolução como um fenômeno social em espiral. Já Comte entendia que a marca de um verdadeiro progresso e evolução de um povo era o desenvolvimento tecnológico, legitimando assim o domínio de alguns povos sobre outros, supostamente menos desenvolvidos.
Com certeza todos tiveram grande importância nesse caminho histórico de construção do pensamento antropológico. Mas nenhum conseguiu elucidar um conceito claro, sólido e justo dessa palavra que abrangesse com profundidade aquilo que de fato é o evoluir humano.
O homem como um ser integral
Não seria evolução aquela unidade antropológica que engloba de forma benéfica a totalidade da pessoa humana e a totalidade da humanidade? Não seria a justa medida neste conceito pensar que evolução é aquele caminhar do homem em coerência consigo mesmo, sem esquecer sua essência racional, a dignidade e a responsabilidade que isso lhe confere entre todos os seres?
A verdadeira evolução antropológica não deveria estar a serviço do próprio homem? Subentende-se por essas questões propostas que “evoluir” não significa transformar-se em outra coisa, mas caminhar em vista de se ser integralmente aquilo que se é na essência. Um homem evoluído é um ser sem divisões, sem as ambiguidades que, por vezes, como diz Hobbes, transformam o homem no “lobo do próprio homem”. Qualquer conceito de evolução que não englobe a pessoa humana na sua inteireza e totalidade é suspeita e deve, a princípio, ser questionada com vigor.
O homem é um ser orgânico, biológico, técnico, social, mas também é artístico, religioso, é subjetividade. A subjetividade humana é capaz de almejar construir grandes obras e desafiar a técnica. Traçar um conceito adequado de evolução antropológica significa proteger o próprio homem, a quem o bem oriundo dessa evolução é destinado.
Seguindo esse raciocínio, poder-se-ia afirmar que a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra, com a bomba atômica e o Holocausto, foram as grandes demonstrações da fragilidade dessas pseudoevoluções humanas no século passado. Mesmo num âmbito de senso comum é difícil conceber como evolução o fato de um homem construir uma bomba para jogar no outro, ou uma raça se achar no direito de matar a outra em câmara de gás por se achar numa posição mais favorável na escala evolutiva. Se esse tipo de evolução é próprio do homem e se ele é um ser racional, deveríamos conceituar o que é a razão, antes de conceituar evolução.
Relativismo Cultural
Como abordar uma temática como essa sem que venham à mente as várias frases que têm se tornado o bordão de artistas na TV, no cinema ou mesmo dos influencers digitais ou de pessoas comuns? “Verdade, cada um tem a sua! Não se está preparado para ser mãe e pai, então, mata-se a criança, porque enfim o mundo evoluiu…” Ora se não existe uma verdade que o homem possa conhecer e assim ter seu caminho de evolução iluminado por ela, ele perde aquilo que é a sua maior dignidade, e que foi objeto das delícias dos filósofos: a capacidade de pensar racionalmente. É impossível, portanto, um conceito adequado de evolução antropológica, sem que a razão esteja bem ancorada na busca da verdade.
Para nós que acreditamos em Cristo, o Evangelho é uma autêntica escola de humanidade e consequentemente da verdadeira evolução. Lá encontramos um Deus feito carne (cf. Jo 1,14), que quer bem ao homem, que edifica o homem e o conduz. Poderiam as Sagradas Escrituras nos dizer algo acerca do evoluir humano? Com certeza sim! O homem, desde de suas origens no plano amoroso de Deus, é um ser vocacionado a evoluir. No primeiro capítulo do livro do Gênesis, bem como ao longo de toda a Bíblia, podemos ver que Deus não criou o homem pronto e acabado, mas o fez como um ser a caminho.
Ao ordenar que o homem crescesse, se multiplicasse e dominasse sobre toda a terra (cf. Gn 1,27-31), o Senhor igualmente o impelia a se descobrir como um ser especial e dotado de uma dignidade singular em meio a toda a obra da criação. Descobrir a propriedade das coisas e ser um protagonista no evoluir delas, supõe antes o descobrir-se.
Para concluir, podemos dizer ainda que Deus não abandonou o homem em sua jornada evolutiva, mas em todo tempo e lugar esteve com ele, amando-o e sustentando-o, a fim de que ele alcance a excelência evolutiva, que é a estatura de Cristo. Sim, Ele é o Alfa e o Ômega, princípio e meta almejada por todos os homens, ainda que muitos deles não o saibam.
Como cristão, não devemos ter, portanto, uma estima baixa acerca de nossa fé, como se ela nada pudesse contribuir com o caminhar do homem, mesmo nestes tempos de grandes descobertas e de avanços, científicos e tecnológicos. Em qualquer tempo e circunstâncias, o homem ainda é o homem, e a Igreja o conhece, é perita em humanidade, porque ama e crê num Deus feito homem.
Referências bibliográficas
MELO, Luís Gonzaga de: Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. 13.Ed. Petrópolis. Vozes, 2007.