“Dignidade e vocação da mulher” é tema de série no comshalom.org
Quem de nós não ouviu, muitas vezes estoicamente, uma coleção de piadinhas sobre loiras burras? Qual internauta nunca recebeu e-mails sobre loiras, sobre burras que, antes de serem uma coisa e outra são mulheres?
Sabe como um homem faz para tirar dinheiro no caixa rápido com um cartão? Sabe como faz uma mulher? Cá, cá, cá… e todos os presentes, tão inteligentes quanto a loira burra, caem na gargalhada ao ouvir a explicação de como ela pára o carro, procura o cartão na bolsa, etc., etc. Sabe aquela da loira que… e nova seção de risadaria de homens e – incrível! – de mulheres. Aqueles preconceituosos e estas, coniventes, sem respeito a si mesmas, sejam loiras ou morenas, tingidas ou naturais.
Sabe que mulher não fica velha, fica loira? Cá, cá, cá… E lá se vai outra seção de risos que bem mereceria ser denunciada a quem quer que seja encarregado de cumprir a lei contra o preconceito – se é que se tem a lucidez de considerar o preconceito contra mulheres, loiras, burras e velhas como preconceito. Talvez não esteja previsto na lei… Bem, a menos que, agora, que a esposa do presidente é loira, resolvamos rever nossos conceitos.
O que será que está escondido atrás de tudo isso? Insegurança dos homens? A idéia pouco arejada de que a mulher é sempre uma ameaça? Ignorância? Sede de popularidade? Vulgaridade? Mesquinhez? Falta de sensibilidade? Vingança? Inveja? Competição? Soberba? Falta de inteligência? Exceto por essa última, não sei, sinceramente! É tão espantoso que coisas como essas aconteçam, em especial no meio de pessoas consideradas educadas e razoavelmente esclarecidas, que uma explicação simplista não conseguiria abranger o fenômeno, a um tempo social, cultural, psicológico, mas, certamente, passível de uma responsabilização pessoal da parte de quem o propaga.
Jesus, em seu tempo, revolucionou o conceito que se tinha da mulher, sobre cujos ombros pesavam inúmeras restrições por impureza e sanções por adultério, ao ponto de não ser contada como gente nos levantamentos numéricos das multidões. O Senhor fez isso porque amou! Eis o segredo! O amor não discrimina, respeita e acolhe!
Embora a literatura traga honrosas exceções de mulheres-ícone das mais variadas virtudes, pinta, igualmente, a figura da mulher como uma bruxa ameaçadora e perigosa, traiçoeira e enganosa, que usa sua irresistível beleza e é capaz de qualquer coisa para enganar e seduzir sua vítima: o homem! Não faltam exemplos no imaginário popular no mundo inteiro. Você já viu algum bruxo, no masculino, em contos de fada? Quem aparece mais, o padrasto ou a madrasta malvada? Quem é o invejoso por excelência, aquele que é capaz de tudo para prejudicar o irmão ou irmã cheios de candura e bondade: o homem ou a mulher?
Ah, o peso do preconceito! Que relação misteriosa consegue unir a cor dos cabelos e o nível de inteligência? Que ligação maliciosa existe entre a sexualidade e a maldade? Que engenho conseguiria perverter a figura da mãe carinhosa e apagá-la a tal ponto que as figuras da mãe e da mulher dissociem-se completamente? Que tipo de raciocínio chega à conclusão de que a mulher velha é feia? Que escravizante bitola afirma que é feia a gorda? Que associação mesquinha conclui que rugas não são belas? Quem inventou que alguém tem que ser belo para ser amado, invertendo a verdade de que se torna belo quem é amado? Que sofisma cruel diria que se é loira e é burra, logo é mulher e, se é mulher, logo é perigosa? Ah! A cegueira egoísta, mesquinha, marginalizante do preconceito! Preconceito contra o outro e – pior! – contra si mesmo!
Falta-nos o amor! Falta-nos o amor! Porque além de tudo isso, a infelicidade de ser mulher, velha, loira e, portanto, burra, tudo isso desaparece como um sopro quando esta loira e velha tem a sorte de ser rica ou influente. Tudo se resolve como num passe de mágica. O raciocínio se reverte: se é loira, logo é burra. Porém, se é loira e rica, logo é a inteligência personificada. Se é velha e tem rugas, logo é feia. No entanto, se é velha, enrugada como ninguém, e rica, meu Deus, é a beleza mais acabada. Pode até ser mulher, não será ameaça, a não ser que o dinheiro dela ameace o meu!
Falta-nos o amor! Falta-nos o amor! O mesmo homem que, quando menino, sangrou com um murro o nariz do colega que xingou sua mãe é o adulto de hoje que, não tendo encontrado o caminho do amor, desrespeita a mulher, merecendo – embora não receba – o mesmo tratamento que deu ao colega na infância.
Loira, burra, velha, enrugada, gorda, feia, pobre e, ainda por cima, mulher. Triste sina a de quem nascer assim no Brasil! Tirando a inteligência, que não conhecemos, e as rugas – esticadas, talvez, pelo plástico que a matou – tivemos, há pouco, uma maria-do-carmo morta, esquartejada e jogada em sacos plásticos para lixo. Não sabemos se era como lixo que se sentia, caso tivesse preconceito contra si mesma. Podemos imaginar, porém, que pelo menos a lixo a mente doentia do plástico a reduziu bem antes de matá-la. Ele, enfermo, fez materialmente o que o preconceito é capaz de fazer intelectual e espiritualmente. Diante disso, as piadas e e-mails são só um sintoma, só a pontinha do iceberg.
Falta-nos o amor! O preconceito tem suas raízes no temor! E temor e amor se excluem, como diz São João, porque o amor é acolhida irrestrita, enquanto o temor é rejeição sem fundamento.
Maria Emmir Nogueira
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