Um alerta ante o pecado da indiferença para com os pobres e um chamado a reduzir o escandaloso abismo que os separa dos saciados foi lançado nesta sexta-feira pelo pregador da Casa Pontifícia ante o Papa e seus colaboradores da Cúria.
Em sua terceira pregação da Quaresma, em torno das Bem-aventuranças Evangélicas, o Pe. Raniero Cantalamessa, O.F.M. Cap, abordou a aplicação prática que se refere aos pobres e famintos.
E o fez integrando o que recolhem os evangelhos de Lucas e Mateus: «Bem-aventurados os que agora sentis fome, porque sereis saciados», o primeiro; e a do segundo, que fala dos que têm fome e sede de «justiça».
Os que têm fome são os pobres «considerados no aspecto mais dramático de sua condição, a falta de alimento»; «paralelamente, os ‘saciados’ são os ricos que em sua prosperidade podem satisfazer não só a necessidade, mas também a vontade ao comer», apontou.
Ressaltou a advertência evangélica com relação aos «ricos»: «não são condenados pelo simples fato de serem ricos, mas pelo uso que fazem, ou não, de sua riqueza».
E mostrou a atualidade da parábola do rico e do pobre Lázaro, referindo-a a tudo que acontece, em escala mundial, entre o primeiro e o terceiro mundo.
«O maior pecado contra os pobres e os famintos é talvez a indiferença», lamentou o pregador do Papa, recordando que «ignorar as imensas multidões de mendigos, sem teto, sem cuidados médicos e, sobretudo, sem esperança de um futuro melhor — como escrevia João Paulo II na encíclica ‘Sollicitudo rei socialis’ — significaria parecer-nos ao rico que fingia não conhecer o mendigo Lázaro, prostrado à sua porta».
Por isso é preciso «abandonar as barreiras e deixar-se invadir por uma sã inquietude por causa da espantosa miséria que há no mundo» — exortou –, a exemplo de Cristo, que suspirava de compaixão ante as carências da gente.
«Eliminar ou reduzir o injusto e escandaloso abismo que existe entre os saciados e os famintos do mundo é a tarefa mais urgente e mais ingente que a humanidade carregou consigo sem resolver ao entrar no novo milênio», constatou.
E é «uma tarefa na qual sobretudo as religiões deveriam distinguir-se e encontrar-se muito além de toda rivalidade», — afirmou o pregador do Papa — porque «uma empresa desta envergadura não pode ser promovida por nenhum líder ou poder político, condicionado como está pelos interesses da própria nação e freqüentemente por poderes econômicos fortes».
Exemplo, a respeito disso, deu Bento XVI com seu «forte chamado» — recordou o Pe. Cantalamessa — de janeiro passado ao corpo diplomático acreditado ante a Santa Sé: «o escândalo da fome — disse naquela ocasião o Santo Padre –, que tende a agravar-se, é inaceitável em um mundo que dispõe de bens, de conhecimentos e de meios para saná-lo».
Somou a sua reflexão aos que «têm fome de justiça», pois «estar do lado dos famintos e dos pobres entra nas obras de justiça».
«Toda a justiça que Deus pede do homem se resume no duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo — afirmou o Pe. Cantalamessa. É o amor ao próximo, portanto, o que deve impulsionar os famintos de justiça a preocupar-se pelos famintos de pão. E este é o grande princípio através do qual o Evangelho atua no âmbito social.»
«Jesus nos deixou uma antítese perfeita do banquete do rico, a Eucaristia», sublinhou: «nela se realiza a perfeita “comensalidade”», «a mesma comida e a mesma bebida, e na mesma quantidade, para todos».
Mas advertiu o que acontece — «objetivamente, ainda que nem sempre com culpa» — inclusive «entre milhões de cristãos que, nos diferentes continentes, participam da Missa dominical», pois «há alguns que, de ao voltar para casa, têm à disposição todo bem, e outros que não têm nada para dar de comer a seus próprios filhos».
A recente exortação pós-sinodal de Bento XVI sobre a Eucaristia [«Sacramentum caritatis»] «recorda com força — insistiu o pregador da Casa Pontifícia: o alimento da verdade nos impulsiona a denunciar as situações indignas do homem, nas quais por causa da injustiça e da exploração se morre por falta de comida, e nos dá nova força e ânimo para trabalhar sem descanso na construção da civilização do amor».
Fonte: Zenit