As palavras sempre me encantaram! O seu poder de projetar mundos desconhecidos, terras distantes, sentimentos, desejos, levando-me a estar neles com todo o meu ser, era uma aventura que eu sempre pedia para viver. A princípio, com Fábulas e contos de Esopo, dos Irmãos Grimm, Monteiro Lobato. Contudo, desde pequena, escuto sobre o mistério da Palavra de Deus, que não era o deus dos meus livros de mitologia grega. Quando criança, diziam-me que um espírito tomou alguns homens e estes escreveram palavras proféticas. Para uma criança, essa versão fantasiosa bastava. Na juventude, as aventuras vividas em reinos distantes continuavam, mas a fantasia não bastava, queria a ciência. Sem pretensão, desejava a grande verdade, e me deram o magistério da Igreja, o Catecismo da Igreja Católica “(…) Todavia, este Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado” (n. 85-87). Com o passar dos anos, encantando-me com livros, contos, fábulas, buscas de verdade, esqueci-me do livro que não passa. Entretanto, nenhum escritor tinha, por muito tempo, o meu coração, e as Palavras de eternidade ouvidas a cada missa dominical ecoavam em mim e me atraíam “(…) O céu e a terra passarão, mas a minhas palavras jamais passarão” (Mt 24, 34-35).
Hoje, anos depois, experimentei mais uma vez o mistério, que não é fantasia. Rezando com a Palavra de Deus, fiz uma viagem no tempo, confrontada com a verdade de um livro que é atemporal. Paulo e Judite. Novo e Antigo Testamento. O passado recente comprovando o passado distante. Judite, a mulher que primeiro observou, silenciosa, a conduta do seu povo. A mulher que não se calou diante do desafio que o seu povo impôs contra o seu Deus. A filha de Israel sabia que “(…) para advertência, o Senhor açoita os que Dele se aproxima” (Jud 8, 27), e ela sequer tinha visto quantos açoites foram dados no Prometido a Israel. Saulo, o judeu, educado aos pés de Gamaliel, torna-se Paulo. O homem que continua a perseguir, porém, mudando o alvo, agora persegue a vontade daquele Deus que lhe fala e cura, que intervém. Paulo, apedrejado, entende também que “(…) é preciso passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus” (Atos 14, 22).
Paulo e Judite, tempos diferentes sob o mesmo kairós, aventuras diferentes pelo mesmo propósito. Paulo combateu “sofrendo açoites, apedrejamentos, perigos em rios e desertos, salteadores, foi perseguido pelos gentios e pelos de sua nação, três vezes naufragou, numa delas passou um dia e uma noite em alto mar” (II Cor 11, 24-28); lançou-se na corrida do anúncio de que Cristo ressuscitou, totalizando, segundo cálculos da Universidade de Stanford, 16.547 km em suas quatro viagens, proclamando a Palavra encarnada, guardando a fé e a coroa da justiça (II Tim 4, 7-8). Judite se prostrou e recebeu a valentia almejada (Jt 9,9), a linguagem e a beleza necessária (Jt 9,13) para a vitória. Também ela cantou um canto novo: “Senhor, tu és grande e glorioso, admirável em tua força, invencível. Sirva a Ti toda a criação. Porque disseste e os seres existiram, enviaste teu Espírito, e eles foram construídos, e não há quem resista à tua voz” (Jt 16, 13-14).
É como a moral do conto, As Fadas, de Charles Perrault, diz: “Se diamantes e dinheiro têm para as pessoas valor, mais valor tem as palavras. E, mais que valor, resplendor.” Mais que fábulas, a Palavra de Deus resplandece uma vida autêntica de um Alguém que amou até o fim e, com isso, ensinou muitos a amarem; um Alguém que desafia os tempos, os reis, os deuses, a fantasia, pois supre tudo que eles pretendem dar. O Alguém que permite a dor, a cruz, para coroar com a eternidade, pois resplandece ressurreição, divindade. Como Alice no País das Maravilhas, “Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então”, a criança da fantasia, a jovem da ciência, hoje mudada por uma palavra que não passa, que é mais que fábulas.
Eduarda Chayene
Consagrada Comunidade de Vida