São João Paulo II em sua carta Mulieris Dignitatem fala da maternidade como uma das dimensões da vocação da mulher, vocação que é extraordinária, porque é ela que gera vidas para Deus e para a sociedade.
Uma das definições de ser mãe que vem à minha mente é a que está numa canção cheia de boas recordações que minha mãe me ensinou, tendo ela própria aprendido de sua mãe: “Mãe é uma só que a gente tem no mundo; mãe é o amor mais puro e mais profundo; por isso em minhas preces eu sempre peço ao Bom Senhor; que nunca, nunca me faltem seus bons conselhos e seu amor.”
Refletir sobre a maternidade é primeiro pensar na minha gestora e em tudo que ela deu de si para que eu hoje esteja aqui, como Shalom, filha de Deus, casada e mãe. Quando eu era adolescente e a afrontava, achando-a “careta”, exagerada e que ela não me entendia, ela dizia: “Um dia você vai ser mãe, aí você irá entender.”. Hoje, sendo mãe, eu entendo.
Comecei dizendo isso porque o diálogo de gerações é importante nessa trajetória. Uma excelente forma de aprender é buscar a sabedoria e a experiência daquelas que, na maternidade, já colheram mais flores e espinhos do que nós.
Mas voltemos a uma definição melhor, a de São João Paulo II: “Como fato e fenômeno humanos, [a maternidade] explica-se plenamente tendo por base a verdade sobre a pessoa. A maternidade está ligada com a estrutura pessoal do ser mulher e com a dimensão pessoal do dom: ‘Adquiri um homem com o favor de Deus’ (Gn 4, 1). O Criador concede aos pais o dom do filho. Por parte da mulher, este fato está ligado especialmente ao ‘dom sincero de si mesma’. As palavras de Maria na Anunciação: ‘Faça-se em mim segundo a tua palavra’, significam a disponibilidade da mulher ao dom de si e ao acolhimento da nova vida.” (Mulieris Dignitatem)
Diante dessa definição, conto minha experiência, que se iniciou como a de muitas mulheres, que mesmo sem problemas biológicos não conseguem engravidar. Foram dois anos de uma longa espera, orações, frustrações; mas sempre esperança, na excelente companhia da Virgem Maria.
Ao fim desse tempo, em pleno início de pandemia no Brasil e num cenário exterior de medo e morte, a minha gravidez foi um bálsamo, uma alegria imensa para mim e meu esposo, e uma notícia que encheu também de felicidade e esperança a minha família. Direi apenas que Deus nos ouviu, para não entrar em detalhes.
No meu mundo ideal minha gestação deveria ser bem tranquila e eu, apesar dos desafios, conseguiria “tirar de letra”. Bem, não foi assim que aconteceu. Logo no início tive descolamento da placenta, o que me obrigou a usar uma medicação que aumentava os enjoos; aos cinco meses e meio um pico hipertensivo repentino forçou uma internação, com pré-eclâmpsia; somou-se a isso uma crise (intensa) de ansiedade. Esse último fator, que me tirou da razão, fazia-me já imaginar o pior enredo possível: a situação se agravaria e seria meu fim nessa terra. O processo bioquímico no qual entrei me levou a estar interiormente desesperada e me sentindo sem o chão da fé e da esperança, e sem conseguir acreditar em qualquer favor vindo do Senhor.
Eu precisava permanecer ali, pois a criança tinha que “amadurecer” o mínimo necessário para o parto. Nesse quadro, eu só me sentia segura (ou menos insegura) com a presença do meu marido, pois ele, apesar de estar sofrendo com a difícil situação em que via a esposa e a filha, sempre transparecia segurança e confiante de que tudo se resolveria da melhor forma, que Deus interviria e conduziria tudo.
A ansiedade e a gravidade da situação em que eu me via eram tão agudos que, nas minhas contas, fiquei mais ou menos 10 dias sem dormir nem de dia nem de noite, tendo apenas pequenos cochilos. Além de mencionar que nessa internação tive diabetes gestacional e muito acúmulo de líquido pelo corpo, e que, por causa da pandemia, eu não podia ser visitada como seria em tempos normais, o que aumentava a sensação de isolamento/solidão. Não tenho como contar todos os detalhes, pois seria muita coisa e algumas nem seriam edificantes. O fato essencial é que eu não estava só. Mesmo com a fé abalada, Deus estava comigo e meus irmãos e familiares não me abandonavam, em oração.
Eu recebia a Eucaristia, pois uma ministra da minha Comunidade levava; minha irmã e mãe faziam de tudo para me alegrar; meu marido não saía do meu lado e, enquanto isso tudo acontecia, nossa filhinha ia amadurecendo no meu ventre. Precisávamos esperar esse processo a fim de aumentar as probabilidades de ela ficar bem após o parto.
Encurtando a história, quase um mês após a internação, chegado o dia do parto eu nem mesmo pude vê-la, pois ela precisaria imediatamente receber cuidados especiais. Pela intercessão da Virgem Maria, nesse processo recebi a graça de acolher minha própria gestação, aceitar minha filha e também estar pacificada no dia do parto.
O parto foi tranquilo. Nossa filha nasceu em torno de 18h, pesando 920g, ao som instrumental da música “Como és lindo” (Vida Reluz), e aos cuidados de uma equipe muito atenciosa. Apesar das privações de contato, antes de ser entubada, nossa pequena ainda pôde ouvir a voz do seu pai dizendo: “Coragem, minha filha! Seja forte! O papai está aqui!”. Não comentarei sobe isso, apenas direi que, como mulher, também aprendo a ser mãe vendo meu marido ser pai. As duas missões são complementares, e isso é maravilhoso.
Após o parto, tive síndrome de Hellp, um agravamento da pré-eclâmpsia, mas isso passou e tive alta no dia de Santa Teresinha, minha amiga do céu. A filha ficou por mais dois meses na UTI, mas sem grandes problemas. Após isso, ainda na pandemia, ela ainda ficou um mês na UTI com síndrome inflamatória pós-covid e bronquiolite, já com seis meses. Outra aflição que vivemos “sem saber” de onde tiramos forças para atravessar.
Hoje nossa filha tem três anos e meio; é cheia de alegria e, como é sentimento comum aos pais, não podemos imaginar nossas vidas sem ela, apesar de termos sempre diante de nós o fato dela ser um presente de Deus, que devemos a cada dia educar para Ele, para amá-Lo acima de tudo. A cada fase da vida dela entro também em uma nova fase da minha maternidade, com seus desafios e graças próprios, mas, em todas as fases, é sempre o Senhor o horizonte, assim como também é Ele a fonte da minha missão de mãe, e como é Dele a graça para cumpri-la.
A maternidade hoje, com um excesso de informações (às vezes conflitantes) às vezes parece apenas uma técnica, algo que se deve fazer/executar, e perfeitamente. Quantas mães ansiosas e angustiadas, sem saber que norte seguir! Na verdade, a maternidade também tem um caráter de mistério, pois é também uma missão dada por Deus. Por isso, não obstante às informações a que tenho acesso, às atualizações da ciência e os profissionais a quem posso recorrer, eu suplico ao Espírito Santo que me forme, que me inspire a como viver esse dom e, sempre que falho de alguma forma, me ajude a recomeçar com humildade nessa escola, acolhendo os “professores” que Ele me apresenta.
Agradeço a Deus pelas mulheres da minha vida: Nossa Senhora, meu maior exemplo de feminilidade e maternidade; minha mãe, a melhor que eu poderia ter, tão doce e corajosa; minha irmã, tão guerreira e doada aos filhos; Emmir, mãe espiritual e exemplo de mulher de Deus.
Enfim, meu louvor Àquele que é anterior a tudo, o Senhor, pelo dom da maternidade e pela salvação que esse dom gera em minha vida. Finalizo recordando uma palavra que Ele me deu durante minha internação, embora eu não cresse na sua eficácia naquele momento: “Não morrerei; mas ao contrário, viverei para contar as grandes obras do Senhor.” (Salmo 117, 17).
Shalom!
Celcina Gomes Cardoso Costa – Consagrada da Comunidade Aliança