Estamos entrando numa era em que a personalidade dos homens passa por uma mutação com relação à das mulheres? Atravessamos uma época de mutação ou inversão dos papéis sociais masculinos e femininos? Estamos em transição, como dizem alguns, para uma cultura feminina ou cultura da mãe? Sofremos, neste sentido, os efeitos de um mimetismo de autodefesa?
Não me atreveria a responder a perguntas tão imensas. Além de atrevimento, seria uma tremenda precipitação. Limito-me a partilhar algumas experiências e impressões que nos ajudem a refletir em um aparente enfraquecimento da figura masculina que pode ser constatado em um número crescente de adolescentes e jovens que, meio inseguros, meio amedrontados, deixam um rastro de preocupação nos mais atentos às mudanças comportamentais.
Já interpelada pelo crescente número de jovens e homens “enfraquecidos” em seu comportamento e personalidade, consegui parar diante de um desenho animado que me prendeu a atenção pelo fato de ser eminentemente “feminista”. As meninas super-poderosas voaram para um lado e para outro com o cenho sempre franzido em sinal de coragem, audácia e indignação, como os cavalheiros de antigamente. Até aí, exceto pelo semblante guerreiro, nenhuma novidade. O primeiro fato novo era que estavam perseguindo uma bandida – e não, como tradicionalmente acontece nestes filmes, um bandido.
Ao prenderem a ladra (a tal bandida era especialista em roubo a bancos e caixas de lojas), esta as convenceu de que estavam cometendo um erro ao prendê-la, uma vez que, sendo ela mulher, estariam agindo contra seu próprio grupo e, assim, enfraquecendo a “classe feminina”. Como só comecei realmente a prestar atenção ao filme nesta altura, posso estar enganada quanto aos detalhes do diálogo, mas este me parece ter sido seu terror, uma vez que as meninas, mais que depressa, liberaram a bandida e foram para casa.
Chegando ao lar, visivelmente mal-humoradas, voam sala adentro passando, indiferentes, pela única figura masculina do filme: o pai que, sem jamais aparecer a não ser da altura do cotovelo para baixo (portanto, sem rosto, sem personalidade), dá-lhes uma ordem enquanto, de avental caseiro, passa o aspirador no tapete da sala. Indiferentes ao pai impotente, as três, em protesto feminino, entram no quarto, trancam a porta e se põem diante da tv, decididas a conquistarem ou preservarem seu “espaço feminino” não mais lutando contra a bandida. Enquanto isso, a facínora prossegue seus assaltos a bancos e lojas, de onde carrega sacos e mais sacos de dinheiro.
O deleite das super-poderosas é interrompido por telefonemas que lhes cobram se vão mesmo deixar a cidade entregue à desordem e ao medo. No começo, respondem que estão defendendo a “classe feminina”, até que são convencidas de que a bandida as tinha iludido a fim de agir com mais liberdade. Novamente irritadas, novamente carrancudas, decidem, então, voar e prender a bandida, metendo-a na cadeia através do telhado da mesma.
O filme encerra-se com as meninas voando e fazendo seu gesto característico de unidade e força com os devidos raios coloridos a riscar o ar. No ar fica, porém, a incômoda impressão da promoção irresponsável de uma disputa e competição entre os dois sexos e de um pai enfraquecido e despersonalizado a aspirar, pateticamente, o tapete da sala.
No meu caso, a impressão tornou-se preocupação e perplexidade quando, no dia seguinte, encontrei um garotinho de três ou quatro anos, montado em um cabo de vassoura à guisa de cavalo, como nos tempos antigos, com uma fralda devidamente amarrada no pescoço. Com a ingênua esperança de ouvir a resposta de que ele seria o Zorro, perguntei, como toda “tia” chata: “Nossa! Como você é forte! Quem você é?” e o pequeno respondeu, com a paciência resignada mas triunfal das crianças obrigadas a responder a perguntas bobas: “Sou a menina super-poderosa!” Na mesma hora, decidi escrever este artigo.
Tenho uma filha e três filhos, sendo o último um adolescente de quinze anos. Criada em meio aos três irmãos que uma hora eram o homem aranha e na hora seguinte o super-homem, correndo, livres, pelo jardim da casa, não me recordo de a ter visto dizendo que era um desses heróis, ou o Batman, ou o Zorro, Bat-boy, Mutantes, ou qualquer outra figura masculina da época. No máximo, quando a vontade de participar da brincadeira era muita, ela e a prima abandonavam as bonecas (sempre defendidas pelos super-heróis) e decidiam: “Agora faz de conta que sou a mulher maravilha!” Os papéis masculinos e femininos não costumavam misturar-se na fantasia infantil. O homem tinha o seu valor e a mulher o seu. O homem tinha, bem definido, seu papel, e a mulher, bem delineado, o dela.
Não sei bem o que aconteceu, mas parece-me que, de repente, o sucesso da Xuxa e o fracasso do Sérgio Malandro, substitutos cada vez mais freqüentes dos pais e mães ausentes, foi crescendo e se multiplicando em Elianas, Angélicas e congêneres. Em seus programas, os homens foram tendo papéis cada vez mais associados a personagens ridículos, desengonçados, ou, simplesmente, belo objeto de desejo das paquitas e elianetes. O modelo exaltado e oferecido como aquele que é forte, bem sucedido, belo e agradável foi sendo, cada vez mais, o da mulher: loura, jovem, magra, sexy e nada, nada pedagógico.
Os homens e meninos dos desenhos animados com suas antigas belas cores e formas, foram sendo substituídos por monstros mutantes feitos de peças metálicas, seres interestrelares, monstros imaginários. As crianças que aparecem hoje nos desenhos – fruto desta mutação esquisita – têm as feições desfiguradas, cabeça de esponja, de ovo, de bigorna, de disco-voador, com os olhos diferentes entre si, o cabelo espetado, o corpo irritantemente minúsculo e desproporcional. Os meninos são, no mais das vezes, bobos ou malvados e as meninas, em geral, espertas.
Onde foi parar o modelo masculino? Pai ausente, televisão presente sempre com mulheres. Elas, sim, são sucesso, têm prestígio, atraem homens, como o pai. Pronto! Fica estabelecida a equação do perigo. É muito, mas muito mais vantagem ser mulher do que homem. A quem irão os garotos imitar?
O papel de pai vai para o tolo do Simpson e seus amigos bobalhões, mal educados e horrorosos. O papel de mãe vai para a desequilibrada e temperamental senhora Simpson, mãe de uma menina esperta e de um garoto bobão.
Diga-me com sinceridade: se você fosse um garotinho, a quem imitaria para tornar-se prestigiado? A quem elegeria como modelo? Com quem se identificaria?
Não quero colocar toda a culpa na mídia e na ausência dos pais. Seria simplório, parcial e muito pouco inteligente diante de um contexto tão complexo quanto o nosso. No entanto, não é verdade que dá o que pensar?
Tudo se torna mais preocupante quando vemos a imagem completamente anacrônica da mãe-bomba que tira a última foto com o filhinho de um ano nos braços ou as fotos chocantes da soldada a apontar a genitália dos prisioneiros iraquianos que, com incontestável bom humor, submetia à tortura. É de se perguntar: que imagem de mulher estamos apresentando para as nossas crianças? E a imagem da mãe, sempre relacionada à vida do filho, onde foi parar? A que imagem de homem as crianças têm tido acesso? Não seriam os jovens enfraquecidos de hoje, os “mammone”, como dizem os italianos, fruto desta descaracterização, desta inversão, desta confusão de papéis somada à ausência dos pais não somente de casa, mas também de sua educação? Ou será que estamos em pleno nó de uma mutação cultural onde os papéis tendem a se confundir ou se inverter ou, como defendem alguns, a se redefinir?
Sinceramente, não sou do tipo que pensa que o homem para ser homem tem de pegar “no pesado” e nem tocar em tarefas domésticas, nem do tipo que acha que a mulher é um bibelô com prendas domésticas. Longe disso. Não creio que sejam estas coisas que definem os papéis dos dois sexos. No entanto, fico a me perguntar se o notório enfraquecimento da figura masculina na geração jovem de hoje, com as jovens cada vez mais agressivas – verbal, sexual e comportamentalmente – e os jovens cada vez mais “suaves”, inseguros e medrosos, não tem mesmo nada de preocupante, nada que, dentro de alguns anos, irá alarmar-nos e nos fazer desejar retornar a conceitos e valores que, independente de época ou cultura, têm, através dos séculos, definido o verdadeiro varão e a verdadeira mulher na medida e estatura de Jesus Cristo.
Maria Emmir O. Nogueira
Fonte: Comunidade Católica Shalom