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Morte encontro com o absoluto

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O pensamento da morte não nos deixa colocá-lo de lado ou removê-lo com pequenas astúcias. A maioria de nós procura reprimi-lo. Empregamos notável parte de nossas energias para ter longínquo o pensamento da morte. Esforço psicológico para cobrir o que tende sempre a ser descoberto.

Alguns ostentam segurança de si mesmo, dizendo que sabem que devem morrer, mas não se preocupam excessivamente; pensam na vida e não na morte. É a posição do homem secularizado que procura ser independente da fé, e de Deus. Isso não é senão um de tantos modos com que se tenta exorcizar o medo.

Muitas pessoas tentaram dar resposta ao problema da morte. Os poetas não propõem soluções, mas tomam consciência de nossa situação. Parece vento impetuoso que levanta ondas altas do mar e não se sabe o que mais atingirá nem como, haja visto o tsuname. “Assim, diz um poeta, sou eu que sem rumo, giro pelo mundo, sem pensar de onde vim, nem para onde vou”.

Os filósofos tentaram explicar a morte. Não basta dizer como Epicuro que a morte é falso problema, porque “quando estou eu, não está ainda a morte, e quando está a morte eu já não estou mais”. Para o marxismo, a morte é preocupação da pessoa, e como não é a pessoa humana que conta, mas a sociedade, a espécie não morre. O homem sobrevive na sociedade que contribuiu para construir. O marxismo, porém, terminou, e o problema da morte ficou. O comunismo perdeu a batalha nos corações. Diante da morte não soube fazer outra coisa do que construir grandes mausoléus a Lênin e a Stalin.

Heidegger, filósofo moderno, disse que a morte não é incidente que põe termo à vida, mas é a substância mesma da vida. Não podemos viver senão morrendo, Cada minuto que passa é fragmento que queima nossa vida. Morro cada dia um pouco.

Em nossos dias difunde-se a doutrina da reencarnação. Quem se recordará do que foi ou fez em vidas precedentes? E a consciência de ser a mesma pessoa? Se existisse, seria não um suplemento de vida, mas de sofrimento; não seria motivo de consolação mas de susto. É como se dissesse a um encarcerado que ao fim de sua detenção sua pena foi redobrada e tudo deve começar de novo.

A carta aos Hebreus 9,27, afirma: “Foi estabelecido que os homens morrem uma só vez; depois dela vem o julgamento”. A fé cristã professa a ressurreição da morte.

O Documento de Aparecida dos Bispos da América Latina e Caribe nos diz: “Jesus Cristo nos foi dado, a plenitude da revelação de Deus, tesouro incalculável, a “pérola preciosa”, cf. Mateus 13,45-46, o Verbo de Deus feito carne, Caminho, Verdade e Vida dos homens e das mulheres, aos quais abre um destino de plena justiça e felicidade. Ele é o único Libertador e Salvador que, com sua morte e ressurreição, rompeu as cadeias opressivas do pecado e da morte, revelando o amor misericordioso do Pai e a vocação, dignidade e destino da pessoa humana”.

Mas a que serve pensar na morte? É necessário ou útil fazê-lo? Sim é útil e necessário. Serve antes de tudo a preparar-se e a morrer bem. Vale a pena recordar de novo o Salmo 89, 12: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e atingiremos à sabedoria do coração”. Não existe melhor ponto em que se colocar para ver o mundo, a si mesmo e todos os acontecimentos em sua verdade, do que no da morte.

A interrogação sobre a morte suscita e orienta para uma resposta, resposta que vem de Cristo, resposta que manifesta como na morte a vida se recria, se completa e se totaliza, “a criação mesmo espera com impaciência a revelação dos filhos de Deus” (Romanos 8,19), porque a experiência mortal foi vencida pelo Ressuscitado. O drama do “por que” permanece, mesmo se “as almas dos justos estão junto do Senhor; a escuridão da noite e das inquietudes existe mesmo se a luz de Deus, às vezes fraca e apenas palpitante para nossas pupilas doentes, nos conduz à uma festa de sol e de paz. O Senhor eliminará para sempre a morte.

Recordamos os nossos mortos, todos, os nossos e os outros, os grandes e os pequenos, os que têm um monumento e os que têm somente um pouco de terra que os cobre, recordamos como riquezas dadas por Cristo, como sinal do drama humano, como testemunho do encontro com a salvação.

Dom Geraldo M. Agnelo
Cardeal Arcebispo de Salvador (BA)

Fonte: CNBB


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