Dom Pedro José Conti
Amarcha nupcial do músico alemão Mendelssohn é famosa. Conta um anedotaque, talvez, a inspiração dessa tocante melodia tenha surgido dahistória matrimonial do avô do próprio músico, Moses Mendelssohn. Esteera corcunda. Apesar de ser uma excelente pessoa, devido à suaaparência física, não conseguia encontrar uma boa moça para namorar ecasar. As suas tentativas sempre fracassavam. Um dia, porém, ele tomoucoragem, comprou um buquê de flores e foi bater na porta da casa de umalinda jovem pela qual se sentia atraído. Ao abrir a porta, a moça ficousurpresa. Ficou mais sem jeito ainda, quando o rapaz, meio escondidoatrás do buquê de flores, perguntou se ela acreditava que os casamentoseram combinados pelos anjos lá no céu.
– Acredito – respondeu candidamente a jovem.
–Que bom – continuou Mendelssohn avô – É que eu tive um sonho. Estava nocéu e o anjo encarregado do meu casamento apresentou-me a minha noiva.Qual foi a minha decepção quando vi que ela era corcunda. Não conseguificar calado e disse ao anjo:
-Se um de nós dois deve ser corcunda, que seja eu, mas ela não. Porfavor. A minha futura esposa deve ser bonita e perfeita! O sonho acaboue eu estou aqui – concluiu o jovem, agora estendendo o buquê de florespara a moça bonita. A jovem aceitou a oferta em silêncio, muitocomovida pelas palavras e a atitude do bom jovem. A ousadia e asinceridade dele abriram o coração dela que, mais tarde, acabou mesmocasando com o avô do músico.
Essaanedota nos lembra que todos nós carregamos qualidades e defeitos.Destes últimos, sobretudo, alguns são bens visíveis, outros menos,outros ainda nós os guardamos muito bem escondidos. Porém, antes oudepois, ao longo da vida, eles acabam aparecendo. Quantos maridos eesposas, após tantos anos de convivência, dizem um ao outro: “Você nãoé mais o mesmo que eu conheci e pelo qual me apaixonei!”- ousimplesmente: “Quem é você? Não a reconheço mais!”
Éverdade. Todos nós mudamos com o tempo, muito ou pouco e não sófisicamente. Mudamos por causa das experiências, como conseqüência deerros e de acertos. Mudamos muito por causa das pessoas que encontramosna vida. Podemos mudar para melhor ou para pior. Mudamos idéias,caráter, costumes. Também descobrimos que tudo isso, que acontececonosco, é visível também nos outros. Contudo se nem sempre admitimosalgo de diferente em nós, muito mais fácil é ver as mudanças nosoutros. Quem pensava ter amado uma certa pessoa e por isso casado comela, um dia descobre que ela mudou tanto, que parece impossívelcontinuar a amá-la. Às vezes, os relacionamentos se tornaminsuportáveis e os casamentos desmoronam. O que devia ser eterno parecechegar ao fim.
Jesus,porém, continua a nos dizer que o que Deus uniu o homem não deveseparar. São os anjos agora que não sabem mais “combinar” bem oscasamentos? É Jesus que está atrasado e fora de moda? Ele não sabeque hoje os tempos são outros? Temos a impressão que palavras comofidelidade e indissolubilidade perderam sentido e seriedade. Vivemos nasociedade do imediato e do provisório, das aparências mais do que darealidade. Queremos ser felizes hoje, já. Do nosso jeito. Colocamos onosso eu acima e antes de tudo e de todos.
Afelicidade e o amor para Jesus são bem diferentes daqueles que amodernidade exalta. Andam juntos com o compromisso, o sacrifício, adoação e a capacidade de colocar o bem dos outros, se não sempre antesao menos no mesmo plano e valor que o nosso. Evidentemente doar aprópria vida por amor a Deus e aos irmãos não está mais nos planos demuitos jovens, moças e rapazes. Nem pensar! Talvez sem perceber estamosficando cada vez mais egoístas e individualistas. O nosso eu, o nossoprazer e a nossa felicidade acima, apesar de tudo e de todos. Estamossendo um universo de ilhas ilusoriamente felizes. Até o matrimônio virabem de consumo. Troca-se de marido ou de mulher como se fosse umamercadoria no shopping da vida. Não é. É uma pessoa. Que também ama,sofre e deseja ser feliz.
Matrimôniocristão não é só marcha nupcial, igreja enfeitada, conto de fadas. Éalgo que se constrói levando sempre em conta os corcundas que somos,carregando os nossos defeitos e as nossas limitações, visíveis ouescondidas. O amor verdadeiro “desculpa tudo, crê tudo, espera tudo,suporta tudo” (cfr. 1 Cor 13,7). Este é o único caminho da felicidade.Só assim a música da marcha nupcial não acabará nunca.