Formação

O namoro cristão e suas exigências

O senso da medida, a prudência e a temperança, o bom senso e o discernimento evangélico vão abrindo os caminhos para namoros e noivados santos e maduros.

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As experiências de abrir-se ao tu são de grande importância no processo de auto-definição do eu. A diferença abre portas e janelas impensáveis além de oferecer abertura e possibilidades para uma notável auto-percepção, para o conhecimento de si.

“Ser com os outros no seu significado profundo e genuíno, significa que o sujeito humano consciente de si nunca está sem referência a outros sujeitos humanos. A sua existência está sempre voltada aos outros, ligada aos outros, em comunhão com os outros. A existência pessoal se desenvolve e se realiza junto com os outros no mundo. O senso mesmo da existência está ligado ao apelo do outro que deseja ser alguém diante de mim, o que me convida a ser alguém diante dele, no amor e na construção de um mundo mais justo e mais humano” .

O processo de auto-construção da pessoa na sua dimensão de identidade (também na esfera sexual) é de grande importância e principia sobretudo a partir da adolescência. “O amor nos adolescentes é em grande parte uma tentativa de definir a própria identidade por meio da projeção da imagem confusa do próprio eu sobre uma outra pessoa, com o fim de vê-la assim refletida e progressivamente mais clara” .

As amizades e o processo do surgimento dos namoros devem ser marcados pelo autêntico desejo de uma auto-construção positiva, na serenidade, no respeito recíproco, no domínio de si, na dedicação a deveres assumidos com seriedade e responsabilidade. São ocasiões de crescimento verdadeiro. O tempo que antecipa a vivência do matrimônio deve ser uma etapa de mútuo conhecimento, de diálogo, de oração, de descoberta da pessoa amada numa acolhida positiva e fecunda. É um tempo de aprender a superar os conflitos e conviver sadiamente com as diferenças. O namoro é uma caminhada de crescimento a dois que seguramente exigirá algumas renúncias. Uma vez assumidas com coragem e generosidade, tais renúncias criarão nos noivos ou namorados capacidades e possibilidades de assumirem sempre novas renúncias e os desafios próprios do casamento. Assim, estarão se preparando para a vivência madura de um matrimônio autenticamente cristão cujas tribulações e desafios não são poucos e nem são tão simples.

O deterioramento de certos casamentos pode ter por causa o desgaste. E por que este amor esfriou, se acabou? Por faltarem bases sólidas. O amor durante o tempo do namoro foi muito superficial, muito apegado aos prazeres, às facilidades. Faltou a renúncia, a oblatividade, uma gratuidade efetiva e afetiva. Muitas vezes a instabilidade encontrou bases na incapacidade de sofrer pelo outro, de dar a vida pela pessoa amada.. Noutras palavras, se buscou o que o outro me proporciona de bom e de belo, tantas vezes esquecendo o outro enquanto pessoa, também capaz de errar ou com seus limites. Sem este espírito altruísta, sem a gratuidade que se consolida no sacrifício e na renúncia, o amor não se sustenta.

Quem pode garantir que haverá fidelidade nas tribulações, nas crises matrimoniais, nas doenças, nas crises econômicas, nos desafios do controle de natalidade responsável, da gestação e da criação dos filhos, nas tentações de outros amores que prometem e parecem resolver todos os problemas? Os noivos na liturgia do matrimônio prometem ser fiéis um ao outro na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-se e respeitando-se todos os dias da própria vida . Estas promessas não serão cumpridas quando o amor é hedonista, egoísta, superficial, sem nenhuma capacidade de abraçar renúncias e sofrimentos. A dimensão da intimidade, tantas vezes entendida como acesso ao corpo do outro, exige uma forte componente desta dimensão altruísta e aberta. “A intimidade acontece quando um indivíduo é capaz de equilibrar o dar e o receber e pode buscar de satisfazer mais o outro do que simplesmente buscar a auto-satisfação e o sucesso” .

Namoros superficiais e instrumentalizadores da pessoa do outro em proveito próprio (do próprio prazer) podem gerar frustrações, desconfianças e medo de viver um relacionamento profundo e verdadeiro. Também os noivos “são convidados a viver a castidade na continência. Nessa provação eles verão uma descoberta do respeito mútuo, uma aprendizagem da fidelidade e da esperança de se receberem ambos da parte de Deus. Reservarão para o tempo do casamento as manifestações de ternura específicas do amor conjugal. Ajudar-se-ão mutuamente a crescer na castidade” .

É bem verdade que um desejo de manifestar fisicamente este amor, este afeto profundo, é natural e compreensível. Mas quando assume conotações claramente sexuais (no sentido de um profundo abrir-se à esfera de carícias que induzem ao uso da genitalidade) se mergulha num queimar de etapas que são próprias do matrimônio enquanto convívio estável na manifestação de um amor esponsal sacramentalizado com finalidades unitivas (o bem dos cônjuges) e procriativas (abertura à geração de filhos) formando assim uma família.

Se o amor humano na sua expressividade sexual-genital e demais dimensões foi elevado à dimensão de sacramento, então significa que o uso da sexualidade-genitalidade antes do matrimônio não manifesta só a ausência de um rito, mas a ausência da Igreja e por conseguinte de Cristo .

Na intimidade sexual, e também nas demais expressões da união matrimonial, Deus se serve da mediação dos esposos para manifestar o seu amor. Deus ama o esposo através da esposa e a esposa através do esposo. E quem introduz Cristo e sua graça no convívio estável de uma vida a dois entre um homem e uma mulher é exatamente o sacramento do matrimônio. Com razão, S. Paulo chama este sacramento de grande. O sacramento do matrimônio é símbolo do grande mistério da união esponsal de Cristo para com a Igreja . Por isso, seria banalizar o matrimônio todo reducionismo da sexualidade ao prazer genital ou destituir tal prazer da necessidade de uma inclusão integrada na esfera do amor a dois elevado à dignidade de sacramento.

Bem nos ensina o prof. Felipe Aquino: “A vida sexual de um casal não pode ser começada de qualquer jeito, às vezes dentro de um carro numa rua escura, ou mesmo num motel, que é um antro de prostituição. (…). O namoro é tempo de conhecer o coração do outro não o seu corpo; é tempo de explorar a sua alma, não o seu físico. (…). Espere a hora do casamento, e então você poderá viver a vida sexual por muitos anos e com a consciência em paz, certo de que você não vai complicar a sua vida, a da sua namorada, e nem mesmo a da criança inocente” .

A partir disso, a pessoa estrategicamente vai evitando tudo o que de alguma maneira pode excitá-la ou agitá-la sexualmente, tendo sempre em vista um bem maior. Namorados e noivos por exemplo evitarão carícias exageradas uma vez que tudo isso levará a certos movimentos hormonais e psíquicos que direcionarão a uma busca de prazer, culminando no uso da genitalidade. Se por exemplo, o lugar do encontro dos namorados é isolado e esta solidão constitui a possibilidade de certas liberdades, seria bom buscar de ir namorar em lugar mais iluminado, mais frequentado por outras pessoas. Bom seria dialogar mais, algumas vezes rezar juntos, etc. Um namoro autêntico não se esgota nas manifestações afetivas de ordem física. O importante é usar de sinceridade consigo próprio e com Deus. O senso da medida, a prudência e a temperança, o bom senso e o discernimento evangélico vão abrindo os caminhos para namoros e noivados santos e maduros. Quem aprendeu a se controlar e a viver estas saudáveis renúncias agora, se capacitará para viver as renúncias que lhes serão exigidas depois no matrimônio.

Além disso, o auxílio divino é sempre precioso, indispensável e essencial. Orar, meditar, viver a amizade com o Senhor nos ajudará a entender, que mesmo que existam elementos de ordem biológica e psíquica ou mesmo influências de ordem sociocultural, existem também forças espirituais que atuam neste contexto. S. Agostinho fala da importância desta continência como unificação pessoal. Além disso, centraliza o amor em Deus que se coloca numa verdade profundíssima: pede a Deus o que Deus mesmo há de lhe pedir: “É graças à continência que nos reunimos e nos reconduzimos à unidade, da qual nos afastamos para nos perdermos na multiplicidade. Pouco te ama aquele que ao mesmo tempo ama outra criatura, sem amá-la por tua causa. Ó amor, que sempre ardes e não te extingues jamais! Ó caridade, meu Deus, inflama-me! Tu me ordenas a continência: concede-me o que ordenas, e ordena o que quiseres” . Não nos iludamos pois que “não temos de lutar contra a carne e o sangue mas sim contra os principados e potestades contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares” . Poderíamos até considerar ingenuidade o fato de tantas pessoas atribuírem somente à esfera bio-psíquica uma realidade que também comporta um acirrado combate espiritual! Evidentemente não as desprezaremos (estas dimensões bio-psíquicas), mas não podemos nos deter nas mesmas. Haveria de ser um reducionismo perigoso.
Diz o apóstolo que «Deus não nos chamou a impureza, mas sim para a santidade» e para tanto ele exorta: «Mortificai, pois, os vossos membros terrenos: fornicação, impureza, paixão, desejos maus, e a cupidez, que é idolatria» . O próprio Mestre Divino aborda o assunto afirmando essa necessidade:

«Por isso, se o teu olho direito é para ti ocasião de queda, arranca-o e lança-o para longe de ti, porque é melhor para ti que se perca um dos teus membros, do que todo o teu corpo seja lançado na geena. E, se tua mão direita é para ti causa de queda, corta-a e lança-a para longe de ti, porque é melhor para ti que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo seja lançado na geena» .

Note-se, porém, que este arrancar não deve ser entendido no sentido literal, pois tudo o que Deus colocou no corpo humano tem uma finalidade boa, tem um sentido positivo, válido e significativo: «Deus viu tudo o que tinha feito; e era muito bom» . Todas as pessoas tanto os celibatários tanto os casados precisam tomar consciência que os órgãos sexuais continuam sendo sagrados e fazem parte do grande tabernáculo do Espírito Santo que é corpo humano e integram portanto a grande dignidade da pessoa humana.

No entanto, esta finalidade da sexualidade na pessoa humana, em função das desordens provocadas pelo pecado original, pode sofrer desvios e degenerações. Por isso, com palavras incisivas, Jesus proclama a necessidade de um compromisso sério e de uma dura intransigência para superar qualquer forma de desvio egoísta, com o fim de salvar o amor e dar-lhe vigor, mesmo que a custa de amputações dolorosas, porém libertadoras. Deus convoca a pessoa humana ao uso de uma liberdade responsável na sua capacidade de gerir a sua sexualidade e tal gestão possui uma significativa repercussão a nível escatológico. Deste modo, o uso dos órgãos sensíveis da visão, do tato, da audição (ao menos estes prevalentemente) devem se desviar e manter uma salutar distância de tudo o que comporta uma compreensão ou expressão da sexualidade afastada do plano de Deus ou que venha, de algum modo, a comprometer esta coerência com o projeto divino a esse respeito. Eis o sentido do cortar, arrancar, lançar fora. Não diz respeito ao anular, destruir ou sufocar, mas envolve um direcionamento que leve a integrar, direcionar, sublimar numa dinâmica positiva de abertura ao querer de Deus. Para que este processo atinja níveis de bom êxito na vivência da castidade, vai ser muito útil que a vontade seja sadiamente exercitada, iluminada por uma consciência bem esclarecida; eis a importância dos estudos, da reflexão da Escritura e sobretudo da intimidade com Deus na oração. Importa lembrar que antes de ser algo que se sustenta no muito saber, a castidade brota do muito amar e o muito amar só pode brotar do muito contemplar, do muito escutar e deixar-se trabalhar pelo Senhor.

O Senhor também diz que “O olho é a lâmpada do corpo. Se o teu olho for são, todo o teu corpo terá luz. Mas se o teu olho for defeituoso, todo o teu corpo estará em trevas. Se pois a luz que há em ti são trevas, quão espessas serão as próprias trevas!” . Esta parábola pequena nos ensina que se a inteligência e a vontade do homem forem obscurecidas e corrompidas pelo apego aos bens passageiros da terra ou pelas paixões ou apetites desordenados, toda a vida espiritual da pessoa ficará comprometida e corrompida pelo vício e como que lançada na escuridão, sem possibilidade de discernir o bem do mal e apreciar as coisas retamente.

À luz desta indicação que o Senhor nos oferece, importa abraçar com generosidade uma vida austera, uma vida de sacrifício. Custa muito? Então vamos em frente porque tudo aquilo que custa é porque tem valor. O que não tem valor, ninguém valoriza, nem aprecia. É tolice imaginar que terá domínio e controle sereno de seus impulsos sexuais quem se expõe às ocasiões, quem tem vida mole, folgada, vive no conforto, na preguiça, no espontaneismo, na falta de disciplina pessoal. Quem vive no ócio deve pensar que “gente desocupada é oficina de demônio”. Também diz S. João Crisóstomo: «A raiz e o fruto da virgindade é a vida crucificada» . Esta vida crucificada levará o cristão a uma amizade sempre crescente com o Senhor, afinal quem ama se identifica com a pessoa amada. Teresa de Jesus, com seu bem humorado senso do realismo afirma: “Deus leva por caminho penoso os que ama. Quanto mais lhes quer, menos os poupa. (…). Ora, crer que Deus admita à sua íntima amizade gente comodista e sem sofrimentos é disparate” . E nessa íntima amizade a castidade, acolhida como dom e conquistada com esforço, é um elemento que seguramente não pode faltar.

Os casais de namorados e noivos bem como cada indivíduo, busquem trabalhar-se corajosamente, encontrar soluções e não desistir de conduzir livremente a própria vida exercendo um decidido senhorio sobre seus impulsos, tendo por base os valores evangélicos e o equilíbrio afetivo.

A felicidade é também uma conquista que brota do auto-domínio. A Igreja nos instrui que o domínio de si mesmo “é um trabalho a longo prazo. Nunca deve ser considerado definitivamente adquirido. Supõe um esforço a ser retomado em todas as idades da vida” . A quem sinceramente se empenhar de atingir este bem aventurado autodomínio, não faltará o auxílio generoso e abundante da graça divina. Vale a pena conferir!

Por Pe. Marcos Chagas


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